Só um tapinha ...

João Carlos da Costa

No rádio, há algum tempo atrás ouvíamos com certa freqüência uma música, que muito incomodou nossos ouvidos e que, certamente, fariam Bach, Vivaldi e outros menos eruditos se virar na tumba de tanto ouvir, “só um tapinha não dói, um tapinha não dói, etc...”. A malfadada música faz apologia não ao uso da violência, mas a uma forma masoquista de satisfazer alguém no momento de prazer. Nada a ver com a polêmica Lei das Palmadas, aprovada na Câmara dos Deputados, mas que traz um parâmetro para fazer um comparativo com a emenda que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990.

A nova Lei propõe que crianças e adolescentes devem ser protegidos do castigo físico, “em que há o uso da força e resulte em sofrimento e lesão”. Até aí, tudo bem, porque é grande o número de crianças e adolescentes vítimas da violência no Brasil. Diariamente, se vê denúncias de crianças que sofrem maus-tratos, principalmente dentro dos próprios lares, cujos pais às vezes se livram da punição porque nem sempre essas denúncias progridem, por medo de retaliação ou de perder por motivo de prisão alguém do seu convívio diário, geralmente responsável também pelo sustento material. Esses fatos são vetores do aumento de crianças abandonadas e do envolvimento de adolescentes com as drogas.

Por outro lado, é de se recordar que na educação familiar tradicional no Brasil os castigos físicos sempre prevaleceram. Alguns duros em demasia, com o uso de varas de marmelo, trançados de couro ou cintas, que às vezes deixaram marcas durante muitos dias. Nas escolas, as famosas palmatórias faziam sucesso, mesmo em estabelecimentos religiosos de ensino. Eram sempre um dos últimos recursos quando a diplomacia e a psicologia falhava. O resultado traumático, na maioria das vezes, deixava marcas visíveis para que a criança ou adolescente nunca se esquecesse que a lição, violenta e excessiva, era para ensinar os verdadeiros caminhos da vida, sempre preservando valores como respeito aos mais velhos e o trato com urbanidade aos semelhantes e a formação do caráter. Um simples olhar “enviesado” do pai, da mãe ou avó, principalmente quando chegava visitas funcionava como um raio fulminando as pretensas intenções de peraltices e desobediências. As palmadinhas na bunda das crianças malcriadas sempre foram um método infalível para amenizar certas situações de abuso e teimosia.

A violência é condenável em qualquer circunstância e em nenhuma hipótese se justifica o uso dela para correção ou constrangimento. Porém, no caso das inocentes palmadas na bunda, que às vezes dói mais na mão de quem as aplica, às vezes são necessárias para transmitir valores importantes para a vida da criança quando esta se tornar adulta.

A sabedoria dos “antigos” ensinava que “uma vara se verga enquanto é verde. Se tenta fazer isso quando ela estiver seca ela se quebra”. Dessa forma se aprendia a importância do “sim” e do “não”, impondo limites. A permissividade nas últimas décadas prepondera de forma contagiosa e o reflexo deste novo modelo de educação do século XXI formou pessoas que só se preocupam com direitos e não com o conhecimento do que são disciplina e deveres, principalmente no que se refere à ética e cidadania.

É triste olhar a realidade com olhos críticos e verificar que os novos padrões de educação estão ultrapassados. Basta entrar num transporte coletivo. Nem precisa ficar de olhos tão abertos e ouvidos atentos para perceber atos repugnantes da rebeldia de adolescentes que, por saberem da proteção dos meios legais abusam dessa liberdade para falar palavrões e comentar intimidades em público, além do cometimento de crimes e contravenções penais.

Pais também sentem-se limitados no processo de educação familiar ao não poder reprimir um filho diante de alguém, mesmo com palavras, por receio de serem denunciados por abuso ou constrangimento. De repente, a nova Lei das Palmadas pode deixar os genitores, geralmente os parentes mais próximos, com as mãos ainda mais atadas, numa visível intervenção do Estado de forma negativa, fato este que poderá ainda fortalecer a desagregação familiar.

Como avaliar para punir?

A forma de julgar um tratamento cruel ou degradante é bastante subjetiva. De acordo com a nova lei, a responsabilidade maior para fiscalizar e avaliar as suspeitas, será dos Conselhos Tutelares e também dos juízes. Como constatar se uma palmada corretiva na bunda, por exemplo, foi um ato violento? A forma de ver varia de pessoa para pessoa. A interpretação, ou a má-interpretação da visão de um ato pode levar um pai ou mãe à punição severa, como o afastamento da moradia em comum. Isto, além de interferir no pátrio poder cria uma geração de pessoas cada vez mais sem comprometimento com a vida em sociedade, pois a ação corretiva através da palmada, ou até mesmo da “chinelada” em relação à educação familiar é necessária quando falham os outros meios pedagógicos. Desde que não se faça o uso da violência voluntária e desnecessária e que o objetivo seja realmente ensinar o caminho correto para a convivência em sociedade. Certamente esse é o pensamento da maioria dos pais do Brasil. A Lei das Palmadas, dessa forma, é válida sim, para coibir excessos, porém pode atrapalhar o relacionamento familiar. É possível que quem propôs a emenda ao ECA sobre esse assunto não tenha filhos ou teve pais muito pacientes e compreensivos.

João Carlos da Costa

 Bel. Químico, Bel. em Direito (aprovado pela OAB), Professor e Policial Civil. Contatos: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar." target="_blank">JoãEste endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. F. .