Antes de virar à direita, Cabo Daciolo ia de Marx a PSTU - 26/08/2018

       Candidato iniciou carreira no PSOL, sigla que apoia causas das quais ele quer se distanciar     

cf2908Assim o Brasil conheceu esta figura até então pouco expressiva nacionalmente: um presidenciável que ainda não aparecia em nenhuma pesquisa (agora tem 1% no Datafolha), mas que ganhou o direito de participar do debate da Band, com peixes-grandes como Bolsonaro (PSL), Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede).   

Este primeiro confronto entre adversários na corrida presidencial, há duas semanas, pôs na berlinda um candidato que popularizou uma teoria da conspiração nas redes sociais: claro que o representante do nanico Patriota, com sua oratória típica da extrema-direita, só entrou no páreo para fazer com que Bolsonaro parecesse um moderado.

Pois o cabo é cria do polo oposto, a esquerda: iniciou sua carreira no PSOL, assunto até hoje indigesto para uma legenda conhecida por defender causas das quais Daciolo quer distância, como o direito ao aborto e bandeiras LGBTQ.   

O namoro correu às mil maravilhas. Benevenuto Daciolo Fonseca dos Santos, o Cabo Daciolo, 42, parecia, afinal, o candidato dos sonhos. “Ele tinha uma inegável liderança num movimento extremamente popular, o dos bombeiros”, lembra o deputado Chico Alencar sobre aquele que viria a ser seu colega no PSOL.

E tem algo mais a cara da esquerda do que um líder grevista —e ainda por cima um tipo jovem que virou outdoor para bombeiros do Rio que exigiam melhores condições de trabalho? O oficial aparecia em reportagens como “Maré Vermelha” (“O Globo”), sobre as paralisações que o levaram a ser preso em 2012. Começou a ser assediado por partidos. 

Um deles era o PSTU, aquele do bordão “contra burguês, vote 16”. Esposa e mãe dos três filhos do cabo, Cristiane Daciolo, 45, não quer falar sobre direita e esquerda. O que importa, diz à Folha, é que “eles apoiaram muito [a greve]. Inclusive somos amigos do Cyro [Garcia, fundador do PSTU]”.

O ex-bombeiro se aproximou do PSOL por intermédio de Janira Rocha, à época deputada estadual da sigla. Parte do diretório fluminense não era muito fã dessa filiação, conta Chico Alencar.

"Tinham algumas restrições, mas a maioria da executiva nacional achava que não tinha problema nenhum, que era certo elitismo da nossa parte exigir uma formação política esmerada [de Daciolo].”

Mas ninguém suspeitava que o grevista fosse se revelar o político que, uma vez eleito, promoveria campanhas como “As Sete Voltas no Congresso para Expulsar Satanás”.  “Ele era bem carismático, não nos pareceu em momento algum ser um líder fanático que colocava sua religiosidade dogmática como elemento central.”

Suas credenciais esquerdistas pareciam impecáveis. Em 2013, posou ao lado de Cyro Garcia segurando uma biografia de Karl Marx. Pedro Rios Leão, 33, também tem um retrato com o cabo. Ele tentava chamar atenção para Pinheirinho, uma ocupação em São Paulo num terreno do investidor Naji Nahas, cuja violenta reintegração de posse se tornou um imbróglio político e policial em 2012. Pedro decidiu se acorrentar num canteiro em frente à sede de jornalismo na Rede Globo no Rio.

“Daciolo apareceu liderando uma carreata de bombeiros e PMs para me apoiar”, diz. Daí a foto com aquele que se filiaria ao partido que hoje tem o líder do MTST, Guilherme Boulos, como presidenciável.

Durou pouco a lua de mel entre PSOL e o cabo, que se elegeu em 2014 com 49,8 mil votos, na campanha mais barata entre os 46 deputados eleitos pelo Rio. “Já na diplomação, teve um momento que causou constrangimento ao partido”, rememora Alencar. “Foi ao encontro do Bolsonaro, igualmente vitorioso, e tirou uma foto todo sorridente.”

Nas reuniões da bancada psolista, os colegas captaram mais sinais “estranhos”, segundo Alencar. Não foi surpresa alguma quando Daciolo, dias atrás, subiu no Monte das Oliveiras para jejuar, orar, atacar a sociedade secreta Illuminati  e dizer que tentarão matá-lo.

“Essa história já existia. Numa reunião, ele falou que tinha subido o monte e tido uma iluminação: todos nós sofreríamos uma tremenda queda que nos converteria. Brinquei: ué, só se eu me converter ao ateísmo”, afirma o deputado, que é protestante.

A gota d’água veio cinco meses após sua posse, quando Daciolo apresentou proposta para alterar o parágrafo 1º da Constituição, que diz que “todo poder emana do povo”. Queria substituir povo por Deus. O PSOL viu naquela proposição uma afronta ao Estado laico e o expulsou.

Dirigente do PSOL, José Luis Fevereiro escreveu no Facebook sobre o ex-colega. “Dizem que filho feio não tem pai, mas isso só vale para os fracos. Fiz campanha para Daciolo em 2014.” Ele conta que a sigla até tentou demovê-lo da ideia de mudar a Constituição. Recebia, porém, respostas do tipo “foi o sr. Jesus que me mandou fazer isso”.

À Folha Fevereiro afirma que respeita o cabo, mas “a expulsão foi necessária por divergência programática incontornável”.

Desde sempre

Para Cristiane, os psolistas escolhiam ver o que queriam no começo, pois fiel fervoroso seu marido sempre foi. “No próprio Bombeiros, ele andava com Bíblia nas mãos.”

Ela frequenta a igreja Bola de Neve, a mãe dele idem, mas Daciolo não tem uma denominação específica, conta. A conversão do presidenciável aconteceu 14 anos atrás: nenhum exame identificava as fortes dores de barriga que o acometiam. “Ele estava com disenteria há muitos meses, emagrecendo.” A fé evangélica, para Cristiane, o curou.

“Daciolo não é um Malafaia ou um Edir Macedo”, diz Pedro Rios Leão. “Ele acredita 100% no que fala. Acho que as pessoas subestimam a popularidade da mensagem dele.”

Alencar recorre a uma figura do direito para explicar o divórcio do PSOL com Cabo Daciolo: “Erro essencial sobre a pessoa”, quando um cônjuge pode pedir anulação do casamento se apontar uma divergência intransponível com o parceiro.

“Achou que era uma maravilha, uma beleza, depois começou a cohabitar e viu que não era bem assim”, diz sobre a união sem final feliz.

Fonte: folhadesaopaulo