Em denúncia contra policiais, MP do Rio expõe falhas em investigação de chacina

Em 2014, 14 pessoas foram mortas pela polícia em operção na Nova Brasília A denúncia do Ministério Público contra dois policiais por crimes sexuais cometidos durante as chacinas da Nova Brasília, entre 1994 e 1995, aponta uma série de falhas na investigação dos crimes. De acordo com o documento, obtido pelo EXTRA, “os crimes foram investigados de forma precária, por órgão da mesma força policial cujos agentes eram os suspeitos, em claro conflito de interesses e, mesmo sem que os fatos tivessem sido elucidados, o inquérito foi arquivado”.

À época, 26 pessoas foram mortas e três mulheres, violadas sexualmente em duas operações das polícias Civil e Militar na favela da Nova Brasília, que faz parte do Complexo do Alemão. As investigações, conduzidas pela Corregedoria da Polícia Civil, foram arquivadas pela Justiça a pedido do MP em 2009, sem que nenhum policial fosse levado à Justiça.

Os inquéritos só foram reabertos em 2018, após a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos, condenar o Estado brasileiro pelos crimes. Uma dessas novas investigações deu origem à denúncia, encaminhada à Justiça em dezembro do ano passado, contra o policial civil Rubens de Souza Bretas, lotado na Delegacia Antissequestros, e o ex-PM José Luiz Silva dos Santos pelos crimes sexuais contra três vítimas dentro de uma casa na favela.

Ônibus foram incendiados após chacinaÔnibus foram incendiados após chacina Foto: Carlos Ivan / Agência O Globo

A denúncia cita trecho da sentença da CIDH que aponta sucessivos descumprimentos de prazos na investigação, o que atrasou sua conclusão, e a falta de realização de diversas diligências. Para o MP, a impunidade do caso aconteceu pela “total desídia (falta de cuidado) dos órgãos que integram o sistema de justiça”.

Para o MP, mesmo após mais de 25 anos terem se passado, os crimes não prescreveram. Na denúncia, os promotores Andréa Amin e Paulo Roberto Cunha Jr. defendem que a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos “afastou a possibilidade de reconhecimento da prescrição”.

A Corte decidiu “pela impossibilidade de aplicação dos ‘obstáculos processuais’ a atos de violência e execução extrajudicial, e tal decisão também se estende a atos de estupro”. Os policiais foram denunciados por atentado violento ao pudor, já que os crimes foram cometidos antes da mudança que tipificou casos do tipo como estupro. A investigação concluiu que os agentes deram golpes com ferro de passar roupa e forçaram as vítimas a fazer sexo oral e anal.

Um laudo produzido pelo Instituto Médico Legal no ano passado com base em diretrizes impostas pelo Protocolo de Istambul — um manual para a investigação e documentação eficaz da tortura e outros tratamentos cruéis assinado pelo Brasil — atesta que uma das vítimas "apresenta um transtorno de estresse pós-traumático crônico, com sintomas depressivo e ansioso". Ainda segundo o documento "há consistência e coerência entre o relato dos fatos, as experiências traumáticas e os sintomas esperados em pessoas que sofreram eventos traumáticos descritos".

Fonte: EXTRA