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Suzane das dores

A assassina se envolve com pedófila, não prova que não voltará a matar e quer sobrenome surpresa, revela livro

A assassina confessa dos pais assinou um termo de união estável com o irmão de uma companheira de presídio. A mulher foi sentenciada a 29 anos porque junto com o marido e o amante estuprou suas duas irmãs gêmeas de três anos.

Ela foi madrinha de casamento de outra detenta, meses atrás, que matou o filho de quatro anos do companheiro, dando-lhe socos na barriga, batendo sua cabeça contra a parede e o obrigando a tomar banho gelado num dia de inverno. O casamento foi com o pai do menino, dez anos depois do crime. A noiva estava de vermelho.

Suzane diz que quer ser pastora evangélica. Já subiu ao púlpito, falando de perdão, e foi aplaudida sob gritos de Aleluia! por cerca de 300 pessoas. Também diz querer ser mãe; terá uma Isabela ou um Benjamim, e que vai mudar o sobrenome para o do marido. Quer ser Suzane Louise Olberg das Dores.

As revelações estão no livro "Suzane - Assassina e Manipuladora", do qual o UOL publica trechos com exclusividade e que chega hoje às livrarias. Para o autor, entrevistado nesta reportagem, o jornalista Ullisses Campbell, Suzane é a presa mais famosa do Brasil. "Ela é a líder de Tremembé, presídio que abriga os presos mais perigosos do Brasil. Por lá passaram mulheres como Anna Carolina Jatobá e Elize Matsunaga. Além de ser uma personalidade midiática, ela conquistou o respeito da Administração Penitenciária, da Defensoria Pública e da juíza que executa sua pena", diz.

Trabalhando como coordenadora da oficina de costura, Suzane ganha um salário mínimo. Segundo Campbel, tem ainda 120 mil reais pagos por Gugu para dar-lhe uma entrevista e um apartamento de 1 milhão de reais, deixado pela avó paterna -depois do crime. Dorme em um galpão com cerca de 100 beliches e cinco vezes por ano tem direito a saidinha de sete dias. Nelas, vai para a casa do companheiro, o marceneiro Rogério Olberg das Dores, em Angatuba, no interior paulista.

O livro traz outras surpresas. Conta, por exemplo, que Cristian Cravinhos, seu ex-cunhado e um dos executores dos crimes, teve um romance homossexual e uma fratura peniana dentro da cadeia. Há também sugestões de corrupção relacionadas ao pai de Suzane e o PSDB. Se faz necessário dizer que o livro tem muitas passagens, especialmente diálogos, que não soam convincentes. "As histórias foram reconstituídas a partir de conversas com os personagens e de depoimentos que eles deram à Justiça. É o que se costuma chamar de jornalismo literário", diz Campbell.

Para chegar às histórias, o jornalista pesquisou o universo de Suzane von Richthofen por três anos. Entrevistou 56 presas que cumpriram pena com ela e 16 agentes penitenciários lotados nas cadeias por onde a criminosa passou. Cristian Cravinhos foi entrevistado oito vezes. Campbell diz que esteve com Suzane três vezes e com Daniel, quatro. Os dois se recusaram a dar entrevistas formais. O autor diz que contou com eles, porém, para checagem de informações.

Suzane tem 36 anos. Está presa há quase 18. Sua pena é de 39 anos e seis meses, por ter matado os pais, Marísia e Manfred, em 2002, com o namorado e o cunhado. Ao contrário de Daniel Cravinhos, que já está em regime aberto, ela não pode sair do xadrez. Motivo: não convence psiquiatras e juízes de que se arrependeu e não vai voltar a matar. Mas, este ano, tudo pode mudar.

UOL: A Suzane mudou?

Ulisses Campbell: Ela continua se cercando de pessoas violentas. Além da pedófila e da mulher que matou o enteado, ela namorou uma homossexual conhecida como Sandrão, que sequestrou e matou o filho de uma amiga. Sandrão já tinha se relacionado com Elize Matsunaga, do caso Yoki, que esquartejou o marido.

Para ser aceita pelos parentes do marceneiro Rogério Olberg das Dores, ela passou por uma espécie de sabatina. Vinte deles se reuniram numa sala e fizeram-lhe perguntas sobre os assassinatos. Uma tia quis saber por que ela matou os pais. Suzane apelou para a antiga história de que vivia oprimida pelos pais e que sucumbiu à manipulação de Daniel. Se esforçou pra chorar mas não conseguiu.

Assim que sair da cadeia, na minha opinião, ela vai rir dessa igreja e dar o pé em Rogério. Ela está nesse relacionamento por duas conveniências: achou uma família que passa por uma situação criminal e emocional ainda pior que a dela e viu que ali podia ser aceita. Além disso, quando entrou no regime semiaberto, em que tem saidinhas, precisava de um lugar para ir.

Rogério está com ela por mais um motivo: quando você tem um parente preso, participa do microcosmo do ambiente prisional. A Suzane ali é a rainha, a maior celebridade. E ele pensa 'sou eu que estou com ela'. É uma vaidade. É como se um figurante de Hollywood namorasse a Angelina Jolie.

Trecho do livro: "(...) 'Numa conversa séria que tivemos, ficou claro que não pode haver mentira no nosso relacionamento. Se eu descobrir que a Suzane mentiu haverá um estrago grande. Não sei nem dizer o que eu faria', previu Rogério ao jornalista Geraldo Luís, da TV Record. (...) Disse que existe uma Suzane que só ele conhece, educada, delicada, sensível e romântica. Detalhe: as mesmas características atribuídas a ela por amigos e professores na época do crime.

UOL: Quais são os resultados dos mais recentes exames psicológicos feitos em Suzane?

Campbell: O teste mais importante ao qual ela foi submetida, e por três vezes, chama-se Rorschach. Ele é composto por 10 pranchas com imagens abstratas. O paciente tem que analisá-las e dizer ao psicólogo o que enxerga nelas. As respostas projetam aspectos da personalidade, incluindo alguns que o analisado não quer que venham à tona; por exemplo, violência, raiva, traumas e aspectos da sexualidade.

Geralmente é aplicado em presos que mataram de forma violenta familiares, autores de crimes sexuais, pedófilos e assassinos em série. Ele mostra como o preso lida com o crime, se está arrependido e se pode voltar a cometê-lo. Suzane foi reprovada em todas as avaliações. A última foi em 2018. Tentará outro este ano. Se passar, tem possibilidade de migrar para a prisão fora da cadeia.

Quando perguntada se sente remorso, ela diz que sim. Mas o motivo do suposto arrependimento entrega sua mente conturbada. Ela diz: "perdi a melhor fase da minha vida na cadeia. Eu podia ter estudado, ter uma profissão, construído uma vida". Suzane computa os assassinatos como um prejuízo pessoal. E em um dos testes, tentou seduzir o psicólogo. Em outro, foi pega numa fraude.

Algumas dessas pranchas e o que Suzane viu nelas abrem os capítulos do meu livro. Ela fala em fantasma, jardim, Cristo crucificado, pênis ereto, vampiro, um homem deitado e o demônio com chifres. Suzane foi avaliada por bancas de psicólogos e psiquiatras e nenhum deles a categorizou como psicopata. Ela é muito pior que um psicopata. Essas pessoas não necessariamente saem matando.

Os especialistas a categorizam como narcisista, egocêntrica, com agressividade camuflada e comportamento infantilizado. A combinação dessas características é muito perigosa. Enquanto os pais eram mortos a pauladas com gritos agonizantes, ela tapou os ouvidos e em nenhum momento chorou.

Trecho do livro: "(...) Aos 30 anos, doze depois de matar os pais, Suzane fez o teste, a seu pedido, para a Justiça determinar se ela poderia ir para um regime mais leve de prisão. Perfumou-se, ofereceu água e café para o psicólogo, e na frente dele fez um coque meio bagunçado no cabelo. (...) Disse, com voz macia, 'Nossa, você é jovem!'. Ele agradeceu, e mostrou para ela a primeira prancha. Ela teria respondido: um esqueleto, mandíbulas, um cálice e uma flor. (Em outro teste) Suzane recorreu a uma fraude. Conseguiu com um advogado um livro sobre o teste e estudou. A 'cola' não dá certo. O paciente é obrigado a mostrar para o psicólogo o ponto exato onde diz ter encontrado tal figura. Eles também percebem o drible porque o paciente de má-fé dá respostas rápidas."

Dizendo-se ameaçada por uma detenta, Suzane pede para o promotor Eliseu José Bernardo Gonçalves, da Vara do Júri e de Execuções Criminais em Ribeirão Preto, para mudar de cadeia. O que se segue, segundo Campbell, é a descrição de um assédio sexual teoricamente feito contra Suzane pelo promotor, como forma de pagamento pela transferência.

Trecho do livro: "(...) Suzane foi algemada e entrou em um furgão rumo ao Ministério Público. No gabinete de Eliseu as algemas foram retiradas. Segundo relato de Suzane, a sala estaria transformada em boate, com som dançante e um globo de luzes. Em determinado momento, Eliseu teria tirado o CD de música agitada e posto um com a canção 'Chega de Saudade'. Segundo Suzane, o promotor teria se declarado apaixonado e lido poesias de sua autoria. 'Não consigo mais viver sem você'. Eliseu teria se aproximado para dar um beijo em sua boca, mas a assassina pediu para ir ao banheiro. (...) Ela saiu do gabinete e atravessou a primeira porta que viu aberta. Era a do corregedor. Lá, foi prática: 'quero registrar uma denúncia de assédio sexual".

UOL: Se Suzane é tão ardilosa como você descreve no livro —há nele outros casos envolvendo sedução de autoridades —por que ela não deu o beijo? E se todos esses casos forem verdadeiros, essas autoridades tiveram sua parcela de erro. O que se sabe sobre isso?

Campbell: O promotor negou as acusações. No entanto, a Corregedoria do MP o puniu com suspensão de 22 dias sem direito a receber salário, algo humilhante para uma autoridade. E a mulher com quem ele vivia foi embora.

Ouvi relato de presas, mas não tenho como provar, que beijo é uma metáfora para sexo oral. Algumas me contaram que davam o tal beijo.

Não tenho dúvida que se precisasse, ela teria dado. Mas naquele momento, ela já havia conseguido a mudança de prisão. Depois do Daniel, as outras relações sexuais de Suzane foram por interesse. De novo, não posso provar, mas fontes contaram que ela teve um relacionamento com uma diretora do presídio de Rio Claro (interior de São Paulo). Suzane tinha regalias ali. Por exemplo, usar a internet.

Existe um fetiche com quem está encarcerado. É muito poder que diretores, promotores e carcereiros têm sobre os presos. Por causa disso, se formam laços que quem está de fora não entende. A diretora do atual presídio de Suzane a chama de filha. Ela passa o dia todo dentro daquela cadeia. Transfere uma espécie de amor fraternal às presas. Além disso, tem a vaidade. Toda visibilidade que Suzane ganha é computada para a diretora. Elas andam de bracinhos trançados pela cadeia.

Trecho do livro: "(...) Quando a rebelião explode, uma carcereira esconde Suzane acocorada, dentro de um armário de ferro, no almoxarifado). (...) As presas começaram a martelar com selvageria o armário. A cada pancada, a porta do móvel entortava lentamente. (...) As sanguinárias do PCC passaram a rolar o armário pelo chão. Debilitada por inanição, debatendo-se e abalada psicologicamente, Suzane começa a passar mal. Tem forças para ouvir a voz de Maria Bonita (presa que seria do PCC). Eu sei que você está aí dentro, sua cadela! Vou cortar sua garganta!".

UOL: O livro fala que a rebelião teria sido feita pelo PCC e por um motivo central, a captura de Suzane e de outra detenta de uma facção rival. A ideia era usá-las como reféns, fazer exigências e depois matá-las. As cenas descritas são de um filme de ação e o fim, apoteótico. Foram romanceadas?

Campbell: Não. Suzane ficou 48 horas trancada, sem água, e fez as necessidades ali. Só foi salva porque as presas começaram a brigar entre si, umas delas foi assassinada na briga, e porque o Batalhão de Choque invadiu a penitenciária.

Depois de quase ter morrido, ela pediu uma indenização ao Estado, alegando que ele não a protegera. O juiz negou a indenização. Entendeu que ela fora sim protegida, pois trancada em um lugar seguro.

UOL: Ele se casou com a filha de uma carcereira, tirou o Cravinhos do nome e voltou a pilotar aviõezinhos no Parque Ibirapuera. Para ter sido solto, provou que não é mais o homem de antes. Na sua opinião, não é mesmo?

Campbell: O Daniel tem uma personalidade introspectiva. A vida dele na cadeia foi discreta. Só teve dois problemas preso. Foi pego fazendo tráfico de anabolizante -ele se tornou uma espécie de personal trainer dos presos - e consertando a moto do filho de um agente penitenciário.

A fragilidade espiritual dele, o efeito das drogas e a ambição desmedida levaram ao crime. A faísca para que ele decidisse matar o pai de Suzane foi o fato de ela ter inventado que Manfred a estuprava desde os nove anos.

Daniel tinha um histórico de violência. Andava armado e deu uma Beretta para Andreas -irmão de Suzane, de quem se tornou melhor amigo -e os dois usavam a arma para matar pássaros. Ele ajudava Andreas, de 14 anos, a escapar de casa na madrugada e, enquanto ia para motéis com Suzane, o menino passeava de mobilete, jogava em lan houses e, juntos, os três fumavam maconha.

A primeira transa com Suzane foi agressiva. E soube que os dois não se encontraram mais depois do julgamento.

Trecho do livro: "(...) Daniel foi tomar banho e Suzane o esperava na cama, de calcinha e sutiã. Repentinamente, ele apareceu, todo molhado. Sem ao menos beijá-la, tirou a calcinha dela, a jogou de costas na cama, arrancando-lhe a virgindade e deixando uma mancha de sangue no lençol. Em seguida, voltou ao banheiro, largando a garota prostrada na cama, chorando. Daniel voltou, cobriu Suzane de beijos e sussurrou em seu ouvido que queria que o mundo parasse e que nele só existissem os dois. Calada, ela enxugou os olhos. No dia seguinte, passaram a usar um anel de prata de compromisso no dedo anular da mão esquerda."

Trecho do livro: "(Na cadeia) Cristian criou coragem e fez um carinho com a ponta dos dedos no rosto de Duda. Ele reagiu ao afeto virando-se de frente. Cristian então deu um beijo no colega. Os dois aproveitaram os efeitos do álcool e transaram. (...). (Eles) engataram um romance e passaram a dormir praticamente todos os dias na mesma cama. Apaixonado, escrevia cartas ao amado em papel cor-de-rosa, desenhado com corações e flores. Cristian chamava o companheiro de Lua e dele recebia o apelido de Pavão, em referência à vaidade exacerbada. (...) Por um momento, a relação esfriou. O Pavão sentia falta de uma figura feminina. Sugeriu ao namorado que providenciasse uma calcinha para apimentar o sexo. Duda recorreu à mãe durante uma visita. No pátio, ordenou:

— Tire a sua calcinha!

— O quê?, espantou-se Rosa.

— Anda, tira logo!

Mesmo sendo evangélica da Assembleia de Deus, Rosa obedeceu e retirou a peça íntima. Ao ver a calçola da mãe nada sensual, ele a devolveu e pediu uma lingerie sexy para o próximo domingo de visitas. A mãe de Duda passou em uma loja e pagou 29 reais por uma calcinha preta, cavada e com renda e vestiu a peça. No domingo, tirou a calcinha e a deu para o filho. À noite, Duda caprichou no perfume e vestiu a calcinha. Quando viu Duda, Cristian tomou um susto:

— Quem disse que a calcinha era pra você?

— Oi? Como assim

— Tira!, ordenou Cristian.

Para surpresa de Duda, o seu Pavão vestiu a roupa feminina e desfilou com ela. (...) Os dois fizeram amor até o sinal apitar de manhã avisando a hora de acordar para o trabalho."

UOL: O livro conta que, paralelamente ao romance homossexual, Cristian se relacionava com uma mulher de fora da cadeia, com quem inclusive teve uma filha. Fala também que em uma das visitas íntimas dela, o furor foi tamanho, que causou-lhe uma fratura peniana. Nas suas pesquisas,descobriu algo sobre a sexualidade dos presos?

Campbell:Existe um fenômeno no universo penitenciário que se chama institucionalização do preso. Ele está há tanto tempo encarcerado, que começa a desenvolver hábitos com as regras daquele ambiente. Uma delas diz respeito às relações homoafetivas. Elas acabam se naturalizando ali dentro. E foi isso que aconteceu com o Cristian. Ele me disse que seu maior medo era que a filha descobrisse seu relacionamento com a Duda. Ele sempre a chamou no feminino.

Quando ganhou o regime aberto, em 2017, foi procurado tanto por Duda quanto pela mulher com quem ele se relacionava. Ele não ficou com nenhum deles e ficou com outras mulheres. Meses depois, se envolveu em outra questão policial, tentou subornar oficiais e foi preso novamente. Levou mais quatro anos de prisão.

Ele tem um comportamento mais intempestivo que Daniel. Antes do caso Suzane,já havia quase matado, com uma pistola, uma namorada que estava grávida. Cristian a encontrou na cama com um amigo dele. Começou a chorar e desistiu de atirar. Ele exigiu que ela abortasse. A menina negou-se e fugiu para outro Estado, com medo.

UOL: O livro levanta a possibilidade de Manfred ter recebido dinheiro de corrupção quando trabalhava no Governo de São Paulo e de Suzane ser a titular de uma conta onde ele está guardado. Como está a investigação desse caso?

Campbell: Ele era diretor de engenharia da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), administrada pelo Governo Estadual de são Paulo. Na época da morte, era responsável pela construção do primeiro segmento do Rodoanel, que foi inaugurado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. No palanque da entrega estavam também Geraldo Alckmin e ele. Mais tarde, em investigações da Lava a Jato, foi descoberto que a Diretoria de Engenharia da Dersa era a base de um propinoduto de 40 milhões de reais vindos de empreiteiras ligados ao Rodoanel. O dinheiro, segundo o Ministério Público, abastecia o caixa 2 do PSDB.

Dois anos depois de matar os pais, Suzane passou a ser investigada pelo MP por causa de duas contas supostamente abertas em seu nome e no de sua mãe num banco suíço. O MP suspeitava que o dinheiro transferido para o exterior teria sido desviado do Rodoanel. Achava ainda que o advogado e tutor de Suzane, que também trabalhava na Dersa, sabia dessas contas e por isso ficou colado nela por doze anos. Os fatos de Manfred e Marísia terem um padrão de vida muito elevado e Suzane ter desistido facilmente da herança milionária deixada pelos pais antes de a Justiça proibi-la de ter acesso a ela alimentavam a suspeita.

Por causa de declarações de um integrante do MP nesse sentido, Andreas escreveu uma carta a ele, publicada no jornal O Estado de S. Paulo, que definiu o futuro das investigações.

Trecho do livro: "(...) Gostaria que senhor esclarecesse essa situação: se há contas no exterior, que o Sr. apresente as provas, mostre quais são e onde estão porque eu também quero saber. (...) Mas se isso não passar de boatos maliciosos e não existirem provas, que o Sr. se retrate e se cale a esse respeito, para não permitir que a baixeza e crueldade desse crime manchem erroneamente a reputação de pessoas que nem aqui mais estão para se defender, meus pais Manfred e Marísia von Richthofen. Desde então, o MP nunca mais se pronunciou sobre as supostas contas."

UOL: Depois do crime, Andreas não ficou contra a irmã. Chegou a visitá-la na cadeia e o livro diz que ele comentava com amigos que não tinha raiva dela; que havia perdido o pai, a mãe e o melhor amigo, e que agora, como só tinha Suzane, ficaria ao lado dela. Como estão hoje?

Campbell: Com o tempo, ele foi mudando de opinião. E se afastou em definitivo de Suzane quando ela, numa tentativa de não perder o direito à herança, pediu que o irmão escrevesse uma declaração, ditada por ela. Nela, ele dizia que tinha saudade da irmã e que era contra ela ser excluída da herança. Tempos depois, em depoimento, Andreas alegou ter escrito a carta sob efeito de uma forte chantagem emocional. Desde então, cortou relações com Suzane e herdou o patrimônio dos pais. Na época do inventário, era de cerca de 8 milhões de reais.

Enquanto estava em liberdade, graças a um habeas corpus, Suzane o perseguiu com um carro. Quando o menino, apavorado, entrou em casa e foi tomar um copo de água para se acalmar, viu que a irmã havia colocado uma foto dela na geladeira.

O Andreas foi a maior vítima do crime. De uma vez só, perdeu a família toda. Teve que fazer muita terapia. Quem se tornou uma espécie de mãe para ele foi sua advogada. Hoje ele é um engenheiro químico muito respeitado. Tem amigos que o protegem e não falam sobre ele. Ele namora, mora sozinho em São Paulo, e vendeu a casa onde os crimes aconteceram.

Trecho do livro: "Em 2017, ele marcou um encontro com Suzane em uma das saidinhas. Ela preparou um jantar. No meio do caminho, Andreas desistiu. Bebeu, se drogou e, surtado, tentou pular o muro de uma casa. A polícia foi chamada e Andreas, formado em em farmácia e bioquímica pela USP e doutor em química orgânica pela mesma universidade, foi detido e encaminhado para um hospital psiquiátrico."

Trecho do livro: "(...) Os domingos eram marcados por um silêncio absoluto, hábito chamado na Alemanha (Manfred era alemão radicado no Brasil) de Ruhetag. O único som era o de música clássica baixinha. As janelas eram sempre fechadas, mesmo em dias de sol. Certa vez, uma amiga abraçou Suzane apertado quando ela completou 18 anos. 'Queria pedir pra você nunca mais me abraçar. Fiquei sem graça. (...) Não tem nada de errado com você. O problema é comigo. Os meus pais nunca me abraçaram, nunca me beijaram dessa forma. Fico sem saber como reagir quando alguém me dá um abraço mais caloroso. Não sei quanto tempo dura um abraço, acredita?".

Trecho do livro: "(...) O pai, durante uma briga violenta com Suzane, ameaça deserdá-la, caso o namoro com Daniel continue. 'Eu não tenho medo das suas ameaças', disse-lhe Suzane. Ele ficou fora de si. Ergueu o braço e sentou uma bofetada no rosto da filha, em pleno domingo, 12 de maio, Dia das Mães. Marísia, inerte, soltou o copo de bebida ao chão e levou as duas mãos à boca."

Trecho do livro: (...) Suzane passou a fingir para os pais que havia terminado o namoro. Marísia suspeitou e começou a persegui-la. Certo dia, na casa de Daniel, caiu no sono. Por volta das 19 horas, levou susto ao ver mais de dez ligações não atendidas da mãe no celular e uma mensagem em uma delas: 'onde você está?'. Suzane caminhou até o carro para ir embora. Sentiu um arrepio na espinha quando viu de longe uma folha de papel presa no para-brisa. Nervosa, reconheceu a caligrafia da mãe. Em letras garrafais estava escrito TE PEGUEI!

UOL: A falta de afeto na casa dos Richthofen, você sustenta, foi um dos combustíveis para Suzane matar os pais. Que proporção psicólogos e psiquiatras entrevistados para o livro dão para esse fator?

Campbell: O doutor em psicologia clínica da USP Alvino Augusto de Sá coordenou uma banca de peritos em criminologia que estudou a mente de Suzane a partir da Justiça de São Paulo. Em entrevista, ele me disse: "Pais amorosos jamais morrem assassinados friamente pelos filhos".

Depois que o crime foi solucionado, um dos delegados envolvidos na investigação deu a seguinte declaração sobre Suzane a um jornalista: 'Ela demonstrou ter muita raiva dos pais'.

O casal Richthofen planejava mandar Suzane para a Alemanha para separá-la de Daniel. Brigava com frequência. Impunha horas para os filhos acordarem, tomar café da manhã, almoçar e estudar mesmo nos fins de semana. Não era permitido ouvir som alto em casa. Nas raras vezes em que saíam de casa, os filhos tinham hora exata para voltar; nunca depois das 18h.

A criação sem afeto, os usos de drogas -maconha, cocaína, LSD e ecstasy -, o medo de perder a herança e ficar na miséria, a ameaça de Daniel de que se suicidaria se eles se separassem e traços de personalidade como narcisismo e violência camuflada formaram o caldeirão para Suzane querer matar os pais.

Aviso: o texto abaixo contém descrição de cenas muito fortes.

Trecho do livro: "(...) Dois porretes de ferro cilíndrico com as pontas dobradas em L foram construídos por Daniel. Numa das extremidades dos instrumentos, ele fez pequenas ondulações para dar mais aderência às mãos. Ele os preencheu com fragmentos de madeira e massa epóxi, o que deu aos bastões um poder mais letal. (...) Para o crime, os irmãos usaram ainda meias-calças na cabeça e luvas para evitar a queda de pelos que pudessem os incriminar. O material foi dado por Suzane."

Trecho do livro: "(...) Para desespero de ambos, Manfred mexeu-se lentamente na cama, virando de peito pra cima. Repentinamente, abriu os olhos e ficou cara a cara com seu assassino. Daniel trincou os dentes, mordeu o lábio inferior com força e deu a primeira porretada na cabeça do pai de Suzane. Manfred tentou escapar da morte sentando-se na cama. Recebeu uma sequência de pancadas na cabeça e na região do tórax o bastante para matá-lo em poucos minutos. Pelas contas de Daniel, ele morreu mais ou menos após a décima paulada."

Trecho do livro: "(...) Ao contrário do marido, Marísia agonizou muito mais antes de morrer. O primeiro ataque atingiu a mulher de raspão, fazendo-a acordar desesperada ao ponto de ver o marido ser assassinado. Ela tentou proteger o rosto com a mão e os golpes passaram a quebrar seus dedos. A partir da quarta porretada, a violência foi tão grande que a ponta do ferro, dobrada em L, ficou enganchada em sua calota craniana. Apesar da atrocidade, Marísia continuava viva e se mexendo. Para desenganchar a arma, Cristian afundou o bastão no crânio da vítima e o puxou num movimento brusco, espalhando massa encefálica pelo colchão. Tal qual um filme de terror. Marísia continuava viva. Cristian desferiu mais uma sequência de golpes, desfigurando sua face. Os movimentos do porrete tingiam o teto de gesso branco de vermelho. Depois de cerca de 20 pancadas, ela ficou estática. (...) Para surpresa dos Cravinhos, mesmo imóvel, Marísia começou a emitir um som medonho semelhante a um gargarejo. (...) Cristian enfiou uma toalha na boca da vítima. Com a traqueia obstruída, Marísia finalmente veio a óbito."

Trecho do livro: "(Depois dos assassinatos) Ao entrarem no carro, Daniel e Suzane se deram um beijo longo. O casal seguiu para um motel e pediu a suíte presidencial, decorada com luzes roxas, verdes e vermelhas. Tomaram banho juntos. Nus, seguiram para a hidromassagem e depois para a piscina aquecida com iluminação subaquática. Daniel teve uma crise de pânico. Acendeu um cigarro de maconha, pegou uma Coca-Cola e começou a chorar. Suzane o acalmou: 'Calma, amor. Você é muito emotivo! Você não fez nada demais. Agora é tudo comigo. Não se comporte como se tivesse cometido um crime!."

Para escrever o livro, o jornalista Ullisses Campbell esquadrinhou as 6 mil páginas do processo penal que condenou os três assassinos. E, além de Suzane, Cristian, Daniel e outras detentas e agentes penitenciários, ele ainda entrevistou 12 profissionais especializados em psicologia forense, psiquiatras estudiosos de mentes criminosas e oito psicólogos especializados no exame de Rorschach. Quatro promotores de Justiça e dois peritos forenses também contribuíram com esclarecimentos.

Algumas das informações contidas no livro foram alvos de reportagem da revista Veja, onde Campbell trabalhou como repórter.

Fonte: UOL

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