MP: Policiais cobravam 'carnês' de traficantes para garantir proteção

Imagens obtidas pelo Ministério Público mostram possível encontro de policiais civis e membros do PCC em posto de Taubaté (SP) 

vd1202Os policiais civis da Dise (Delegacia de Polícia de Investigações sobre Entorpecentes) de Taubaté, acusados e condenados em 1ª instância por, supostamente, cometerem diversos crimes para a manutenção do comércio de drogas no Vale do Paraíba, matinham relação com suspeitos e possuíam um "carnê" para recebimento de mesadas de traficantes da região.

Essas informações fazem parte da denúncia oferecida pelo MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo) na 3ª Vara Criminal da cidade, a que o R7 teve acesso. O documento conta com materiais obtidos pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do MP-SP, entre 28 de março de 2015 a 29 de janeiro de 2016.

"As denúncias iniciais diziam que os policiais da Dise tinham chamado todos os traficantes da cidade para reestabelecer o 'carnezinho', que é um pagamento mensal ou quinzenal em troca de proteção, benefícios e liberdade", afirmou o promotor de Justiça Alexandre Affonso Castilho, do Gaeco do Vale do Paraíba, ao R7.

Segundo uma denúncia anônima, citada no documento do MP-SP, os pagamentos aos policiais civis teriam sido efetuadas pelo suposto traficante Oscar da Silva Vieira, que seria conhecido como Branco, e outros possíveis integrantes do PCC. Ele foi condenado a 7 anos, 9 meses e 10 dias em regime fechado e está preso.

Apontado na denúncia como o principal líder da facção criminosa PCC na cidade de Taubaté, Vieira dominava o tráfico de drogas em diversos bairros da cidade. A promotoria aponta que os policiais civis recebiam mensalmente uma quantia em dinheiro para não prender o suposto traficante.

De acordo com o MP-SP, o chamado "carnê" garantiria "a repressão dos policiais a traficantes que viessem a atrapalhar os negócios de Oscar, apreensão parcial de drogas, com o desvio de parte delas ao grupo de Oscar, apreensão de menores de idade e pequenos traficantes para que os policiais demonstrassem trabalho, flagrantes forjados pelos policiais que iriam apreender".

OUTROS ACORDOS

Além do pagamento dos carnês, o Ministério Público aponta que os policiais civis sob suspeita da Dise de Taubaté e supostos traficantes da cidade matinham outros acordos para sustentar o domínio do comércio de drogas com os supostos criminosos do PCC.

“Fica combinado que os próprios traficantes vão avisar quando alguém novo chegar na região, pois assim os policiais poderão fazer a apreensão da droga, que é parcialmente apresentada, e isso é necessário para que o Fórum e ninguém desconfie. A outra parcela das drogas é repassada aos comparsas de Oscar”, afirma a denúncia do MP-SP. 

Uma carta anônima, recebida pelo Ministério Público em junho de 2015, deflagrou as interceptações telefônicas e as investigações para averiguar uma suposta troca de favores entre policiais civis e supostos traficantes.

"Recebemos uma carta que dizia que em determinada data os policiais da Dise tinham se encontrado com traficantes em determinado posto de gasolina. Fomos atrás das imagens, conseguimos o acesso por meio das câmeras do posto de gasolina e flagramos o que havia sido denunciado", disse o promotor de Justiça.

Para o promotor Castilho, as imagens fornecidas pelo posto de gasolina têm os indícios "mais relevantes" sobre o pagamento dos carnês de traficantes aos policiais civis.

O encontro dos policiais civis Aderson Leandro Silva Pinheiro e Flávio Augusto dos Santos com Oscar teria ocorrido, segundo a denúncia, às 19h30 do dia 21 de maio de 2015 no posto de gasolina Petroval.

Os policiais teriam chegado ao local em um Pálio azul e Oscar estaria em um Punto ou Pálio da cor prata. Oscar teria entrado no carro dos policiais e permanecido por sete minutos para fazer o "acerto" e, depois disso, todos teriam ido embora. A partir da confirmação desse fato, por meio das imagens obtidas do posto, os policiais passaram a ser investigados.

COMO OPERAVAM

As investigações começaram com informações do próprio Gaeco do Vale do Paraíba sobre uma suposta atuação de traficantes do PCC na região.

Segundo o promotor de Justiça, antes de 2015, havia uma troca de informações entre o MP e a Dise. “Sob a nova coordenação do Delegado de Polícia Marcelo Duarte Ribeiro, a Delegacia Especializada esteve criminosamente envolvida com grandes traficantes”, diz a denúncia.

Ainda de acordo com o documento, o agente policial Aderson, conhecido como "Meninão" e o investigador Flávio Augusto seriam parceiros de trabalho e "principais canais de comunicação da Dise com os criminosos da cidade".

Aderson teria centralizado uma extensa rede de informantes e com essas informações tornava possível a localização de pessoas, de locais, alvos de prisões e buscas. Por isso, o agente era considerado um policial de “especial interesse à Dise, sendo responsável por boa parte de sua produtividade".

As investigações demonstram que Aderson e Flávio Augusto eram os porta-vozes da delegacia com os supostos traficantes. "O Aderson e Flávio Augusto também tiveram contato com o traficante Luiz Fernando Moraes Veloso, conhecido como 'Nando', pessoas ligadas a ele e outro traficante que morreu. Eram mais de quatro. Ambos os policias se encontraram com Nando várias vezes", explica o promotor de Justiça.

Sobre o possível envolvimento dos outros policiais civis da Dise, o promotor afirma que "pegamos conversas e comentários que se encontraram e não contato direto".

Ainda de acordo com o promotor, os policiais costumavam se encontrar com os supostos traficantes em uma rua com diversas árvores conhecida como "sombra". "Eles se encontravam pessoalmente uma vez a cada 15 dias, no mínimo, para o traficante entregar o dinheiro", diz Castilho.

O documento do Ministério Público informa também que surgiram denúncias anônimas relatando que, após a saída do delegado da Seccional de Taubaté, José Luiz Ramos Cavalcanti, "diversos policiais corruptos voltaram a ser lotados nas delegacias especializadas de Taubaté (Dise e DIG), de onde foram transferidos anteriormente, com o único propósito de arrecadar valores de grandes criminosos".

A denúncia oferecida pelo MP-SP afirma que Aderson e Flávio Augusto foram removidos da Dise no final de agosto de 2015. Na época, Aderson teria sido lotado no 4º DP de Taubaté e Flávio Augusto, passado a exercer funções na Delegacia Seccional da cidade.

Na virada do ano de 2015 para 2016, Flávio Augusto foi para a DIG enquanto Aderson teria expectativas de voltar à Dise. Segundo a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo), os policiais estão detidos no Presídio Especial da Polícia Civil, na zona norte da cidade de São Paulo.

O QUE A DEFESA DIZ

Aderson

Por e-mail, as advogadas Thaís Pattineli e Juliana Bignardi, do escritório Bialski Advogados, que é responsável pela defesa do policial Aderson Leandro Silva Pinheiro, afirma que o agente não tinha nenhuma relação com os supostos traficantes denunciados pelo MP-SP, "apenas efetuou a prisão dos mesmos".

"Aliás, essas pessoas [supostos traficantes] não foram ouvidas como testemunhas no processo, o que por si mostra a fragilidade da acusação", afirma a defesa. A resposta das advogadas ainda destaca que "o pedido da defesa para [os supostos traficantes] serem inquiridas como testemunhas de Defesa, a fim de esclarecerem os fatos alegados na denúncia, foi indeferido".

Sobre o possível encontro dos policiais com os supostos traficantes no posto Petroval, do qual o MP-SP obteve as imagens, a defesa de Aderson afirma que a denúncia não procede. "Nada e nem ninguém confirma esses fatos e os citados sequer foram ouvidos judicialmente, não há provas, existindo apenas a suspeita levantada pelo Ministério Público".

Para a defesa, "foi bem demonstrado que no confronto entre o alegado pelo Ministério Público e as provas produzidas nos autos, a absolvição é medida imperiosa". A nota das advogadas ainda afirma que a defesa destacou "diversos vícios" que podem cancelar todo o procedimento.

Flávio Augusto

Em contato telefônico, o advogado Angelo Lucena Campos, defensor do policial Flávio Augusto dos Santos, disse que quem está à frente do processo é o advogado Alexandre Almeida de Toledo, mas ele só poderá atender à reportagem a partir das 15h desta quinta-feira (8).

Na terça-feira (6), o R7 conversou por telefone com o advogado Alexandre, defensor do investigador. Ele disse que não poderia atender a reportagem e retornaria o contato. O R7 também enviou os questionamentos ao advogado por e-mail.

Marcelo

Procurado pela reportagem, o advogado Adilson José Vieira Pinto, que defende o delegado Marcelo Duarte Ribeiro, disse que o delegado não tinha conhecimento sobre as atividades ilícitas praticadas por outros policiais da Dise de Taubaté, a qual ele comandava. "Se ele tivesse [conhecimento], estaria implicado na associação ao tráfico", afirmou o defensor.

Vieira Pinto disse que não tem "condições de responder" se o delegado conhecia os traficantes denunciados pelo MP-SP. "O que posso dizer é que uma das pessoas apontadas como traficantes pelo Ministério Público, tempos atrás, foi presa pelo doutor Marcelo em uma determinada operação que ele desenvolveu em outra delegacia que ele trabalhava", destacou.

Luiz Fernando

A reportagem entrou em contato com advogado Rogê Fernando Souza Cursino dos Santos, que defende o Luiz Fernando Moraes Veloso. Questionado sobre a acusação de ser traficante na região de Taubaté e as possíveis ligações com policiais civis da região para a manutenção do suposto comércio de drogas, o advogado disse que seu cliente “nega tudo”.

“O processo está no Tribunal de Justiça, em recurso. Ele [Luiz Fernando] está recorrendo, pedindo a absolvição por negativa de autoria. Objetivamente é isso”, disse o defensor.

Oscar

A defesa de Oscar da Silva Vieira, feita pelo advogado Jeferson Douglas Paulino, não atendeu às ligações telefônicas da reportagem. O R7 continua tentando contatá-lo.

SSP-SP

A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo disse, em nota enviada na noite de terça-feira (6), que as investigações sobre o caso estão em andamento na 1ª Corregedoria Auxiliar da Polícia Civil. A pasta ainda destaca que, dos três policiais civis citados nesta reportagem, Aderson e Flávio Augusto estão presos e o delegado Marcelo segue em liberdade.

Fonte: r7