Áudio de promotora constrangendo delegado vaza e policiais repudiam

vd1602A promotora de Justiça de Ibaiti, Dúnia Rampazzo, está sendo alvo de críticas severas de entidades policiais após o vazamento de um áudio em que ela enviou ao delegado de Polícia do município, Pedro Dini Neto, onde ela o constrange e até mesmo o ameaça na tentativa de força-lo a lavrar um flagrante de tráfico de drogas, em que Neto considerava “tráfico internacional”, e, portanto, de alçada da Polícia Federal.

Em nota conjunta, a Associação dos Delegados de Polícia do Paraná e o Sindicato dos Delegados de Polícia do Paraná afirmaram que, "a um só tempo, a agente ministerial ignorou a divisão constitucional de atribuições das Polícias Judiciárias (estampada no artigo 144 da Constituição Federal) e negou vigência à Lei 12.830/13 (segundo a qual o Delegado tem autonomia em sua análise técnico-jurídica)".

Para essas entidades, a ameaça feita pela promotora é "típica de alguém inebriada pelo poder que renuncia a razão". A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária também publicou nota, afirmando que "qualquer constrangimento vindo de uma agente ministerial contra uma autoridade de Polícia Judiciária é condenável". Ao defender o procedimento adotado pelo delegado, a associação afirma que "o fato de o entorpecente ser apreendido no Brasil não afasta a internacionalidade do tráfico de drogas".

O caso

No dia 10 de fevereiro, a Polícia Militar do município de Ibaiti prendeu seis pessoas com drogas. De acordo com o boletim de ocorrência feito pelos próprios PMs, a droga havia sido comprada no Paraguai, configurando tráfico internacional. O delegado de Polícia Civil Pedro Dini Neto informou então que, em se tratando de tráfico internacional de entorpecentes era da Polícia Federal a atribuição para eventual decretação de prisão em flagrante e instauração do respectivo inquérito policial.

Momentos depois, o delegado recebeu um áudio enviado pelo WhatsApp da promotora, criticando sua decisão e constrangendo-o para que lavrasse auto de prisão em flagrante. A promotora diz que não cabe ao delegado definir se é competência da Polícia Federal. Para ela, como a droga foi apreendida no Brasil, ele seria obrigado a fazer o flagrante. Ao finalizar, ela ameaçou o delegado dizendo que, “se o senhor não for fazer o flagrante, aí vai dar um problema meio grande pro senhor”.

A reportagem do Tribuna do Vale conversou por telefone com o professor Henrique Hoffmann, delegado de Polícia Civil do Paraná, professor do CERS, autor de livros pela Juspodivm, e colunista da ConJur e da Rádio Justiça do Supremo Tribunal Federal.

Ele criticou a tentativa de constrangimento. "A promotora não está acima da Constituição e da legislação em vigor, e muito menos dos delegados de Polícia. Nada disso é saudável para a boa relação que deve vigorar entre Ministério Público e Polícia Civil."

E constatou que havia fortes indícios da transnacionalidade do tráfico: “No próprio Boletim de Ocorrência consta que se tratava de tráfico de drogas internacional. E além disso havia indícios de que o veículo transitou na fronteira do Paraguai horas antes de ser abordado” disse.

Causou estranheza também o fato de a promotora ter afirmado que o caso resultava de uma investigação sua, porém no Boletim de Ocorrência constou que a abordagem decorreu de denúncia anônima.

O professor Hoffmann disse ainda que considera erro básico confundir competência para julgar com atribuição para investigar. “O delegado define a atribuição, podendo depois o promotor discordar, assim como o juiz não é obrigado a seguir a posição do MP. O importante é que a atuação de todos os atores jurídicos seja fundamentada, baseada na Constituição e nas leis, e não por mero desejo de ficar com o caso em suas mãos”, afirmou. Disse ainda: “O fato de a droga ser apreendida no Brasil não afasta a transnacionalidade do delito. Além do mais, o tráfico internacional se caracteriza não só quando a droga é remetida para o exterior, mas também quando é trazida para dentro do país. Essa constatação é óbvia até mesmo para um iniciante de Direito”.

Hoffmann também se mostrou indignado pelo tom usado pela promotora no áudio enviado ao delegado de Ibaiti. “Um absurdo. Ainda que ela estivesse certa, não tinha o direito de constranger outra autoridade”, lamentou.

Outra crítica feita à promotora é quanto a investigação com utilização de militares: “Investigação de crime comum quem faz é a Polícia Judiciária, segundo a Constituição, e por autorização do STF também o Ministério Público. A PM não tem autorização para apurar crime comum, apenas delito militar. O que a P2 pode fazer é atividade de inteligência, que é bem diferente de investigação criminal, funções inclusive conceituadas em leis diferentes. O próprio Comando da PMPR é contra essa usurpação de funções, pois editou Diretriz Regulamentadora do Sistema de Inteligência onde estão consignados os limites, prevendo inclusive a responsabilidade do militar usurpador. Além do mais, já temos pouca Polícia Militar nas ruas, que não dão conta nem do policiamento ostensivo. Aliás, o Brasil já foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos por atuação indevida da PM. Tomara que não tenha que ser condenado novamente”, comentou.

Entrevista

A reportagem do Tribuna do Vale entrou em contato com o Ministério Público de Ibaiti para tentar falar com a promotora Dúnia Rampazzo. A pessoa que atendeu ao telefone, e que forneceu apenas o primeiro nome - Potira - disse que a representante do MP não se encontrava na cidade, mas que exporia a ela o assunto e que se tivesse interesse retornaria a ligação. Até a publicação da matéria não houve retorno.

Para a entrevista com a promotora, o jornal tinha algumas perguntas para fazer. Como não foi possível entrevistá-la, as questões serão expostas abaixo.

O Delegado do caso tinha em mãos o Boletim de Ocorrência em que os policiais militares disseram que a droga foi adquirida no Paraguai, e indícios de que horas antes o carro passou pela fronteira do Paraguai. Para a senhora isso não são indícios de tráfico internacional?

Atribuição para a Polícia Civil ou Federal investigar não é diferente de competência para a Justiça Estadual ou Federal julgar?

Ainda que a Justiça afirme que a prisão feita por Polícia Judiciária indevida não gera nulidade, confirma que é uma irregularidade. Logo, a senhora quis impor ao Delegado que agisse de maneira irregular?

O promotor não é obrigado a seguir a posição do Delegado sobre a atribuição e a competência. Por que tentar obrigar o Delegado a seguir sua opinião?

Delegado, promotor e juiz não pertencem cada um a uma carreira jurídica diferente, podendo adotar suas posições e até mesmo discordar desde que fundamentadamente?

Ainda que a senhora esteja certa sobre a internacionalidade ou não do tráfico de drogas, não acha incorreto ameaçar o Delegado dizendo “se o senhor não for fazer o flagrante, aí vai dar um problema meio grande pro senhor”?

Se não haveria qualquer prejuízo para a prisão se fosse feita na Polícia Federal, porque o interesse em que fosse feita na Polícia Civil?

A senhora concorda que o efetivo de policiais militares é pequeno em Ibaiti e no Estado do Paraná?

Por que utiliza policiais militares da P2 para investigar crimes comuns, se acarreta menos policiais fazendo o policiamento ostensivo nas ruas, e se eles só poderiam fazer atividade de inteligência para o comando da PM?

Investigação criminal é a mesma coisa que atividade de inteligência? O que dizem a Constituição e as Leis 12.830/13 (fala de investigação criminal) e Lei 9.883/99 (fala de inteligência)?

Se a senhora disse que a prisão dos traficantes foi resultado de uma investigação sua e da PM, por que os PMs afirmaram no Boletim de Ocorrência que a abordagem foi fruto de denúncia anônima? Isso pode configurar falsidade ideológica? A senhora vai apurar?

A senhora tem conhecimento do grande problema de superlotação da carceragem de Ibaiti. Então porque, mesmo havendo concordância da PM encaminhar a ocorrência para a Polícia Federal, interveio para os presos ficarem na comarca, superlotando ainda mais a cadeia que inclusive acaba de registrar mais uma fuga?

Fonte: massaNEWS