Ex-guerrilheiros das Farc atuam como "free-lancers" do tráfico na Amazônia, diz PFComentários60

Armamento e drogas apreendidos pela Polícia Federal no Amazonas

d0504Ex-combatentes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) recrutados por facções criminosas brasileiras estão atuando no tráfico de drogas na Amazônia. A informação foi confirmada pela Polícia Federal e pela Secretaria de Segurança Pública do Amazonas.

A situação vem sendo monitorada pela comunidade de inteligência do governo brasileiro e preocupa as autoridades que fazem o combate ao narcotráfico na região.

A atuação de ex-combatentes das Farc no tráfico de drogas nos rios da região Amazônica vem sendo detectada desde o final de 2016, mas parece ter se intensificado ao longo de 2017 e nos últimos meses.

As evidências da participação de ex-guerrilheiros no tráfico de drogas na Amazônia vieram de relatos fornecidos por informantes e do aumento no volume de armamento pesado apreendido na região.

Segundo o chefe da DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes) da PF no Amazonas, Caio Eduardo Avanço, os ex-guerrilheiros estão trabalhando como "free-lancers" para facções que exploram o tráfico de drogas na região.

Eles atuariam, principalmente, na escolta de carregamentos de drogas que saem do Peru e da Colômbia e entram no Brasil pelos rios da região.

"Temos elementos concretos para dizer isso. Temos informações de fonte humana que confirmam isso. Eles agem como seguranças no transporte de drogas e viajam pelos rios da região até Manaus, de onde esses "Temos elementos concretos para dizer isso. Temos informações de fonte humana que confirmam isso. Eles agem como seguranças no transporte de drogas e viajam pelos rios da região até Manaus, de onde esses carregamentos são depois transportados para outras regiões do país e para outros países", disse o delegado.

Durante essa escolta, os ex-guerrilheiros utilizam armamento pesado que, segundo o delegado, pertence a parte do arsenal das Farc que não foi entregue às Nações Unidas como previsto no acordo de paz entre a guerrilha e o governo colombiano. Nas últimas duas semanas, a PF fez uma operação de combate ao tráfico e apreendeu fuzis e granadas que, segundo o delegado, são de origem colombiana.

Apreensões de armas aumentam

A entrada de armas pesadas oriundas das Farc no Brasil está preocupando as autoridades do Amazonas. O Estado tem 1.600 km de divisa com a Colômbia e é entrecortado por rios que cruzam os dois países, entre eles o Solimões, principal rota para o tráfico de cocaína produzida na Colômbia e no Peru.

A situação, segundo as autoridades locais, vem se agravando. Nos dois primeiros meses de 2018, a SSP-AM (Secretaria de Segurança Pública) apreendeu cinco fuzis no estado, mais do que os três que haviam sido apreendidos em todo o ano de 2017. Entre os fuzis apreendidos estão os famosos AK-47 e os AR-15.

Armamento e drogas apreendidos pela Polícia Federal no Amazonas

Segundo a PF, as armas que vêm sendo apreendidas recentemente no Estado são utilizadas pelos ex-guerrilheiros durante a escolta da droga. Em geral, elas descem os rios em direção a Manaus junto com os ex-guerrilheiros e retornam à Colômbia quando a missão acaba. Ainda não há indícios de que as Farc estariam vendendo essas armas para traficantes brasileiros.

Mesmo assim, o vice-governador e secretário de Segurança Pública do Estado, Bosco Saraiva, teme que essas armas terminem sendo utilizadas em crimes como assaltos ou na briga pelo controle do tráfico de drogas no Estado.

Atualmente, o tráfico no Amazonas é comandado pela facção FDN (Família do Norte), vinculada ao Comando Vermelho. O grupo é ameaçado pelas investidas do PCC (Primeiro Comando da Capital) e pelas disputas internas dentro da própria organização.

Desde 2016, o governo do Amazonas tem um convênio com o Exército para que a PM pudesse utilizar fuzis FAL como forma de equiparar forças com os narcotraficantes.

"É um tipo de armamento muito pesado e com o qual a gente não estava acostumado. Estamos equipando a polícia com armamento compatível a essa nova ameaça, mas a gente teme que parte dessas armas que desce o rio acabe ficando em Manaus e em outras cidades para serem usadas em crimes como assaltos a bancos ou mesmo na briga que eles estão tendo um contra o outro", disse Saraiva

Pirataria e ligação com o Comando Vermelho

A procura por ex-guerrilheiros para fazer a escolta das drogas acontece ao mesmo tempo em que as autoridades verificaram um aumento na chamada "pirataria" nos rios da região. Os "piratas do tráfico" atuam, sobretudo, no rio Solimões, principal rota no escoamento de cocaína na Amazônia.

Os piratas monitoram e atacam embarcações que trazem drogas para o Brasil. Depois de tomar a mercadoria, elas a revendem. Em geral, essas ações são violentas.

Para o delegado Caio Avanço, os ex-guerrilheiros têm o tipo de armas e treinamento que as facções que exploram o tráfico de drogas precisam para se livrar dos "piratas".

"Os piratas não respeitam facção. Eles atacam e tomam a droga. Os ex-guerrilheiros têm treinamento militar e armas que podem ser usadas contra eles", explica o delegado.

Acordo de paz produziu dissidentes

O acordo de paz entre as Farc e o governo colombiano pôs fim a um conflito armado que já durava mais de 50 anos.

O acordo previa um cessar-fogo bilateral, a entrega, por parte das Farc, de todo o seu arsenal às Nações Unidas e possibilidade de o grupo participar da vida política colombiana a partir da formação de um partido político e participação nas eleições.

Apesar da grande adesão dos ex-guerrilheiros ao acordo, parte dos combatentes não aderiu ao pacto. Integrantes da chamada "frente primeira" da guerrilha, que atuava justamente na fronteira do Brasil com a Colômbia, formaram um grupo dissidente.

O então presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, e o líder das Farc, Timochenko, apertam as mãos após assinatura do acordo de paz em setembro de 2016

As ligações entre as Farc e o narcotráfico não são recentes. Há pelo menos 20 anos, os guerrilheiros já eram conhecidos por explorarem o tráfico de drogas para conseguir fundos e financiarem a luta armada nas florestas colombianas. Esse foi, inclusive, um dos motivos que levaram o governo colombiano a intensificar os esforços pelo acordo de paz.

"As Farc passam por um processo de desmobilização na Colômbia, mas nem todos os membros aderiram. Há grupos dissidentes que continuam praticando crimes. E muitos deles são recrutados por grupos organizados que têm como principal atividade o tráfico de droga", disse o delegado Caio Avanço.

Bosco Saraiva diz que há uma estimativa de que pelo menos mil fuzis que pertenciam às Farc não foram entregues às Nações Unidas. Ele diz acreditar que é esse armamento que está sendo usado por ex-guerrilheiros que ingressam no Brasil.

O governo amazonense anunciou que irá instalar uma base fluvial na confluência dos rios Negro e Solimões, próximo a Manaus, para aumentar a fiscalização das embarcações que chegam à capital.

Mesmo assim, o secretário de Segurança Pública do Amazonas diz que o controle da fronteira é muito difícil devido às características da região. A maior parte dos 1.600 km da divisa entre o Amazonas e a Colômbia é composta por floresta fechada entrecortada por rios e igarapés que se entrelaçam durante a temporada de chuvas.

"É uma tarefa muito difícil. Estamos tentando fazer o que é possível para combater a chegada dessas armas à região, mas a situação é realmente preocupante", afirma.

Fonte: UOL