Isenta de impostos, a Igreja Pentecostal Deus é Amor (IPDA), uma das maiores denominações evangélicas do país, abriu ao menos três offshores no exterior– nome dado a empresas e contas criadas em países estrangeiros como estratégia de fuga de tributações cobradas no Brasil.
A aquisição de uma offshore em um paraíso fiscal faz com que as informações sobre a empresa fiquem em sigilo. Ter uma offshore não é ilegal, desde que o saldo seja declarado à Receita Federal e ao Banco Central.
No caso da igreja, contudo, a criação de offshore chama atenção, uma vez que o artigo 150 da Constituição Federal já veda a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios de instituírem impostos sobre entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes.
Instituída em 1962, a Deus é Amor tem enfrentado sérias polêmicas desde a morte do seu fundador, David Martins de Miranda, em 2015. Entre elas, está a disputa da família do pastor pelo patrimônio milionário deixado por ele– estipulado em pelo menos R$ 86 milhões, segundo o inventário de Miranda –, e o controle da denominação, conforme relatado por fiéis.
Durante pesquisa, a reportagem apurou que a primeira offshore da Deus é Amor– registrada em nome da própria instituição – foi criada em 1996, em Barbados, pelo fundador do templo religioso. Como sócios figuram outras pessoas que fizeram ou ainda fazem parte da congregação: os pastores Nivaldo Vaz dos Santos, Sérgio Sora, Luiz Andreu Rúbio, Lourival de Almeida e um quinto homem identificado como Timothy Oneal Maynard, que recebeu uma espécie de procuração para atuar em nome da sociedade.
No registro da offshore, o seguinte endereço é indicado: Avenida do Estado 4568, São Paulo – mesmo local onde se encontra a “sede mundial” da igreja. Um segundo endereço ligado à criação da offshore pertence a Barbados – o The Club, em Hastings, localizado em uma área conhecida como Christ Church, destino indicado para envio de correspondências.
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No registro de criação, David Martins aparece como diretor. A filha dele, Débora Oliveira de Miranda Almeida, figura como secretária. No documento, contudo, uma incoerência chama atenção. Enquanto David registrou naturalidade brasileira, Débora é identificada como britânica.
No inventário da morte do pastor, ao qual o Metrópoles teve acesso, um registro de casamento indica que Débora, na verdade, nasceu em Vila Maria, São Paulo.
A reportagem tentou contatar a igreja, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
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Ao Metrópoles, o advogado Francisco Tenório disse que a imunidade tributária mencionada na Constituição Federal é direcionada aos templos, não aos líderes proprietários das igrejas. Por isso, segundo ele, alguns “donos de igrejas” mantém a prática de enviar dinheiro ao exterior.
“Em geral, esses bens que vocês jornalistas conseguem rastrear no exterior, são bens que foram obtidos com recursos da instituição religiosa: dízimos, ofertas, recursos de política, lavagem de dinheiro, em alguns casos, que são incorporados ao patrimônio de seus líderes/donos. Por isso, lançam mão de offshores. É a mesma lógica do político corrupto que desvia verbas públicas para agregá-la em seu patrimônio”, pontuou.
Aplicação no exterior
Segundo alguns documentos juntados ao registro de uma das companhias abertas no Reino Unido, rendimentos arrecadados no Brasil foram declarados pela Deus é Amor no país estrangeiro. Um deles, com data de 2007, indica que essa offshore no nome da instituição religiosa foi abastecida com, ao menos, R$ 150 milhões no ano.
Documentos de 2005 e 2006 também estão públicos. Nos anos, respectivamente, R$ 121 milhões e R$ 128 milhões de rendimentos no Brasil foram aplicados nessa mesma offshore. Confira os documentos, que estão em inglês – idioma oficial do Reino Unido.
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As informações sobre a offshore de Barbados constam em documentos sigilosos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), organização que reúne mais de 600 profissionais e veículos de imprensa no mundo, entre eles o Metrópoles. O conjunto dos documentos, batizado de Pandora Papers, reúne 11,9 milhões de papéis obtidos pelo consórcio junto a 14 escritórios especializados na abertura de offshores em diversos paraísos fiscais.
Os dados que indicam a abertura de companhias em nome da igreja no Reino Unido podem ser conferidos no site oficial do governo.
Campanha para compra de terrenos
Ex-membro da Igreja Pentecostal Deus é Amor, Francisco Tenório disse que integrou a instituição religiosa de 1989 até 2004. O advogado contou que “virou a chave” sobre problemas que rondavam os bastidores da denominação quando estagiou no Ministério da Fazenda: “Tive acesso a informações irrefutáveis de que lideranças importantes da IPDA e de outras grandes igrejas evangélicas estavam faltando com a ética na gestão de suas instituições”.
À reportagem Tenório revelou que enquanto frequentador da igreja, presenciou campanhas para a compra de imóveis. As propriedades, segundo ele, eram anunciadas como sendo para a igreja. Contudo, no momento de registar a aquisição, a congregação sequer foi mencionada como proprietária, mas sim algum membro da família fundadora.
“Na IPDA, por exemplo, a antiga sede regional de Santo André, na Avenida 15 de Novembro, foi colocada no nome do falecido David Miranda, e essa é uma informação pública que está no inventário dele”, disse o advogado. As propriedades mencionadas no inventário do pastor foram distribuídas entre os herdeiros.
“É importante ressaltar que as críticas têm o propósito de corrigir os erros ou pelo menos alertar sobre eles. Ser crítico não significa ser inimigo ou atacar deliberadamente uma instituição. A IPDA na minha época também tinha qualidades e coisas boas. A membresia era 99% composta de gente de Deus, humilde e sincera, mas em muitos casos enganada por seguir o “personagem” da liderança que era muito diferente do líder em sua vida privada”, declarou.
Rádios
Segundo o advogado, que também é autor do livro “Direito das Igrejas”, além da compra de imóveis, campanhas eram feitas na Deus é Amor para aquisição de emissoras de rádio. “Eu posso falar que na minha época foram adquiridas muitas rádios “próprias” para igreja, e que fizemos muitas campanhas pra arrecadar recursos para obtenção essas emissoras”, contou.
“O que eu descobri depois é que essas emissoras foram, na verdade, incorporadas ao patrimônio pessoal da cúpula. Descobri isso da pior maneira durante meu estágio no Ministério da Fazenda. Na época, fiquei decepcionado, pois, sem querer, acabei ajudando a construir um império que nada tinha a ver com os ideais pelos quais eu trabalhei como membro da instituição”, desabafou.
A reportagem apurou que no nome dos membros da família fundadora há diversas emissoras de rádio registradas. Algumas em funcionamento e outras em análise no Ministério das Comunicações.
A Igreja Pentecostal Deus é Amor é considerada uma das mais conservadoras entidades evangélicas. Dentre as proibições impostas para membros estão: não assistir TV, não ingerir bebida alcoólica ou fazer tatuagens. Aos homens é imputada a proibição de ter cabelos longos, barba, bigode e costeleta. Mulheres são proibidas de cortar o cabelo e usar maquiagem. Elas também devem usar saia ou vestido que cubra o joelho, ombros, colo e barriga.
Fonte: https://www.metropoles.com/distrito-federal/isenta-de-impostos-igreja-evangelica-mantem-offshore-no-exterior