Advogado acusado de estelionato ajudou a aplicar golpe de quase R$ 1 milhão em pai e tio, diz MP

Doze pessoas são investigadas por entrar com ações contra bancos para reaver diferenças financeiras de reformas econômicas. Ministério Público diz que valores conquistados na Justiça não eram repassados às vítimas.

n1602Doze pessoas são investigadas por entrar com ações contra bancos para reaver diferenças financeiras de reformas econômicas. Ministério Público diz que valores conquistados na Justiça não eram repassados às vítimas.

A denúncia relata que, em 2012, o advogado Fernando Matias da Silva procurou pelo pai e pelo tio dele, que moram em Moreira Sales, também no noroeste, sugerindo que entrassem na Justiça com uma ação de indenização contra o Banco do Brasil, para reaver valores de expurgos inflacionários ocorridos em janeiro e fevereiro de 1989, decorrentes do Plano Verão. 

De acordo com o promotor do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) Fernando Cubas Cesar, Silva era a pessoa que, em alguns dos fatos denunciados, fazia o primeiro contato com as vítimas, oferecendo os serviços do escritório de advocacia. 

Os promotores afirmam que o pai e o tio do advogado, Jorge Matias da Silva, hoje com 68 anos, foram induzidos a assinar uma procuração dando poderes ao advogado Cassemiro Meira Garcia, também investigado na ação e preso em 8 de fevereiro deste ano, em Loanda

A ação contra o banco foi protocolada e a sentença foi favorável aos autores, que ganharam R$ 945.531,26. O valor foi sacado em 8 de junho de 2015 pelo advogado Agnaldo Sérgio Ghiraldi, também preso há sete dias

Em novembro de 2016, Ghiraldi procurou pelas vítimas e, conforme o MP-PR, induziu-lhes ao erro fazendo com que os dois assinassem um contrato de cessão de crédito, em favor do advogado, pelo preço de R$ 5 mil. 

Alegou que era uma medida necessária para que eles recebessem o valor a que tinham direito. 

Jorge só descobriu que tinha sido vítima de um golpe quando o dinheiro que ele tinha guardado na poupança foi bloqueado por uma decisão da Justiça, que considerou ilegal o pagamento da indenização de quase R$ 1 milhão e determinou o ressarcimento do valor. 

"Assinei uma procuração e depois de quatro anos não saiu nada. Sempre perguntava para ele [advogado] sobre a ação, e ele dizia que estava para sair" , diz Jorge. 

Um tempo depois, ainda conforme o agricultor, os advogados pediram que ele assinasse uma procuração afirmando que ele desistia da ação. 

"Assinei esse papel, e nele estava escrito que eles me pagaram R$ 5 mil. Não me deram nem um real. Depois veio o bloqueio do dinheiro que estava na minha conta no banco", lembrou Jorge Matias da Silva. 

O bloqueio da conta do agricultor foi determinado pela Justiça porque o pagamento da ação indenizatória foi liberado antes do processo transitar em julgado. 

O Banco do Brasil poderia recorrer da sentença, mas, conforme a denúncia, um dos integrantes do grupo expediu o alvará de pagamento antes desse procedimento. O banco recorreu e a Justiça determinou o recolhimento do valor que já tinha sido sacado. 

Atualmente em tratamento contra um câncer, Jorge contratou outros advogados e tenta provar que nunca recebeu os valores da ação contra o banco e reverter o bloqueio do dinheiro que tinha na instituição bancária. 

"O gerente do banco me disse que o bloqueio foi feito por Santa Isabel do Ivaí. Eu nunca fui ou tive qualquer coisa em Santa Isabel do Ivaí. Espero que o dinheiro seja devolvido, porque eu preciso. Eu não peguei nada, não devo nada", concluiu. 

Os advogados Albert Vasconcelos e Eduardo José da Silva, responsáveis pela defesa de Jorge, informaram ao G1 que confiam no Poder Judiciário e que esperam que a justiça seja feita. 

 

Avô paterno

Fernando Matias da Silva também procurou o avô paterno em agosto de 2012, em Moreira Sales. Segundo os promotores, o avô do advogado era representante de um espólio junto com outra pessoa. 

Da mesma forma como atuou com outras vítimas, Silva sugeriu que eles entrassem com uma ação de indenização contra o Banco do Brasil, para reaver valores de expurgos inflacionários. 

A Justiça contemplou os dois com uma indenização de R$ 366.189,30, valor sacado em setembro de 2014 pelo advogado Cassemiro Meira Garcia, conforme descreve a denúncia. 

Três dias depois de o valor ser sacado, Silva procurou novamente o homem que tinha entrado com a ação junto ao avô dele, e induziu a vítima a assinar um contrato de cessão de crédito em favor do advogado Agnaldo Sérgio Ghiraldi, pelo valor de R$ 3,5 mil, ainda conforme a denúncia. 

Os promotores afirmam que o valor nunca foi repassado à vítima, que acreditou que o documento que assinou era necessário para dar continuidade ao processo judicial. 

 

Outras vítimas

O MP-PR acredita que o prejuízo da ação do grupo investigado pode chegar a R$ 100 milhões, que corresponde a ações sob responsabilidade dos advogados investigados que ainda tramitam na Justiça. 

Por isso, os promotores pedem que pessoas que entraram com ações para receber expurgos inflacionários, e suspeitam que podem ter sido vítimas do golpe, entrem em contato com o Ministério Público da cidade onde moram, ou com o Gaeco de Curitiba, pelo telefone (41) 3254-1195 ou pelo e-mail Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar..">Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.. 

 

Denúncia

O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) denunciou 12 pessoas pelos crimes de associação criminosa, falsidade ideológica e uso de documento falso, peculato, estelionato, apropriação indébita e lavagem de dinheiro. 

O grupo, que tem oito advogados, é acusado de entrar com ações contra bancos para reaver diferenças financeiras decorrentes de reformas econômicas. Os valores conquistados na Justiça não eram repassados às vítimas. 

O MP-PR apurou que, entre março de 2011 a julho de 2015, os denunciados ganharam 19 ações contra o Banco do Brasil, totalizando um valor de R$ 5.397.58,69. Desse total, apenas R$ 84,8 mil foram repassados às vítimas. 

A Justiça recebeu a denúncia em 29 de janeiro e, atendendo ao pedido dos promotores, determinou a prisão preventiva, que é por tempo indeterminado, de três investigados: Agnaldo Sergio Ghiraldi, Cassemiro De Meira Garcia e Giuseppe Vasconcelos Pacini, todos advogados. 

“O mentor da associação, advogado Cassemiro de Meira Garcia, engendrou um esquema ardiloso de cooptação de clientela e aferimento de lucro fácil, por meio da procura de pessoas que tinham poupança no Banco do Brasil à época dos expurgos inflacionários”, informa a denúncia. 

Aos outros dois investigados presos cabia o levantamento do dinheiro e posterior ocultação e dissimulação, ou a captação de vítimas e apresentação de atos perante o Poder Judiciário. 

A denúncia afirma que as vítimas eram pessoas humildes, que eram procuradas por denunciados que se apresentavam como representantes de um escritório de advocacia. 

 

“Todas as vítimas afetadas eram humildes, em sua maioria idosas, e com pouca instrução, que acreditavam ter direito a receber indenizações módicas [de valores baixos], quando na verdade faziam jus a valores vultosos, todos arrebatados pela associação criminosa comandada por Cassemiro”, detalha a denúncia.

Induzidas pelos denunciados, as vítimas acabavam assinando procurações cedendo seus créditos a valores irrisórios, ainda conforme o Gaeco. 

Em outros casos, os denunciados, com as procurações assinadas e os processos com sentença já em trâmite, procuravam as vítimas e as enganavam dizendo que não haveria perspectiva para a solução da ação judicial. 

Dessa forma, ofereciam um valor menor do que o conquistado na ação. 

Para dar celeridade aos trâmites, um escrivão afastado do Cartório Civil da Comarca de Santa Isabel do Ivaí certificava a expedição de alvarás judiciais. 

O Gaeco também apurou que, para que a competência jurisdicional da ação ficasse na Comarca de Santa Isabel do Ivaí, onde o escrivão afastado trabalhava, o endereço de algumas vítimas foi alterado. 

Dessa forma, moradores de outras cidades da região e até do Mato Grosso do Sul entravam com ações em Santa Isabel do Ivaí, por meio de documentos falsos. 

 

O que dizem as defesas

A defesa de Cassemiro De Meira Garcia e Giuseppe Vasconcelos Pacini informou que estuda o caso e deve entrar com um pedido de revogação de prisão preventiva ainda nesta quarta-feira (14). 

Fernando Matias da Silva não tinha advogado cadastrado no processo eletrônico da Justiça do Paraná até esta quarta-feira. 

A defesa de Agnaldo Sérgio Ghiraldi detalhou que os advogados que pegam esse tipo de causa se propõem a comprar os direitos desses poupadores alertando-os dos riscos que podem ter, bem como os benefícios que ele teriam se ajuizassem a ação como titulares. 

O advogado complementou que como é uma ação de risco, os poupadores acabam vendendo os direitos por um preço abaixo do que teriam direito. O profissional alega que a compra e a venda dos direitos das vítimas foram feitas por um documento chamado "Contrato de compra e venda e cessão de direitos". 

O advogado do investigado disse ainda que existem outras situações em que o profissional presta serviço ao poupador, ganhando um percentual sobre o que for levantado. 

O defensor afirma que nessa situação, a juíza de Santa Isabel do Ivaí determinou a expedição de alvará para levantamento dos valores a serem recebidos pelo poupador (o que foi feito), porém, o Banco do Brasil agravou a decisão e o Tribunal determinou que a parte devolvesse tal valor para o banco até que saia uma decisão definitiva. 

Contra esta decisão, Agnaldo Ghiraldi embargou e opôs todos os recursos possíveis, mas ainda não teve uma decisão definitiva do tribunal. 

A defesa de Ghiraldi completou que entrará com pedido de revogação da prisão e apresentará provas na instrução criminal. 

 

O que diz o Banco do Brasil

Em nota divulgada no dia da prisão de três dos investigados, o Banco do Brasil informou que o banco sempre colabora com as autoridades em ações que apontam fraude, lavagem de dinheiro e outras atividades ilegais. 

No mesmo dia, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Paraná também emitiu uma nota à imprensa dizendo que há necessidade de se garantir a ampla defesa e o contraditório aos acusados, e que isso só é possível depois da análise das provas. 

De acordo com a nota, sendo comprovados os fatos, os acusados poderão responder a processo disciplinar e até perder a licença da profissão. 

 

Fonte: G1