SAIMON

João Carlos da Costa

saimon

Este era o nome daquele menino. E se escrevia assim mesmo, com pronúncia meio americanizada . Era alegre, de origem bastante humilde, mas que gostava de brincar, dançar. Morava num bairro pobre da periferia de Curitiba. Aos 7 anos de idade, naquele período em que Michael Jackson fazia sucesso com a música beat it e dançava o break, ele participava dos concursos promovidos pela escola municipal, onde frequentava o ensino fundamental. Ativo e sempre sorridente, após as aulas brincava nas quadras do ginásio de esportes do bairro, mais conhecido como Centro Social Urbano, local onde eram realizados eventos com a participação dos moradores da região. Ele sempre se fazia presente e era muito conhecido e querido por lá, pela sua educação e simpatia, atributos que conquistavam a admiração e atenção das pessoas.

A escola onde Saimon estudava e as imediações do ginásio de esportes eram pontos frequentes de traficantes, que levavam drogas, maconha principalmente, em pequenas , buchas, dentro dos guidões de bicicletas, ofereciam balas e dinheiro para as crianças, com a finalidade de viciá-las e aliciá-las para o tráfico. Lógico que eram bons atrativos para os inocentes, que sequer percebiam a armadilha em que estavam caindo.

O tempo foi passando, o Saimon crescendo, então começou a andar em más companhias e, aos poucos, foi entrando no mundo das drogas como usuário e a cometer pequenos furtos. Quanto mais se envolvia com as drogas, mais crimes cometia. Sua fama crescia também à medida em que se envolvia não só com crimes de furto, mas também com assaltos a tubos de ônibus expressos, que eram cada vez mais frequentes. Foi preso e liberado várias vezes.

Lembro que sua mãe, uma cabeleireira também conhecida no bairro, em certa ocasião me pediu conselhos e que eu ajudasse convencer o Saimon a fazer um tratamento, pois ela já não aguentava mais tanto sofrimento por ver o filho sempre preso e envolvido com a criminalidade. Tinha medo, inclusive, que algum dia ele fosse assassinado.

Certa noite, quando chegava do trabalho de carro, por volta das duas horas da manhã, próximo do portão da minha casa, percebi um vulto vindo em minha direção e fiquei alerta pensando se tratar de um possível assalto. Fixei os olhos e reconheci que a pessoa que vinha em minha direção era o Saimon.

Há muito tempo eu não o via. Desde criança ele conversava muito comigo. Naquela noite ele me cumprimentou e me pediu algum trocado para comprar leite para os filhos dele. Ele estava com 18 ou 19 anos e já era pai de três crianças, segundo se soube.

Eu já sabia a estória dele porque acompanhava pelos jornais e noticiários e bate-papo com algum vizinho e também pela própria mãe. Sabia também que o dinheiro que ele me pedia não era para as crianças, mas sim para comprar mais drogas para o seu consumo. Tentei dissuadi-lo daquela vida desregrada e perigosa para ele e para a família. Ele disse que por várias vezes tentou desistir do vício, mas não conseguia e gostaria que eu o ajudasse. Prontifiquei-me a ajudá-lo e lhe informei que ele teria que ter realmente a iniciativa. Disse então, que me procuraria novamente, mas desapareceu.

Numa outra madrugada, lá estava eu chegando novamente em casa, quando   o Saimon se aproximou e, da mesma forma que a anterior, só que aparentemente nervoso, pediu uns trocados. E eu, imaginando qual era a situação e ele confirmou, de fato, que era para fazer o pagamento de drogas que ele havia adquirido e não tinha como pagar. Então lhe arrumei uns trocados e, mais uma vez insisti para que ele deixasse aquela vida mundana. E ele, chorando, disse que havia feito diversas tentativas e não conseguiu. Depois de me agradecer, foi embora. Acredito que ele não conseguiu arrumar todo o dinheiro necessário, pois três dias e após esse encontro, Saimon foi encontrado morto, a pedradas e com a cabeça esfacelada.

Confesso que fiquei triste e chateado por não ter conseguido ajudar aquele menino, que aparentemente suplicava uma ajuda de alguém para que ele conseguisse ajudar a si próprio.

Imagino quantos Saimon existem por aí, vítimas das drogas e da própria sociedade, que muitas vezes ignora problemas que podem ter início dentro do próprio lar e acabam não sendo percebidos, pois muitos pais, seja da classe baixa, média ou alta, às vezes se preocupam com outros tipos de problemas e nem sempre dão a atenção adequada à família, especialmente a filhos adolescentes. São vítimas também da corrupção, de governantes que não priorizam políticas públicas coerentes voltadas ao segmento jovem, de forma a contemplar a cultura e a educação como incentivo à criatividade e o combate à ociosidade de adolescentes, que na maioria das vezes têm o se potencial criativo desperdiçado por não ter quem se interesse por isso.

O resultado desses descasos é o envolvimento, cada vez mais, dos adolescentes com a criminalidade, o número excessivo de mortes nas faixas etárias entre 12 e 25 anos de idade, conforme mostram as estatísticas, mais de 25 até este ano, num país onde não há estabelecimentos especializados adequados e com profissionais competentes e qualificados para ressocializá-los. Sob este aspecto, existe muita complexidade em se falar em maioridade penal, principalmente se não forem corrigidas as falhas relativas à falta de melhores cuidados com as famílias, a educação das crianças e dos adolescentes e, principalmente, na reestruturação dos sistemas correcionais.

É bom lembrar que o que aconteceu com o Saimon é corriqueiro com as famílias mais pobres. Mas não estão livres disso adolescentes das classes média ou alta. Ou seja, é um problema de toda a sociedade que precisa estar sempre alerta e não achar que o problema é só dos outros e que nem todos serão afetados. As drogas são o mal do século,. Contaminam e destroem toda e qualquer estrutura social.

João Carlos da Costa 
Bel. em Direito, Bel. Químico,
Professor e Escrivão de Polícia. F. 9967-3295
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