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O filho do porteiro, por Coronel Siqueira

Fotos: Divulgação e Agência Brasil Dorival começou a trabalhar no meu prédio ainda nos anos 80. Veio da Paraíba (ou do Pará, eu sempre me confundo com os estados do Nordeste) tentar a vida na cidade grande. Era um rapaz afável e trabalhador. Sabia como se comportar e gostava de trabalhar. Nunca reclamou de ter que fazer hora extra ou labutar no feriado, mesmo sem receber a mais por isso. Nós retribuíamos o carinho o tratando que nem gente. Nas festas de fim de ano eu fazia questão de dar as sobras da nossa ceia para ele! Era como se fosse da família!

Sempre solitário em sua tarefa de zelar pelas vidas alheias, foi uma surpresa quando percebemos que ele estava se engraçando pela Neuzinha, a doméstica do 501. Era uma moça bonita e corpulenta, além de muito simpática – nunca achava ruim quando nos encontrávamos no elevador e eu fazia minhas piadinhas inofensivas sobre sua saia curta… Saudades dos tempos antes da ditadura do politicamente correto!

Quando eles começaram a namorar, todo mundo ficou muito feliz. O amor e a família são a base da sociedade (desde que hétero e da mesma classe social). Nosso único pedido foi que eles não se tocassem ou conversassem em público durante o horário de trabalho. A gente é tolerante pra muita coisa, mas manifestação de carinho já é passar dos limites!

Logo depois eles se casaram. Fiz questão de mandar um presente bom – uma televisão velha e um par de sapatos que eu já não usava mais. Para ela, uma caixa de alisante de cabelo. Ele até me convidou para o casamento, mas obviamente eu não fui – não é de bom tom se misturar desse jeito com empregado. Ele veio falar comigo sobre lua de mel mas eu expliquei que não tinha como dar folga para ele no momento, além do que a moça do 501 também não podia abrir mão da Neuzinha justo agora que ela estava indo fazer uma viagem e ia precisar de alguém para molhar as plantas e dar comida pro cachorro. Eles entenderam e no outro dia já estavam lá de novo, sempre gratos pela oportunidade de emprego.

No ano seguinte nasceu o Marquinho, o primeiro filho do casal. A Neuza teve que largar o trabalho para cuidar do menino, mas o Dorival, como um homem honrado, segurou as pontas da família, arrumando um emprego noturno no prédio ao lado. Como ninguém assinava carteira, não era um problema ele trabalhar dezesseis horas por dia.

O tempo foi passando e o Marquinho foi crescendo. De vez em quando a Neuza trazia ele pra visitar o pai depois do serviço, e eu ficava feliz em ver o menino crescendo forte e saudável. Eu sempre falava com ele:

– E aí, Marquinho? Tá indo na escola direitinho? Tem que estudar, heim!!! Não pode ficar de vagabundagem, não!

Eu sempre repetia isso para ele. Estudar era importante, claro. Se ele soubesse falar direitinho e fazer as contas ele podia tranquilamente trabalhar aqui no prédio no lugar do pai quando ele fosse se aposentar.
Os anos foram se sucedendo, até que a esquerda tomou o poder. Como eu previa, foi uma catástrofe. Começando pelo Dorival, que largou o emprego para abrir um pequeno comércio no bairro onde mora. Foi um pesadelo arrumar outra pessoa para seu lugar, já que agora era moda exigir direitos trabalhistas e carteira assinada. A gente dá a mão e eles querem o braço. Ingratos!

Nunca mais tive notícias deles até pouco tempo atrás. Fui buscar minha neta na faculdade um dia e dei de cara com o Marquinho. Não me contive de tanta alegria!

– Marquinho! Rapaz, você tá grande demais, já virou homem! Lembra de mim, o Siqueira, do emprego do seu pai? Quanto tempo! Você está trabalhando por aqui? Tá na portaria, na limpeza? Minha neta estuda aqui, bom saber que ela está em boas mãos!

Ele me olhou de um jeito meio esquisito, e me respondeu secamente:

– Não, Seu Siqueira, eu não sou porteiro, eu estudo aqui. Estou quase terminando o curso de engenharia. Me formo no meio do ano que vem.

Meu coração disparou… Como assim ele estava na mesma universidade que minha neta? Comecei a suar frio… Tudo começou a rodar em volta de mim… Senti uma náusea profunda, minha pressão caiu e buuuum.

Acordei já em casa, depois de terem chamado uma ambulância para mim. Quando recobrei os sentidos, perguntei para minha neta se era verdade o que tinha acontecido ou se tinha sido um pesadelo:

– Como assim? Pobre na faculdade? Mas ele é filho do porteiro! Que absurdo! E ainda foi arrogante comigo, falando de igual para igual! Quem ele acha que é?

Ela me explicou que os tempos mudaram, e que a universidade também tinha mudado. Agora tinha cotas, FIES, Prouni, um monte de jeito de colocar os mais pobres para dentro. Ela disse que ela mesma nem andava com os cotistas, mas que não era de bom tom discriminá-los abertamente. Cada um na sua.

Fiquei muito decepcionado… Tive pesadelo por vários meses com a cena… Aquela universidade, minha neta e o filho do porteiro estudando juntos… Concorrendo à mesma vaga de emprego. Comendo na mesma mesa do refeitório… Que horror! O PT realmente estava destruindo o Brasil. Eu mal tinha conseguido me recuperar de uma viagem de avião ao lado de um pobre e agora essa! Que país é esse?

O tempo passou, minha neta se formou e nunca mais ouvi falar do Marquinho. Achei que nunca mais ia ver aquele molequinho fofo que virou um homem metido e arrogante, que não respeitava seu lugar no mundo e que resolveu ser doutor.

Mas, por uma coincidência do destino, resolvi visitar minha neta na semana passada. Quando entrei no uber, tomei um susto ao reconhecer o motorista. Era o Marquinho! Envelhecido, com cara de cansado, mas era ele.

Eu perguntei:

– Ué, Marquinho, você aqui? Achei que você tinha virado engenheiro. Minha neta me falou que você era dos melhores da sala.

Ele sorriu de volta e respondeu:

– Pois é, Siqueira, a vida dá voltas, né… Eu estava empregado, tudo indo bem, casei, tive filho… Mas aí veio a crise, né… A Lava Jato, o golpe, o Bolsonaro… A empresa que me contratou faliu, fui pra outra, faliu também… Tentei trabalhar por um tempo como autônomo mas também não deu certo. Minha mulher também tá desempregada, e com filho pra sustentar, tudo fica mais difícil, né… Acabou que eu tive que trabalhar com aplicativo… Uber, entrega, qualquer coisa…

O papo não rendeu muito. Ele parecia abatido, falava pouco, sempre baixinho… Aquele homem cheio de si que encontrei na faculdade da minha neta não existia mais..

Chegando no meu destino, desci do automóvel, me despedi e peguei o telefone dele. Falei que se tivesse vaga para porteiro eu o chamaria. Ele agradeceu e se foi.

Fui acompanhando o carro com o olhar até ele sumir no horizonte. Parei por um minuto, ajeitei o paletó e pensei:

“Não é que depois que a Dilma saiu o Brasil melhorou mesmo?”.

Fonte: https://www.cartacapital.com.br

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