ONU pede fim imediato de espionagem contra jornalistas e opositores

4.set.2019 - A chilena Michelle Bachelet, Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, durante entrevista coletiva em Genebra - Fabrice Coffrini/AFP A ONU critica a espionagem contra jornalistas, políticos e ativistas e pede o fim imediato das práticas, além da criação de regras claras sobre o uso de tecnologia e venda de sistemas.

Neste domingo, alguns dos principais jornais do mundo revelaram como políticos, advogados, ativistas de direitos humanos, repórteres, colunistas e editores de todo o mundo foram alvos de uma possível espionagem por meio de um software criado por uma empresa de Israel.

Pelo menos 180 jornalistas estavam em uma lista obtida pela imprensa internacional e que revela o interesse de clientes em espionar os telefones desses jornalistas.

O software Pegasus foi criado pelo grupo NSO, de Israel. De acordo com publicações como "The Washington Post", "The Guardian" e "Le Monde", uma lista de até 50 mil números de telefone pode ter sido alvo do sistema nos últimos cinco anos. Os documentos foram inicialmente obtidos pelas entidades Anistia Internacional e a Forbidden Stories.

Nem todos esses números chegaram a ser hackeados. Mas a lista inclui profissionais de meios como "The Wall Street Journal", CNN, "The New York Times", Al-Jazeera, France 24, Radio Free Europe, Mediapart, "El País", Associated Press, "Le Monde", Bloomberg, "The Economist", Reuters e Voice of America.

"As revelações sobre a aparente utilização generalizada do software Pegasus para espionagem de jornalistas, defensores dos direitos humanos, políticos e outros numa variedade de países são extremamente alarmantes, e parecem confirmar alguns dos piores receios sobre a potencial utilização abusiva da tecnologia de vigilância para minar ilegalmente os direitos humanos das pessoas", afirmou Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para Direitos Humanos.

Em maio, o UOL revelou com exclusividade como Carlos Bolsonaro ensaiou a compra do mesmo equipamento. A licitação em questão era a de nº 03/21, do Ministério da Justiça, no valor de R$ 25,4 milhões. O lobby do filho do presidente abriu um racha entre o Planalto e parte da inteligência brasileira. Carlos Bolsonaro, na época, ironizou a reportagem.

"As revelações sobre a aparente utilização generalizada do software Pegasus para espionagem de jornalistas, defensores dos direitos humanos, políticos e outros numa variedade de países são extremamente alarmantes, e parecem confirmar alguns dos piores receios sobre a potencial utilização abusiva da tecnologia de vigilância para minar ilegalmente os direitos humanos das pessoas.

Numa reação às revelações, Bachelet criticou as práticas de governos. "Várias partes do sistema de Direitos Humanos das Nações Unidas, incluindo o meu próprio gabinete, têm levantado repetidamente sérias preocupações sobre os perigos de as autoridades utilizarem instrumentos de vigilância de várias fontes supostamente para promover a segurança pública, a fim de piratear os telefones e computadores de pessoas que conduzem atividades jornalísticas legítimas, monitorizando os direitos humanos ou expressando dissidência ou oposição política", disse.

"A utilização de software de vigilância tem estado ligada à detenção, intimidação e mesmo assassinatos de jornalistas e defensores dos direitos humanos", afirmou a chilena. Segundo ela, a vigilância também tem o efeito de fazer as pessoas censurarem-se a si próprias por medo. "Os jornalistas e defensores dos direitos humanos desempenham um papel indispensável nas nossas sociedades, e quando são silenciados, todos nós sofremos", disse.

"Gostaria de lembrar a todos os Estados que as medidas de vigilância só podem ser justificadas em circunstâncias estritamente definidas, com um objetivo legítimo. E devem ser simultaneamente necessárias e proporcionais a esse objetivo", afirmou.

Segundo ela, diante das "intrusões extremamente profundas" nos celulares permitida pelo software, seu uso "só pode ser justificada no contexto de investigações sobre crimes graves e ameaças graves à segurança". "Se as recentes alegações sobre a utilização de Pegasus são mesmo parcialmente verdadeiras, então essa linha vermelha foi cruzada repetidas vezes com total impunidade", lamentou.

Bachelet também fez um alerta às empresas envolvidas no desenvolvimento e distribuição de tecnologias de vigilância. Segundo ela, as companhias "são responsáveis por evitar danos aos direitos humanos". "Precisam tomar medidas imediatas para mitigar e remediar os danos que os seus produtos estão a causar ou para os quais contribuem, e de levar a cabo a devida diligência no domínio dos direitos humanos para assegurar que não desempenham mais um papel em consequências tão desastrosas, e evitar serem envolvidas em cenários futuros semelhantes", disse.

"Para além da cessação imediata do seu próprio papel nas violações dos direitos humanos, os Estados têm o dever de proteger os indivíduos de abusos do direito à privacidade por parte das empresas", afirmou.

"Um passo fundamental para prevenir eficazmente o abuso da tecnologia de vigilância é que os Estados exijam por lei que as empresas envolvidas cumpram as suas responsabilidades em matéria de direitos humanos, sejam muito mais transparentes em relação à concepção e utilização dos seus produtos, e ponham em prática mecanismos de responsabilização mais eficazes", completou.

ONU pede regulamentos e fim imediato da espionagem

Bachelet ainda defendeu que as revelações abram o espaço para o debate sobre novas regras. Segundo ela, as informações "confirmam também a necessidade urgente de regular melhor a venda, transferência e utilização da tecnologia de vigilância e assegurar uma supervisão e autorização rigorosas".

"Sem quadros regulamentares conformes aos direitos humanos, há simplesmente demasiados riscos de que estas ferramentas sejam abusivamente utilizadas para intimidar os críticos e silenciar a dissidência", alertou.

"Os governos devem cessar imediatamente a sua própria utilização de tecnologias de vigilância de formas que violem os direitos humanos, e devem tomar medidas concretas de proteção contra tais invasões da privacidade, regulando a distribuição, utilização e exportação de tecnologia de vigilância criada por outros", completou.

Fonte: https://noticias.uol.com.br