Visão turva e mal-estar: como agem as substâncias usadas para dopar passageiras em carros de aplicativo

Substâncias usadas evaporam rapidamente e podem entorpecer passageiros com facilidade  Pixabay

Visão turva, mal-estar e sensação de desmaio iminente — esses são alguns dos sintomas relatados por mulheres que denunciaram motoristas de aplicativos por tentar dopá-las. Diferentemente dos filmes, nenhuma delas foi confrontada com um pedaço de pano embebido em alguma substância tóxica nem mesmo tomaram alguma bebida adulterada. 

Então, como isso pode ser possível? Nos casos mencionados, as tentativas denunciadas ocorreram por meio do ar-condicionado, por uma substância espalhada no carro com um spray e por um pote aberto dentro do veículo. As vítimas conseguiram sair do carro antes que ficassem inconscientes. 

Em entrevista ao R7, a toxicologista Luciana Toledo, do Ciatox (Centro de Informação e Assistência Toxicológica) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), explicou como a intoxicação acontece. 

“Provavelmente eles estão utilizando clorofórmio ou éter, que são solventes bem voláteis, ou seja, que passam do estado líquido para o vapor muito rápido. Então pela inalação [dessas substâncias] a passageira pode começar a apresentar, após alguns minutos, confusão mental, tontura e visão turva”, explica a especialista.

Como a substância pode ser liberada pelo ar-condicionado?

Neste caso, Luciana acrescenta que não é possível colocar a substância dentro do ar-condicionado porque, como se trata de solventes voláteis, a evaporação aconteceria de forma quase que imediata e não seria possível dispersá-la pelo carro, sobretudo se as janelas estiverem abertas.

“O que pode acontecer é que se o motorista, por exemplo, colocar um aromatizante de carro com clorofórmio dentro e ligar o ar-condicionado, provavelmente o fluxo de ar vai carregar esses fatores diretamente na direção do passageiro”, ressalta a toxicologista. 

No episódio denunciado em São Paulo, o motorista manteve as janelas fechadas, o que pode ter contribuído para aumentar a concentração do produto e causar os sintomas de tontura, enjôo e visão turva na passageira.

De que forma a substância química pode ser borrifada?

No Rio de Janeiro, a passageira que fez a denúncia afirmou que o motorista havia borrifado a substância com um spray alegando que era álcool, possivelmente para higienizar o veículo — medida adotada durante a pandemia. Logo em seguida, ela começou a apresentar os sintomas característicos da intoxicação. Nesse caso, o ar-condicionado também estava ligado.

“Se borrifar éter ou clorofórmio dentro do carro, por ser uma substância muito volátil, ela vai evaporar e se espalhar no ambiente, podendo entorpecer o passageiro”, afirma Luciana. Ainda assim, as janelas teriam que estar fechadas para aumentar a concentração do produto.

No entanto, neste caso em específico, o laudo do Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Rio confirmou que o conteúdo borrifado realmente era álcool 70%, o que descartou a suspeita de tentativa de dopagem.

É possível ficar intoxicado se um pote com alguma substância química for aberto dentro do carro?

Uma das vítimas relatou que o motorista fechou todas as janelas do veículo e abriu um pote contendo um líquido incolor, o que foi seguido por um forte cheiro que preencheu o ambiente.

A toxicologista ressalta que também é possível provocar a intoxicação desta forma, já que os produtos tendem a evaporar rapidamente após a exposição ao ambiente.

Nesse caso, a vítima usava uma máscara PFF2 — conhecida por vedar adequadamente a área da do nariz e da boca —, o que impediu que ela ficasse inconsciente, apesar de não ter bloqueado totalmente a passagem da substância, que conseguiu deixá-la zonza. 

Além dessas formas, a especialista destaca que é possível misturar alguma substância química no álcool em gel, o que facilitaria a intoxicação, já que em grande parte dos carros de aplicativo os motoristas costumam deixar um frasco do produto à disposição do passageiro.

“Como o clorofórmio tem um cheiro bem forte de produto químico, no álcool em gel as pessoas podem utilizar outros solventes, como o metanol, por exemplo, [que pode causar o mesmo efeito] e o cheiro não é tão forte”, explica a toxicologista.

Como os motoristas conseguiram passar ilesos à intoxicação?

Para que também não fossem intoxicados pelas substâncias químicas, os motoristas deveriam estar usando máscaras N95 ou PFF2, equipamentos que ficaram amplamente conhecidos durante a pandemia por fornecer a vedação adequada e impedir a inalação de ar contaminado, seja por substâncias químicas, seja por vírus. No entanto, não se sabe se os suspeitos dos casos mencionados estavam com o equipamento de proteção.

Quais danos a intoxicação pode causar à saúde?

A intoxicação causada por substâncias químicas, seja por clorofórmio, éter ou metanol, pode causar confusão mental, desmaio e até perda da consciência.

“O nosso pulmão tem uma grande área de absorção, é um órgão muito vascularizado. Esses vapores, ao serem inalados, chegam rapidamente à corrente sanguínea e consequentemente atingem o sistema nervoso central. No século passado, esses produtos eram utilizados como anestésicos pela medicina. Então, se a pessoa inalar em grande quantidade, ela pode até entrar em coma, porque vai deprimindo o sistema nervoso central”, explica Luciana.

Após ser exposta à substância, a depender da quantidade, a pessoa tem apenas alguns minutos antes de perder a consciência. Para não ser vítima de tentativas de dopagem, a passageira deve  usar máscaras de proteção como a N95 ou a PFF2 ao utilizar carros de aplicativo, recomenda a toxicologista.

“O clorofórmio tem um odor muito característico, ele é bem forte, então assim que a pessoa sentir o cheiro de produto químico tem que ter uma ação rápida, abrir a porta e sair, pedir para parar, porque nos próximos minutos pode ser que a passageira comece a sentir um mal-estar geral, até perder o nível de consciência”, destaca a toxicologista.

Fonte: https://noticias.r7.com