Garçons e prostitutas são agentes para PCC levar cocaína a Europa e África

Porto de Kaliningrado, cidade russa - Divulgação A rota de tráfico internacional de cocaína dominada pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) começa nas plantações de coca no Vale do Chapare, na Bolívia, e tem um ponto de parada fundamental em bares e boates de cidades portuárias brasileiras.

Entre um drinque e outro, garçons e prostitutas ligados à maior facção criminosa do país, fluentes em inglês e tagalo, o principal idioma das Filipinas, subornam marinheiros nascidos no arquipélago asiático.

São eles que levam a droga até contêineres de navios mercantis atracados em portos como o de Santos (SP), o principal do Brasil, Paranaguá (PR), Itajaí (SC), Recife e Salvador, conforme indicam investigações realizadas pela PF (Polícia Federal).

A partir daí, a cocaína é traficada até terminais marítimos da Europa e África.

Nos últimos anos, autoridades identificaram remessas de droga escondidas até entre cargas de carne de frango congelada, como as descobertas nos últimos anos no porto de Kaliningrado, cidade russa no mar Báltico.

Operações policiais realizadas desde 2015 detectaram cocaína do PCC em portos de pelo menos outros seis países europeus (Portugal, Espanha, Inglaterra, Bélgica, Holanda e Itália) e dois africanos (Costa do Marfim e Gana).

Em outra ponta da operação, o PCC corrompe funcionários dos terminais portuários no Brasil, que possuem informações privilegiadas a respeito da posição de contêineres e das chegadas e saída dos navios. Eles também facilitam o acesso dos narcotraficantes às embarcações.

A forma mais comum para o envio de drogas para o exterior consiste na inserção de drogas em contêineres de outros exportadores, por meio de rompimento e troca de lacres dos depósitos. Na maior parte das vezes a operação acontece sem o conhecimento da empresa exportadora.

Em outras vezes, para embarcar a droga, os narcotraficantes utilizam a forma de "pescaria", que consiste no uso de pequenas embarcações que levam a carga até as proximidades do navio. A carga de droga é içada para a embarcação.

Nas duas formas, o objetivo é que evitar que a cocaína seja detectada na fiscalização pelos scanners, que checam todos os contêineres destinados à exportação.

Ligação com máfias

"O porto de Santos constitui a principal rota de escoamento de grandes carregamentos de cocaína produzida na América do Sul", afirma a procuradora da República em São Paulo Ryanna Pala Veras, responsável pela denúncia da Operação Brabo, deflagrada em 2017, e que obteve a condenação de 26 pessoas por tráfico internacional de drogas no mês de maio deste ano.

"Foi organizada uma rede de logística entre produtores, transporte, armazenamento e embarque em navios com destino à Europa, África e Oriente Médio. Essa logística é controlada pelo PCC, que praticamente detém monopólio dessa atividade criminosa no Brasil".

Porém é preciso encontrar os compradores do outro lado do oceano. E para isso o PCC se aliou a outras máfias internacionais, a exemplo da italiana 'Ndrangheta e do clã sérvio Saric.

Gaetano Paci, procurador antimáfia da Calábria (província da Itália), afirmou ao UOL que "há muitas evidências de uma relação entre a 'Ndrangheta e narcotraficantes sul-americanos. Muitas cargas de cocaína partem precisamente de portos brasileiros, particularmente dos portos de Recife e Santos".

"São navios que seguem rotas específicas para o transporte de contêineres. Muitos desembarcam em Gioia Tauro, um dos maiores portos do Mediterrâneo e que é controlado pela 'Ndrangheta", complementou.

Mudança de destino

A apreensão de cocaína tem sido cada vez mais frequente nos portos brasileiros. Dois exemplos recentes são de Santa Catarina. No mês passado, policiais militares descobriram 392 quilos de cocaína embalados em tabletes dentro bolsas de viagem em um setor do Porto de Navegantes (SC).

Em agosto, agentes da Receita Federal encontraram 1,5 tonelada de cocaína em um terminal de exportações do Porto de Itajaí (SC). Segundo o órgão, a droga estava escondida dentro de chapas de madeira que teriam como destino o porto de Antuérpia, na Bélgica, considerado a principal porta de entrada na Europa da cocaína traficada do Brasil.

Agentes da Receita Federal encontram 1,5 tonelada de cocaína no porto de Itajaí (SC) - Divulgação/Receita Federal

Agentes da Receita Federal encontram 1,5 tonelada de cocaína no porto de Itajaí (SC)

Imagem: Divulgação/Receita Federal

Entre 1º de janeiro e 25 de setembro de 2019, foram apreendidas cerca de 40,7 toneladas de cocaína no terminal estrangeiro: 26% eram provenientes do Brasil e 20% do Equador. As informações são de um comunicado emitido pela polícia belga.

Esses dados indicam uma mudança no destino da cocaína que chega à Europa. O adido policial da Itália em Brasília, coronel Francesco Fallica, afirma que as apreensões diminuíram no porto de Gioia Tauro, na Calábria, região dominada pela 'Ndrangheta. Ele é especialista em investigações de narcotráfico e lavagem de dinheiro e atua na Guardia di Finanza, polícia especial subordinada diretamente ao Ministério da Economia da Itália.

"A gente descobriu que o tráfico mudou o lugar de destino da cocaína. Muitas vezes o porto final era na Calábria. Agora a gente encontra muita coisa está lá no norte da Europa, em Roterdã, na Antuérpia. E verificamos que essa cocaína chega do Brasil em uma operação conjunta da 'Ndrangheta."

Documentário "Primeiro Cartel da Capital"

O selo MOV.doc, destinado a produções documentais do UOL, lançou a série PCC - Primeiro Cartel da Capital. Com direção de João Wainer (diretor dos documentários "Junho - o mês que abalou o Brasil" e "Pixo"), a série de quatro episódios é o resultado de um trabalho de apuração da equipe de UOL Notícias.

Foram seis meses com gravações em São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Rio Branco e Nápoles (Itália). O resultado é uma série documental que busca entender como um grupo de oito detentos se transformou numa facção que hoje tem mais de 33 mil membros e tenta conquistar o monopólio do tráfico de drogas no país.

O documentário tem reportagem, pesquisa e produção dos jornalistas Flávio Costa, Luís Adorno, Aiuri Rebello e Eduardo Militão, e apresentação de Débora Lopes.

Fonte: UOL