Gravata, chutes e tiro de misericórdia: Polícia diz que militar pretendia vender arma de perito morto

 Em depoimento prestado na 18ªDP (Praça da Bandeira), uma testemunha disse que o perito papiloscopista Renato Couto, de 41 anos, teria levado um tiro de misericórdia antes de ser colocado em uma van da Marinha do Brasil.

Baleado em um ferro-velho, na última sexta-feira, na Praça da Bandeira, na Zona Norte do Rio, após uma discussão com quatro homens, entre eles três militares, o perito foi arremessado, ainda com vida, no Rio Guandu. Nesta segunda-feira, o corpo de Renato foi resgatado na altura de Japeri, na Baixada Fluminense, onde teria sido jogado pelos suspeitos do crime.

Por conta do homicídio, foram presos em flagrante o sargento Bruno Santos de Lima, o pai dele, Lourival Ferreira de Lima, o sargento Manoel Vitor Silva Soares e o cabo Daris Fidelis Motta.

De acordo com o delegado Adriano França, da 18ª DP, o exame cadavérico poderá ajudar a esclarecer em que região o disparo de misericórdia atingiu o papiloscopista. Já se sabe que pelo menos dois disparos acertaram o perito — um em uma das pernas e o outro no abdômen. No entanto, a testemunha que presenciou o crime relata ter ouvido três disparos.

— Uma testemunha narrou que houve um tiro de misericórdia. Ela percebeu que (o disparo) foi no momento da entrada (do perito ) na van e teria sido feito pelas costas. Não sabemos em que região do corpo, se foi cabeça ou costas (que atingiu o tiro) — disse o delegado.

De acordo com a Polícia Civil, os agressores imobilizaram o perito com uma gravata durante a discussão. Após ser baleado, ele ainda teria sido agredido com chutes por Lourival Ferreira de Lima. Segundo as investigações, Lourival seria sócio do filho, Bruno, no ferro-velho onde o perito encontrou produtos furtados de sua obra.

A Polícia Civil já descobriu que, após o corpo do perito ser jogado no Rio Guandu, os militares levaram a Van da Marinha para tentar apagar vestígios do assassinato.

— Sabemos que, após transportar o perito baleado, os militares lavaram a van da Marinha em um lava-jato de Austin, em Nova Iguaçu, usando inclusive cloro. Depois, lavaram mais duas vezes o mesmo veículo — disse o delegado Antenor Lopes, diretor do Departamento Geral de Polícia da Capital.

No termo de declaração do sargento Bruno, ao qual O GLOBO teve acesso, ele contou que, na última quarta-feira, dia 11, foi informado por Lourival de que um homem havia lhe procurado em seu ferro-velho para lhe ameaçar e o acusar de receptar materiais furtados de sua obra. Segundo seu pai, ele disse ter respondido que só trabalhava com doações de órgãos públicos, mas o indivíduo teria exigido dinheiro e prometido retornar.

Na sexta-feira, dia 13, Bruno contou ter recebido ligações de que o homem teria voltado ao ferro-velho do pai e lhe ameaçado caso não lhe transferisse R$ 10 mil, acionou um de seus subordinados, o terceiro sargento Manoel Vitor Silva Soares, e o cabo Daris Fidelis Motta, para irem, com uma viatura do 1º Distrito Naval, em “defesa” de Lourival. Bruno disse que, na ocasião, portava sua pistola particular, uma Taurus calibre nove milímetros e vestia um colete balístico.

Ao chegar no estabelecimento, na Rua Oswaldo Aranha, na Praça da Bandeira, avistou seu pai “com um semblante cabisbaixo, ao lado de um indivíduo”. Por esse motivo, o sargento contou ter saído da viatura já com a arma em punho, se identificando como militar e ordenando que Renato Couto colocasse as mãos para cima.

No depoimento, o primeiro-sargento relatou que, ao revistar o perito papiloscopista, notou que ele estava com uma pistola na cintura e, nessa ocasião, o policial civil sacou a pistola e ambos entraram em luta corporal. Lourival, Daris e Manoel também teriam se envolvido na briga, tentando separá-los. Bruno disse se recordar que, “em determinado momento, conseguiu desferir um tiro na perna” de Renato, mas, mesmo assim, ele teria conseguido tomar sua arma. O terceiro sargento alegou que, durante toda a ação, Renato Couto gritava “Polícia! Polícia”, sem precisar se queria se identificar ou pedir ajuda.

Por esse motivo, Bruno Santos de Lima relatou ter efetuado mais um disparo na altura da barriga do perito, tendo sua resistência então diminuído. “Em transtorno em razão dos acontecimentos e da comoção que se formava em volta”, o militar disse ter tentado começar a colocar a vítima na viatura, tendo sido auxiliado por Daris, e deixado o local.

Na 18ª DP, Bruno informou não se recordar se ele e os demais militares cogitaram levar Renato a um hospital. Perguntado sobre a arma do perito papiloscopista, informa que a colocou em seu bolso e, sem notar se havia o brasão da Polícia Civil no ferrolho, a arremessou no Rio Guandu junto com o corpo da vítima. Em seguida, eles retornaram para a base do 1º Distrito Naval, na Praça Mauá, e o terceiro sargento relatou ter terminado seu serviço “em horário normal”.

A família destacou que Renato fez vários registros de ocorrência contra Lourival. Eles contam que, quando foi morto, o perito tinha no bolso da calça uma nota fiscal do material roubado.

— A gente quer justiça e que eles sejam punidos severamente. Nada justifica o que fizeram. Está tudo em vídeo. Meu irmão já tinha ido lá várias vezes. Eles armaram para o matar. Ele foi morto com a nota fiscal no bolso. O meu irmão só procurou o que era dele. Ele só foi rever o que estava lá. Meu irmão foi agredido. Eles eram um ferro-velho ilegal. A última vez que estive com o meu irmão foi no Dia das Mães e disse que estava cheio de dívidas por conta daquilo. Só quem é trabalhador sabe como está tudo caro. E meu irmão montou a loja para ter uma segunda renda e fazer a casa para a minha mãe — disse a fisioterapeuta Débora Couto de Mendonça, de 38 anos, uma das irmãs de Renato.

O policial era o mais velho de cinco irmãos. Ele deixa duas filhas, uma de 4 anos e outra de oito.

— Ele tinha diversos boletins de ocorrência dos roubos. O que mais me choca é que são militares em favor da população, de serviço, sair do local e fazer isso. A certeza da impunidade, fazer o que fizeram a luz do dia em uma praça, onde muitas pessoas passam. Eles tinham a certeza da impunidade. Eles não são militares de boa índole. Uma pessoa desesperada briga, dá um tiro e vai embora. Eles premeditaram tudo, em um dia de serviço — completou a irmã da vítima.

Fonte: https://extra.globo.com