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As feridas de MAIO: O que não aprendemos

ARTUR RODRIGUES, ROGÉRIO PAGNAN E AVENER PRADO
DE SÃO PAULO

Nos primeiros pronunciamentos públicos logo após os ataques de maio de 2006, sobraram promessas de autoridades por respostas duras contra o crime organizado. Os responsáveis pelas mortes de policiais e pelo terror provocado na população teriam, segundo as palavras oficiais, um tratamento rigoroso.

Mas as promessas, de endurecimento de leis e de novas políticas públicas, ficaram perdidas no tempo. Desde então, os criminosos ligados ao PCC não sofreram tantas represálias quanto se previa. Em alguns casos, parece que as autoridades foram até mais complacentes com a cúpula da facção.

Mostra disso aparece em levantamento feito pela Folha. Ele revela que ao menos seis protagonistas dos ataques de 2006 foram tratados com benevolência pelas autoridades. Após conseguirem o direito a saídas temporárias no regime semiaberto, como se fossem presos de baixa periculosidade e sem falhas disciplinares graves, não voltaram mais à prisão ou foram detidos cometendo novos crimes.

Um desses presos é Eduardo Lapa dos Santos, codinome Lapa, descrito como “braço direito de Marcola”. Lapa foi um dos três criminosos levados em maio de 2006 ao Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), da Polícia Civil, na tentativa do governo de debelar os ataques. Naquele dia, também estiveram no departamento Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, chefe máximo do PCC, e Júlio Cesar Guedes de Moraes, o Julinho Carambola, considerado número dois. Na ocasião, Lapa jurou de morte vários policiais civis.

Em janeiro de 2009, durante o governo do tucano José Serra, surgiu a notícia da possibilidade de concessão de regime semiaberto a Lapa. Os diretores dos presídios da região oeste enviaram ofício ao então secretário da Administração Penitenciária de São Paulo, Antônio Ferreira Pinto. Nele, eles alertavam sobre “grandes apreensões” com a possível remoção do preso para uma unidade do regime semiaberto.

A despeito de eventuais ações do secretário para evitar essa transferência, Lapa foi para o semiaberto, de onde fugiu na primeira oportunidade. Ele deixou a prisão no final de 2009, na “saidinha” de final de ano, e não voltou. Foi detido pela polícia em janeiro de 2010 em Limeira (interior de São Paulo) e levado de volta à prisão sob um forte esquema de segurança.

Mesmo não tendo sido um preso exemplar, Lapa foi posto em liberdade em 2014, após receber uma série de benefícios que diminuíram o tempo de sua pena. Ele foi preso novamente no final do ano passado, articulando “atentados contra funcionários de presídios ou resgate de presos”, segundo nota do governo paulista que comemorava a prisão.

O resumo do prontuário de Lapa e de outros presos, documento que mostra o comportamento na prisão, chegou aos juízes preenchido de forma incompleta.

Também ganharam o direito de ir ao semiaberto os presos Valdeci Alves dos Santos, o Colorido, José Carlos Genu, o Genu, Eric Oliveira Farias, o Eric Gordão, Marcos Paulo Nunes da Silva, o Baiano Vietnã, e Fabiano Alves de Sousa, o Paca. Dois desses criminosos estão foragidos –Colorido e Paca. O primeiro nunca foi recapturado após fugir durante saída temporária em 2014, enquanto Paca foi liberado após ter diminuição de pena e hoje é suspeito de comandar os negócios do PCC no exterior.

Paca é o único membro da chamada “sintonia final geral” fora das prisões, reportando-se diretamente a Marcola, hoje preso na penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no interior do Estado. Mesmo tendo sido encaminhado ao RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) várias vezes devido a problemas disciplinares, Paca foi colocado no semiaberto no final de 2010 e, meses depois, fugiu. Foi recapturado em 2011.

Após sair da prisão novamente, voltou ao crime, segundo investigações da Polícia Federal. Seu último paradeiro conhecido era a cidade de Pedro Juan Caballero, no Paraguai.

Para conseguir progredir ao regime semiaberto, por exemplo, a estudante Suzane von Richthofen –condenada a 39 anos pela morte dos pais– brigou na Justiça por quase seis anos (entre 2009 a 2015). Considerada uma presa de comportamento exemplar, ela foi submetida a vários exames criminológicos e recursos da Promotoria e, só neste ano, na Páscoa, conseguiu permissão para sair da prisão. Suzane voltou na data marcada.

A Promotoria também cobrou que Eric Gordão tivesse seu perfil analisado, sem sucesso. Condenado por latrocínio (assalto seguido de morte) a 22 anos e seis meses no ano 2000 e com faltas graves na prisão, ele não passou pelos testes e foi mandado ao semiaberto em julho de 2010. Antes do fim do ano foi preso cometendo outro crime.

A SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) afirma que a ela “compete informar às autoridades sobre a conduta do presidiário durante o período de internação e os eventuais riscos à sociedade que sua soltura representará”. Segundo a pasta, as medidas foram tomadas em relação aos seis detentos.

Designado pelo Tribunal de Justiça para dar entrevista sobre o assunto, o juiz Paulo Sorci, da 5ª Vara de Execuções Criminais, afirmou não ter visto anormalidades nos casos citados pela reportagem e que a lei foi seguida pelos magistrados.

“A legislação brasileira é que é a mais benéfica do mundo”, afirmou. “Falta maior rigidez para os casos mais graves”.

O juiz afirma que, a despeito dos ataques do PCC em 2006, a lei continua tratando os criminosos do PCC da mesma maneira que os demais. Para ele, por exemplo, presos reincidentes deveriam ser tratados de maneira diferente pela lei, sendo mantidos em regime fechado, sem semiaberto ou diminuição da pena.

Pagamento

Parte dos nomes desses presos que conseguiram fugir do regime semiaberto foi obtida pela reportagem da Folha em depoimento sigiloso de um ex-integrante da cúpula do PCC, dado ao Ministério Público em 2013. O depoimento do preso diz que, com exceção de Paca, esses membros da facção conseguiram a benesse graças ao pagamento de R$ 50 mil cada um.

O depoimento faz parte da denúncia apresentada pelo Ministério Público contra 175 suspeitos de integrarem a facção criminosa. Não há registro de que essa acusação tenha sido apurada.

A denúncia feita pela Promotoria em 2013 baseou-se em investigação que durou cerca de três anos e meio. Pelas provas reunidas, os criminosos do PCC praticamente fizeram das instalações do presídio de Presidente Venceslau (a 611 km a oeste de São Paulo) a matriz da facção, de onde eram organizadas dezenas de ações criminosas fora da prisão.

Foram identificados 36 integrantes da facção em presídios de segurança máxima. Segundo a Promotoria, “não obstante, coordenavam os atos da organização criminosa através de ordens aos integrantes em liberdade, transmitidas por meio de telefones celulares ilicitamente inseridos nos estabelecimentos prisionais”.

Em Presidente Venceslau, os principais chefes da facção estão concentrados na penitenciária 2. Ali, Marcola, sempre com um comportamento discreto e sem faltas disciplinares, é tratado como um ídolo da massa carcerária.

Ao todo a penitenciária 2 tem 836 detentos para uma capacidade de 1.280 pessoas. Um privilégio em comparação ao restante do sistema penitenciário estadual, onde há 228.880 presos para 135.074 vagas, superlotação de 70% –em 2006, havia 95.645 vagas para 124.446 presos, 30% acima da capacidade.

Desde junho de 2006, foram criadas 29.168 vagas com a inauguração de 26 unidades e ampliação das já existentes, diz a SAP. Mais 19 presídios estão em construção. O governo teria de construir uma nova unidade por mês, com capacidade para 800 detentos, para atender à demanda atual.

O aumento sucessivo de pessoas presas só fortalece o comando da facção, que passa a influenciar criminosos que passam pelo sistema prisional, dizem especialistas. Quando voltam às ruas, muitas dessas pessoas já saem “batizadas” pela facção.

Velhos problemas

Uma CPI criada na Assembleia Legislativa de São Paulo em 1996, dez anos antes dos ataques do PCC, já elencava as principais causas das rebeliões no Estado, situação que persiste ainda hoje: além das superlotações, a investigação parlamentar apontou motivos como atraso ou desconsideração nos pedidos de transferência, falta de assistência médica e jurídica, agressões, tentativas de fuga, perseguição e má qualidade da alimentação.

Na época dos ataques de 2006, o governo de São Paulo, parte de uma força-tarefa formada também por autoridades do governo federal, prometeu adotar uma série de medidas para enfrentar o crime organizado, como instalar bloqueadores de celulares nos presídios, banir o celular das unidades e punir presos flagrados com aparelhos, que seriam transferidos para o RDD, um regime mais severo de prisão.

Hoje, a maioria da cúpula do PCC, incluindo Marcola, está fora do RDD –onde há 49 detentos para 160 vagas. E só 23 das 164 unidades prisionais têm bloqueadores de celular –cuja eficácia é questionada, diante do fato de criminosos continuarem comandando o tráfico de dentro das unidades.

Celulares são objetos comuns do lado de dentro das prisões. O governo apreende um telefone móvel a cada 36 minutos. No feirão da cadeia, um aparelho pode custar entre R$ 5.000 e R$ 20 mil. Se tiverem dinheiro para pagar, os presos conseguem qualquer tipo encomenda ou benefício, de drogas variadas a autorização para a entrada de prostitutas como visita íntima.

A alimentação trazida pelos familiares continua fundamental diante da péssima qualidade da comida fornecida na prisão. A Folha obteve fotos que mostram que até pregos já foram encontrados nas marmitas. Os contratos de alimentação, que somam R$ 200 milhões por ano, são investigados por suspeita de superfaturamento.

Nas ruas

Dez anos depois dos ataques, o investimento na estrutura para que a Polícia Civil investigue a facção continua deixando a desejar, aponta o delegado aposentado Marco Antonio Desgualdo, chefe da Polícia Civil na época dos ataques de 2006. Segundo ele, na ocasião já se sentia falta da infraestrutura para investigar a facção, as mortes causadas por ela e também por grupos de extermínio.

“O Estado sempre está um pouco atrás, isso a gente sentiu. Você tem um número de casos estrondoso e não tem infraestrutura para dar apoio à investigação”, afirma Desgualdo.

Entre as deficiências da polícia, chama atenção dele a questão da inteligência, com objetivo de estrangular financeiramente o crime organizado, bloqueando contas e bens com origem ilegal. Desgualdo também aponta a falta de interligação na atuação entre as polícias estaduais.

Hoje procurador, Marcio Sérgio Christino investiga a facção desde antes dos ataques de 2006. Para ele, o PCC adotou um perfil mais discreto hoje com objetivo de maximizar os lucros.

“Da mesma maneira que há hoje uma tolerância maior com relação ao tráfico, há uma tolerância maior com relação à atividade criminosa dessa organização. Ela se sustenta e se mantém com isso”, afirma. “Com esse novo perfil, também não é interessante para ela promover atentados e mortes, porque essa espetacularização do crime faz com que haja uma exigência de uma ação de Estado mais impositiva”.

Há quem trate a atual situação como um acordo tácito entre o crime e poder público.

“Para quem não quer pensar num acordo, tem que pensar evidentemente na incompetência de um governo, porque efetivamente nada [do que foi prometido em 2006] foi para a frente”, afirmou diz Walter Maierovitch, ex-secretário nacional Antidrogas do governo FHC e presidente do Instituto Giovanni Falcone, que estuda o crime organizado.

“O PCC submergiu para se espalhar, para jogar seus tentáculos. Basta ver nesse acordo, até hoje negado, que se deixou a periferia e o interior para o PCC fazer o que toda organização potente faz, que é ter o controle territorial e social, impondo à população daquele território as suas leis, as suas ordens e seu ambíguo código de ética”, acrescenta.

Do lado de fora das prisões, enquanto o PCC espalha a lei do silêncio pelos bairros periféricos, grupos de extermínio continuam a matar nos mesmos moldes de maio de 2006. O assassinato do cabo Adenilson Pereira de Oliveira, 42, em agosto do ano passado, foi seguido do contra-ataque que resultou na morte de ao menos 23 pessoas em Osasco e Barueri (Grande São Paulo). Em dezembro, o Ministério Público Estadual denunciou três PMs e um guarda-civil pelos crimes.

“O que se percebe é sempre essa tentativa de enganar a população, no sentido de mostrar um clima de tranquilidade que não é verdadeiro. Difundiu-se o medo, e quando as pessoas sentem medo, não existe segurança pública”, finaliza Maierovitch.

Textos: Artur Rodrigues e Rogério Pagnan / Fotos: Avener Prado / Vídeos: Avener Prado, Douglas Lambert, Felix Lima e Giovanni Bello / Edição: Angela Pinho e Beatriz Izumino / Infografia: Fabiana Martins / Design e desenvolvimento: Pilker

FONTE: http://arte.folha.uol.com.br/

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