O consenso entre Ministério da Fazenda e legisladores em torno da emenda constitucional que deve ampliar a isenção tributária de igrejas e templos de todas as religiões, prevista para ser votada em dois turnos no plenário da Câmara na próxima semana, é visto como um aceno do governo a bancadas religiosas no Congresso. Para especialistas ouvidos pela DW, pode ainda ser considerado uma demonstração de força desses grupos no parlamento brasileiro.
Nesta terça-feira (193), líderes do governo se reuniram com evangélicos para fechar o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/23, que ficou conhecida com PEC das igrejas. A proposta aumenta o número de itens que podem ser adquiridos por entidades religiosas sem pagamento de impostos, e foi justificado pelos serviços prestados por estas instituições.
Na prática, a PEC proíbe a cobrança de tributos sobre bens ou serviços necessários à formação do patrimônio, à geração de renda e à prestação de serviços de todas as religiões. Como resultado, materiais de construção utilizados em imóveis das entidades e equipamentos de som poderão ser isentos de tributos, por exemplo. A estimativa é de que a medida represente uma renúncia fiscal de até R$ 1 bilhão por ano.
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Em 2023, estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revelou um grande crescimento dos estabelecimentos religiosos no Brasil neste século, especialmente evangélicos. Em 1998, o número total no país era de 48.927, enquanto este valor chegou a 124.529 instituições em 2021. Entre os estabelecimentos existentes em 2021, 52% eram evangélicos pentecostais ou neopentecostais, seguidos por 19% evangélicos tradicionais e 11% de católicos.
Desvios de finalidade - e o PCC
Com a medida, vieram também as críticas de que as renúncias pudessem ser utilizadas com outras finalidades. "Quanto mais isenções existem, é mais difícil controlar o que realmente é receita para atividade religiosa ou não", avalia Gontijo. A medida abre espaço para o uso das igrejas para importações e também a contratação de serviços, sem que necessariamente haja uma fiscalização efetiva para que as atividades fins das entidades estejam sendo exercidas.
Na interpretação da tributarista, com a aprovação do projeto, pode ainda haver abertura para que haja uma formação de patrimônio com isenção do pagamento de impostos sem que necessariamente haja a aplicação para a finalidade social para a qual a entidade foi criada.
Um tema que preocupa autoridades é o uso das entidades religiosas para a lavagem de dinheiro. "É muito difícil conter a lavagem de dinheiro se não há controle da origem das receitas. As ampliações recentes abrem as igrejas para mais atividades, o que pode incluir ações ilegais", destaca Gontijo. A advogada lembra a possibilidade de doações que podem ter origem em dinheiro ilícito, mas o que não é fácil de fiscalizar uma vez que se torna receita das instituições.
Em 2023, o Ministério Público de Minas Gerais deflagrou a Operação Mamon, que identificou uma rede de lavagem de capitais ilícitos oriundos de várias modalidades criminosas com a utilização de empresas fantasmas, dentre elas uma rádio e uma igreja evangélica. Conforme as investigações, a rede movimentou mais de R$ 6 bilhões.
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Também no ano passado, o Ministério Público do Rio Grande do Norte apontou que um integrante do alto escalão do PCC (Primeiro Comando da Capital) abriu sete igrejas visando lavagem de dinheiro.
"Não é nenhuma jabuticaba"
Gontijo lembra que as isenções existem em todo o mundo, e que os regimes na América Latina são bem semelhantes ao brasileiro. "O que se aplica aqui não é nenhuma jabuticaba", afirma.
A avaliação vale tanto para as renúncias fiscais quanto para os desvios de finalidade. Em 2020, uma investigação jornalística transnacional nas Américas chamada Paraísos de dinheiro e fé encontrou irregularidades em nove países, sendo que todos isentam entidades religiosas de impostos.
Em alguns casos na região, há apoios além da isenção tributária. Argentina e Peru são dois exemplos de transferências diretas à Igreja Católica. No primeiro caso, uma lei aprovada em 1983 determinou que o governo apoiasse o clero diocesano.
Como resultado, bispos recebiam do Estado o equivalente a 80% da remuneração de um juiz nacional de primeira instância - os bispos auxiliares e o secretário-geral do Episcopado, 70%. A medida esteve em vigor até o começo de 2024. O caso peruano é semelhante, ainda que em menor número de clérigos, o que foi alvo de críticas nos últimos anos devido a uma possível discriminação de outras crenças.