WhatsApp Image 2021 12 08 at 13.52.38

Disputa pelo negócio bilionário do jogo do bicho e dos caça-níqueis no Rio deixou 48 mortos em 10 anos

Ela está pelas esquinas, nos bares. Nos fundos dos botecos, debaixo das marquises, grudada nos postes. Deixa sua marca pelas ruas, nos cemitérios. Nos últimos dez anos, a guerra nem sempre silenciosa pelo controle de áreas de jogo do bicho, caça-níqueis e bingos clandestinos deixou pelo menos 48 mortos (que a polícia conseguiu comprovar) na cidade do Rio. Uma guerra alimentada por dinheiro: o mercado da contravenção movimenta R$ 1,5 bilhão por ano e emprega cerca de 35 mil pessoas. Apenas este ano, sete homicídios são investigados como tendo ligação com a disputa pelo controle de territórios entre quadrilhas rivais.

Para explicar como a cidade é dividida entre as famílias, o EXTRA produziu um mapa com base em documentos disponibilizados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público estadual, e pelo Ministério Público Federal (MPF). Os relatórios, produzidos pelos setores de inteligência das polícias Civil e Militar, deram origem a pelo menos 12 investigações sobre os grupos que exploram jogos ilegais na cidade.

Ao longo do último mês, com o objetivo de montar uma radiografia do jogo ilegal no Rio, o EXTRA ouviu promotores, procuradores da República, policiais civis, militares e federais, e consultou documentos sigilosos de inquéritos policiais e processos judiciais. O material deu origem à série de reportagens “A guerra do jogo”, que começa a ser publicada hoje.

No mapa, o Rio é dividido em 11 áreas — cada uma dominada por uma quadrilha diferente. Todos os chefes dos grupos citados aqui são investigados, réus em processos ou já foram condenados por chefiarem as organizações criminosas. Três das regiões são espólios criminosos de bicheiros já mortos: atualmente, são exploradas por outros membros da família.

A disputa por uma das áreas retratadas no mapa, a Praça Seca, em Jacarepaguá, na Zona Oeste, está no centro das investigações de três assassinatos entre março e outubro deste ano. O ex-tenente da PM João André Ferreira Martins, o sargento reformado Geraldo Antônio Pereira e o subtenente e presidente da Portela Marcos Falcon foram executados por assassinos que agiram da mesma forma: chegaram encapuzados, surpreenderam as vítimas e fizeram vários disparos de fuzil. Uma das linhas de investigação da Divisão de Homicídios (DH), onde os três inquéritos correm sob sigilo, procura desvendar o quebra-cabeça de conexões entre as vítimas e os contraventores que arrendam a área.

— Esses crimes são complexos porque nem sempre os executores têm ligação com os mandantes, mas, em alguns casos, já está comprovado o envolvimento da vítima com a exploração de caça-níqueis — afirma o delegado Brenno Carnevalle, da DH.

mapaquadrilhas

‘Arrendamentos provocaram guerra’, diz procurador

A atual disputa pela exploração de pontos do jogo ilegal tem relação direta com o envelhecimento — e a consequente saída de cena — dos grandes capos do jogo do bicho. Para o procurador da República Marcelo Freire, que assina as denúncias que culminaram na Operação Furacão (que levou à prisão, em 2007, dos contraventores Aniz Abrahão David, o Anísio; Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães; e Antônio Petrus Kalil, o Turcão), as novas guerras estão sendo travadas entre arrendatários das áreas de jogo, vários deles policiais e ex-policiais.

— No início dos anos 2000, os capos disputavam entre si o controle de suas áreas. Com o envelhecimento dos chefes, as regiões dominadas por eles passaram a ser arrendadas. Hoje, as áreas de cada um dos capos estão loteadas entre vários arrendatários. As guerras, atualmente, têm esses novos personagens como protagonistas — explica Freire.

Um relatório de inteligência utilizado por promotores do Gaeco explica como funcionam os arrendamentos: os chefões, quando não exploram eles mesmos os territórios, “criam uma chancela para autorizar a exploração na sua área de controle, ganhando um percentual do lucro obtido com as máquinas caça-níqueis ou um valor anteriormente fixado”.

As investigações que culminaram na operação Black Ops, da PF, em 2011, flagraram a prática na quadrilha de José Caruzzo Escafura, o Piruinha, que dividiu a área onde explora caça-níqueis, no subúrbio do Rio, em duas. Numa delas, manda Haylton Escafura, seu filho e herdeiro. A outra, de acordo com o relatório do inquérito, foi arrendada. A descoberta foi feita a partir das interceptações telefônicas de Michel Vasconcellos Fernandes, um dos denunciados. Inicialmente, ele foi identificado como braço direito de Haylton. Depois, passa a prestar serviços para outro homem, “que arrendou áreas de exploração de máquinas”, segundo o relatório.

Assassinatos investigados

João André Ferreira Martins, 17 de março

O ex-tenente da PM foi morto num ataque de bandidos encapuzados na Rua Cambuaba, Ilha do Governador, às 18h20. Na ocasião, João foi atingido por dois disparos dentro de seu carro, um Corolla. No veículo, a perícia encontrou mil reais em dinheiro, que não foram levados pelos assassinos. O ex-PM foi um dos alvos da Operação Tempestade no Deserto — que investigou disputa pelo espólio criminoso do bicheiro Maninho, morto em 2004. João foi denunciado como um dos seguranças da filha de Maninho, Shanna Harrouche, e também foi acusado de ter sido um dos participantes do atentado contra Rogério Mesquita, em Guapimirim, amigo íntimo de Maninho — o ex-PM foi impronunciado no processo. Em 2014, por conta de seu envolvimento com a máfia dos caça-níqueis, foi expulso da PM.

Wilson Orofino de Souza, 20 de abril

Wilson era filho do bicheiro Antônio Ferreira de Souza, o Toninho Português, atuante na década de 90. Ele foi executado a tiros à luz do dia na Rua Carvalho de Mendonça, em Copacabana, quando passeava com seu cachorro. Um carro parou próximo ao local onde Wilson estava, dois homens saltaram e fizeram vários disparos.

Geraldo Antônio Pereira, 17 de maio

O sargento reformado Geraldo Pereira foi executado pela manhã, dentro de um clube, no Recreio, Zona Oeste, por três homens encapuzados e armados com fuzis. Na ocasião, ele estava acompanhado do ex-policial civil Hélio Machado da Conceição, o Helinho, que foi ferido com um tiro no ombro. Helinho foi condenado por ligação com a quadrilha de Rogério Andrade. A DH investiga se a morte foi motivada por disputas da máfias dos caça-níqueis pelo controle da área de Jacarepaguá.

O soldado, lotado no 41º BPM (Irajá), foi assassinado com vários disparos de fuzil em Guadalupe, na Zona Norte. O crime foi cometido à luz do dia, pouco após o policial ter saído de uma agência bancária. Apesar de estar com R$ 1,7 mil, os bandidos não levaram o dinheiro.

Márcio havia sido reincorporado à PM no início de 2016, após ser absolvido da acusação de ter matado o bombeiro Antônio Carlos Macedo, ex-segurança do bicheiro Rogério Andrade. Macedo foi executado enquanto pilotava uma moto na Avenida Sernambetiba, na Barra da Tijuca. Segundo a denúncia do MP apresentada à Justiça, Allevato também fazia parte da equipe de segurança do contraventor.

O subtenente, presidente da Portela e candidato a vereador Marcos Falcon foi atingido por pelo menos quatro tiros de fuzil no peito e na cabeça dentro de seu comitê eleitoral, em Oswaldo Cruz. Quatro homens encapuzados e portando fuzis foram responsáveis pela execução. A DH investiga se há uma conexão entre as mortes de Falcon e a de Geraldo Pereira.

Valdemar de Carvalho e William Lima de Souza, 14 de outubro

O PM reformado Valdemar de Carvalho e o cabo reformado do Exército William Souza foram vítimas de um ataque de homens encapuzados, em Realengo. Os autores do homicídio desembarcaram de um carro prateado armados com fuzis e dispararam contra os dois. O carro do PM, um Vectra, foi levado pelos bandidos e encontrado batido e carbonizado num poste na esquina das ruas da Usina com José Vilela. A DH recebeu a informação de que ambos trabalhavam como seguranças do bicheiro Piruinha.

O outro lado

Na última sexta-feira, o EXTRA tentou contato com as defesas dos citados na reportagem. O advogado de Luiz Pacheco Drummond, Ubiratan Guedes, afirmou que são “totalmente improcedentes as acusações imputadas” ao patrono da Imperatriz. Ele ainda alegou que a operação Dedo de Deus teve um “caráter político”.

O advogado de Rogério Andrade foi contactado, mas não atendeu as ligações. Em 2015, em entrevista ao EXTRA, Andrade negou qualquer ligação com a contravenção: “Tenho várias empresas: estaleiro, fazendas de café, imobiliária, mexo com festas. Vivo uma vida empresarial”, disse, à época. As demais defesas não foram encontradas.

Leia mais:http://extra.globo.com/casos-de-policia/disputa-pelo-negocio-bilionario-do-jogo-do-bicho-dos-caca-niqueis-no-rio-deixou-48-mortos-em-10-anos-20417129.html#ixzz4PSsDGRaU

Comentar

vetenuo

bannerdisponivel

bannerdisponivel

bannerdisponivel

bannerdisponivel

Impakto nas Redes Sociais

                                  Saiba os benefícios de usar o LinkedIn para a sua vida profissional - IFS -  Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe 

blogimpakto  acervo       jornalismoinvestigativo      Capa do livro: Prova e o Ônus da Prova - No Direito Processual Constitucional Civil, no Direito do Consumidor, na Responsabilidade Médica, no Direito Empresarial e Direitos Reflexos, com apoio da Análise Econômica do Direito (AED) - 3ª Edição - Revista, Atualizada e Ampliada, João Carlos Adalberto Zolandeck   observadh

procurados

Desenvolvido por: ClauBarros Web