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Maternidade no cárcere: presas relatam a dor de viver longe dos filhos e à espera da liberdade

Três mulheres, dois regimes de pena, um domingo. O Dia das Mães de detentas na Penitenciária da Capital, na Zona Norte de São Paulo, e de quem recebeu o direito à saída temporária no Centro de Progressão Penitenciária de São Miguel Paulista, na Zona Leste.

 matcarcSuzana Luana, de 25 anos, passará o Dia das Mães somente com uma das cinco filhas em seu colo. Neste domingo (14), Agatha, a caçula da jovem, completará uma semana de vida. Aline Passos, de 23 anos, também enfrentará a data acompanhada de apenas um dos seus três meninos, o mais novo, Cauã Miguel, de três meses.
À espera do julgamento, elas são duas das 38 mulheres presas no pavilhão materno-infantil da Penitenciária Feminina da Capital, na Zona Norte de São Paulo. A unidade comporta, em celas individuais e coletivas, detentas gestantes de risco e após o parto até, no mínimo, os seis meses de vida da criança - conforme previsto em lei.
Do outro lado da cidade, cumprindo pena já em regime semiaberto, Jane Cleide, aos 40 anos, pretende reencontrar os filhos no primeiro Dia das Mães fora das grades, após mais de dois anos de reclusão. Detida no Centro de Progressão Penitenciária Feminino de São Miguel Paulista, na Zona Leste, ela recebeu o direito à saída temporária.
Independente do lugar onde atualmente estejam, condenadas ou à espera de julgamento, em comum, as três mulheres têm, além da passagem pelo superpopuloso Centro de Detenção Provisória Feminino (CDP) de Franco da Rocha, a maternidade abalada pelo cárcere e o sonho de retomar a vida longe da prisão e ao lado dos filhos.
Conheça as histórias de Suzana Luana, Aline Passos e Jane Cleide, mães e presidiárias entrevistadas pelo G1.
Suzana Luana, 25 anos, cinco filhas - aguardando julgamento
Suzana Luana chegou na unidade materno-infantil da Penitenciária Feminina da capital paulista em novembro de 2016. Desde a gestação, divide uma cela com outras presas, grávidas ou com bebês recém-nascidos.
Planejava entregar a caçula aos cuidados do marido, logo após o nascimento da menina. Mudou de ideia no primeiro encontro com a bebê fora da barriga. “Esse parto foi o que mais mexeu comigo. Porque eu não vejo minha filha presa. Só que quando ela nasceu, eu olhei para o rostinho dela e falei: 'eu não tenho coragem' [de ficar sem ela]”, revela.
Distante das outras quatro filhas há um ano e três meses, Luana, como prefere de ser chamada, engravidou durante as visitas do marido quando estava presa no Centro de Detenção Provisória Feminino (CDP) de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo.
Detenta presa divide cela com outras presas, grávidas e bebês recém-nascidos
Da gestação no cárcere, recorda os desejos não saciados, a dificuldade do atendimento médico e o preconceito no interior das unidades de saúde por onde passou.
“A gente sentir dor, ter que ir para o hospital, todo mundo te olha como se você fosse um bicho. Último hospital que eu fui eu entrei dentro do hospital, e uma senhora puxou a bolsa como se [pensasse] ‘ela vai me roubar’. E eu algemada. É humilhante, é revoltante. Eu nunca passei por isso e não quero passar de novo”, revela.
Natural de Paulo Afonso, na Bahia, Luana foi criada apenas pela mãe, que migrou com os filhos para a capital paulista em busca de trabalho e melhores condições de vida.
Morava em Diadema e trabalhava em um posto de gasolina distante de sua casa quando foi presa junto com outras quatro pessoas, suspeitas de envolvimento em um homicídio.
“Eu vim parar aqui através de uma carona que eu peguei. Trabalhava em um posto de gasolina, fechei meu horário das 23 horas, pedi uma carona para uma companheira que morava ao lado da minha casa, que estava no carro com mais dois rapazes. Pedi para eles me esperarem cinco minutos para me dar uma carona. Dobrando a esquina eles abordaram uma mulher. Ela toda sorridente, eles conversaram, ela entrou para dentro do carro. Eu perguntei para ela: senhora, para onde a senhora vai? O rapaz simplesmente olhou para minha cara, me tratou mal e falou que ela era uma rata de quebrada e ia morrer. E aí eles fizeram um homicídio com ela. Eu assistindo, por ali eu fiquei”, narra.
Luana vê como injusta a sua prisão, e garante jamais ter tido participação no assassinato. Não fugiu do local temendo ser retaliada depois. “Eu não fui informada de nada. Simplesmente entrei dentro do carro e ali aconteceu aquela cena que eu não tinha para onde correr. Fiquei com medo de correr e virem falar: 'ela vai falar para qualquer pessoa, vamos pegar ela também'. Eu tive medo de correr a acabar sobrando para mim", explica. A jovem aguarda a definição do caso, que já teve dois júris cancelados.
É o segundo ano consecutivo que passará o Dia das Mães longe da família. “É revoltante, é triste. Aqui é um lugar que a gente chora e a mãe não vê. Eu sinto muita falta das minhas filhas. Todas as noites peço, oro por elas. Hoje eu perco cada sorriso, cada lágrima que ela possam dar”, descreve.
Durante o período em que está presa, segue amparada pela mãe, sua parceira e referência de vida. Recebeu visitas do marido e de duas filhas. “Elas são muito inteligentes, não tem como esconder delas que eu estou presa. Elas falam: 'mãe, por que você está presa, a polícia não vai te soltar?' É triste. Principalmente na hora de sair. Elas olham para trás e você não pode segurar na mão delas e levar.”
A rotina na penitenciária é voltada aos cuidados da filha e da cela. Televisão e leitura da bíblia são as alternativas de distração. Para ela, o melhor momento do dia é ao cair da noite. “É a hora do meu sono, é a hora que eu saio daqui e esqueço que estou presa. Eu nunca sonhei eu presa, eu sonho todas as vezes na rua. Com minha casa, minhas filhas. Eu não me vejo presa. E talvez isso não tenha entrado na minha mente ainda.”
Mesmo sofrendo com o dia em que terá de entregar a filha aos cuidados do marido, e privar a menina do aleitamento materno, acredita que o melhor para Agatha é a vida longe do cárcere.
"Eu não acho justo ela presa comigo. A respiração que a gente tem aqui não é a mesma da rua. Eu não aceito pendurar a roupa da minha filha numa grade, eu não aceito. Não aceito ela acordar e ver essa grade. Eu vejo isso, só que eu sei que vou sentir muito."
Aline Caroline Passos, 23 anos, três filhos - aguardando julgamento 
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Eu sinto que estou perdendo a cada dia que passa meus filhos”, revela Aline Caroline Passos, de 23 anos. Detida grávida, a afirmação é dita pela jovem enquanto embala o caçula, Cauã Miguel, há três meses seu companheiro de cela no pavilhão materno-infantil da Penitenciária Feminina da Capital.
Ré confessa, ela foi presa pelo assassinato do estuprador de sua irmã, em setembro de 2016. A parente vítima da violência sexual e a mãe de Aline também participaram do crime e estão no Centro de Detenção Provisória de Franco da Rocha, aguardando julgamento.
“Isso acabou acarretando uma coisa tão ruim dentro do coração, que fomos em busca de dar uma lição nele. E ao contrário, deu errado. Ele tinha uma arma, e acabou falecendo com a própria arma. Teve luta dentro do carro”, recorda.
Aguardando julgamento, presa teme pelo futuro do filho de três meses
O pai do menino, segundo Aline, não tem condições de assumir os cuidados do filho. Na ausência de parentes próximos ou pessoas de confiança, ela se apega na esperança e no desejo de deixar o cárcere com Cauã nos braços. Mas diz temer diariamente pelo futuro da criança.
“Todo o dia eu choro pensando em entregar meu filho, principalmente porque não tenho para quem entregar. O pai dele não pode ficar. Eu peço muito para Deus para sair com meu filho, nem que for numa prisão domiciliar. Para não ver meu filho se perder. Porque meu medo é a Justiça entregar ele para adoção. Já ouvi muito falar isso aqui dentro, não sei se é verdade. Mas eu tenho muito medo de perder.”
Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), afirma que a ida para o abrigo é a última opção, sendo realizado somente quando são esgotadas todas as possibilidades de acolhimento por parte de algum tutor responsável.
"Nesse caso, a criança fica sob responsabilidade da Justiça, contudo procura-se ao máximo possível manter o vínculo familiar. No caso das reeducandas da Penitenciária Feminina da Capital, por exemplo, quando isso acontece o filho abrigado é levado até a mãe periodicamente para visitá-la."
Sem sentença definida, Aline recorre a fé enquanto espera. Em promessa, ofereceu os longos fios pretos em troca da liberdade. “Vou doar meu cabelo para o Hospital do Câncer pela segunda vez. Da primeira vez meu cabelo estava nos pés. Eu estava com um probleminha de saúde, Deus me curou e eu doei. Falei para Deus: 'se o senhor me der minha liberdade eu vou dar meu cabelo todinho para uma criança'.”
Aline é mãe de outros dois meninos, filhos de seu ex-marido. As crianças estão sob os cuidados do pai, de quem ela se separou após ser vítima de violência doméstica. “É desesperador, porque eu sei que o pai dos meus filhos é muito agressor. Eu tenho medida protetiva falando que ele não pode ficar [com as crianças]. Mas a Justiça não faz nada", afirma.
Sem visitas, cartas ou notícias desde que foi presa, ela sonha, também, com o dia do reencontro. “Eu sinto tanta falta, eu queria tanto receber um abraço dos meus filhos, nem que fosse da grade para lá. Eu sinto tanta vontade de ver eles.”
Este domingo será o primeiro Dia das Mães longe da família. “Eu poderia estar com meus filhos, dar um abraço na minha mãe. Para mim não vai ser nada comemorativo. Qualquer data comemorativa. Não tem festa.”
Jane Cleide, 40 anos, seis filhos - condenada a seis anos de prisão 
No dia 27 de maio, Jane Cleide completará 41 anos. Há dois anos e três meses presa, ela sonha em celebrar participando da festa da filha caçula, com quem divide a data de nascimento - e definitivamente longe das grades da Penitenciária de São Miguel Paulista, na Zona Leste, onde cumpre pena em regime semiaberto desde outubro de 2016.
“Eu me vejo no aniversário de minha filha, porque eu tenho certeza que o juiz vai me dar esse perdão. Eu não quero sair daqui devendo, assinando uma carteirinha. Eu quero sair com perdão mesmo, meu nome limpo. Para eu ter mais oportunidade de mostrar para a Justiça que eu sou capaz, que eu tenho capacidade de estar do lado dos meus filhos. Só isso que eu quero", afirma.
Dos quase quatro anos de Yasmin, mais da metade foi vivido apartado da mãe. Na primeira saída temporária a qual teve direito, em abril deste ano, durante o feriado de Páscoa, Jane conseguiu localizar a amiga com quem a filha foi deixada e foi ao encontro da criança.
Mãe de seis filhos, detenta cumpre pena em regime semiaberto desde outubro de 2016
“Eu encontrei uma filha de três anos – vai fazer quatro agora. Dia 27 de maio eu faço 41 e ela faz quatro – chamando meu amigo de pai e minha amiga de mãe. Quando eu cheguei, eu sentei no sofá e ele fez uma surpresa: trouxe ela. No segundo dia, que ela estava dormindo comigo, ela olhou no fundo dos meus olhos e foi o que mais me marcou. Aí ela passou a mão no meu rosto, olhou pra mim e disse: ‘Você é minha mamãe’. Eu falei: ‘Eu sou sua mamãe’.”
Jane tem seis filhos. Os dois primeiros de um relacionamento quando ainda morava em Juazeiro, na Bahia. Aos 19 anos, Migrou para São Paulo ao lado do ex-marido, com quem viveu 14 anos e teve outros três filhos. Três anos após a separação, teve um rápido relacionamento e engravidou.
Em 2013, com Yasmin na barriga, sem conseguir emprego e com outros três filhos para criar – os dois mais velhos já estavam casados –, Jane começou a armazenar droga em sua casa para o tráfico da região onde morava, em Guarulhos, na Zona Norte. Garante nunca ter sido usuária tampouco comercializado droga.
“Se eu falar para você que eu bati em muitas portas de trabalho? Muitas portas. Eu não sei bem falar para você no momento o que é justo, porque na minha mente em penso que a gente tem que pagar o que a gente deve e sair de cabeça erguida.”
O dinheiro que ganhava garantia comida e sustento da prole. Dois anos depois, em uma ação policial no bairro, teve sua casa vasculhada e acabou presa.
Passou a maior parte do tempo no Centro de Detenção Provisória de Franco da Rocha, onde chegou a dividir a cela com mais de 50 mulheres – dentre elas, Jéssica Mayara, uma de suas filhas.
“Foi quando minha filha chegou e me encontrou nessa situação. Minha filha se assustou: 'a cadeia é isso, mãe?' Ela chegou bem no tempo do sofrimento que botaram 24 mulheres com mais 26 mulheres numa cela. E a gente ficou durante 8 dias nessa situação. Mas o normal é 24, 25. Chega até a 27 mulheres numa cela. São 12 camas e o resto dorme tudo valetando no chão, uma valetando com a outra”, recorda.
Segundo informações no site da Secretaria de Administração Penitenciária, o CDP tem capacidade para receber 1008 presas e está, atualmente, com 1197.
Jéssica foi a responsável pelas três únicas visitas que Jane recebeu durante todo o período. Aos 19 anos, a adolescente foi presa traficando na rua. Foi condenada a um ano e oito meses de reclusão, e deverá encontrar a mãe neste domingo, quando as duas estarão fora das grades, após receberem o direito à saída temporária.
Jane se culpa pelo que ocorreu com a filha, mas acredita que tenha sido consequência da ruptura familiar que sua prisão provocou.
“A Jane que guardava uma droga para sustentar seus filhos era uma Jane que, por mais que soubesse que estava fazendo uma coisa errada, era uma Jane que acordava assustada com medo do que um dia pudesse acontecer e feliz por saber que seus filhos estavam sustentados, seus filhos tinham um teto. A Jane que se encontra presa é uma Jane que não sabe o que aconteceu porque cada um foi para um canto, muita coisa aconteceu nesse meio tempo, perdi muita coisa.”
Para ela, deveria haver uma pena alternativa que não provocasse essa ruptura familiar. Jane já teve um indulto negado, mas espera conseguir o perdão da pena nos próximos meses.
Jane se enquadra no perfil contemplado pelo decreto de indulto para mulheres presas publicado pela presidência da república em abril deste ano. Dentre os requisitos, estão mulheres, mães e avós de crianças com até 12 anos, condenadas por crimes cometidos sem violência e que já tenham cumprido um sexto da pena.
De acordo com a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), as administrações das unidades penais femininas da Capital e da Região Metropolitana de São Paulo efetuaram levantamentos nos prontuários penitenciários, e verificaram que, em tese, há 602 presas que podem pleitear o indulto especial e 305 que podem requerer comutação de penas, com fundamento no Decreto Presidencial de 12 de abril de 2017.
A SAP ainda afirma ter providenciado a instrução dos respectivos expedientes, os quais estão sendo encaminhados para a apreciação das Autoridade Judiciárias competentes.
Fonte: G1

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