Mutirões, medidas alternativas e escolas-prisões: como melhorar o sistema prisional?

Quantidade de presos no Brasil é o dobro do número de vagas nas prisões

r1112Aumentar os mutirões carcerários e a aplicação de medidas alternativas ao encarceramento, além de criar escolas-presídios para que o jovem detento deixe a prisão em condiçõs de se estabelecer no mercado de trabalho. Essas são ações apontadas por especialistas ouvidos pelo UOL para diminuir a superlotação e melhorar o sistema prisional do país.

O mais novo Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) confirmou que os presídios brasileiros continuam superlotados, sendo que o número de vagas praticamente se manteve no mesmo patamar nos últimos anos: em junho de 2016, época em que o levantamento foi encerrado, as prisões abrigaram exatas 726.712 pessoas presas, o dobro do número de vagas existentes.

Essa realidade, além de violar os direitos humanos dos detentos, favorece também a expansão das facções criminosas que dominam parte das prisões do país. 

1) Levar em conta o "inquérito social" do preso

Tratados internacionais referendados pela ONU (Organização das Nações Unidas) para medidas de aplicação de penas, a exemplo das Regras de Tóquio, trazem o conceito de inquérito social para decidir a punição imposta a quem comete crimes.

"Por esse instrumento, a autoridade judiciária, na fase de processo e condenação, se cercaria de informações e recomendações pertinentes para fins de fixação da pena. Esse instrumento permitiria ao julgador avaliar de modo mais efetivo as condições do artigo 59 do Código Penal para a fixação da pena, tais como a conduta social e a personalidade do agente", afirma o presidente do Sindicato de Agentes Penitenciários Federais no Paraná, Carlos Augusto Machado.

"Em síntese, o inquérito social, além de garantir a adequada individualização da pena preconizada pela Constituição Federal, propiciaria também as condições para uma eficaz classificação do condenado, seja para a aplicação de alternativas penais, seja para a sua inserção no sistema penal, orientando a individualização da execução penal."

Para Machado, a aplicação dessa regra evitaria, por exemplo, que presos de menor potencial ofensivo cumprissem penas na mesma prisão de indivíduos de alta periculosidade, a exemplo dos chefes de facções criminosas. 

A legislação de execução penal fixa como critério para determinar em que presídio a pessoa vai cumprir a pena o tipo de crime que a pessoa cometeu, mas essa regra é pouca vezes colocada em prática.

"A criação da Polícia Penal, a quem caberia o inquérito social, pode refletir na implementação desse importante instrumento, que refletiria em ações mais efetivas de aplicação das alternativas penais."

2) Foco na reintegração social 

Para a ex-diretora do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) Valdirene Daufemback é preciso colocar o "foco na reintegração social, não só na segurança pública".

"Temos de pensar na responsabilização penal para além da prisão. Penas que sejas mais proporcionais aos crimes, que tenham como premissa evitar o afastamento do convívio social", afirma Daufemback, que é pesquisadora do Laboratório de Gestão de Políticas Penais da Universidade de Brasília.

Ela também defende uma "mudança radical" em relação à política de combate às drogas. De acordo com o novo Infopen, 28% das pessoas presas no Brasil foram condenadas ou aguardam julgamento por crimes relacionados ao tráfico de drogas.

"A opção pela guerra às drogas, no modelo seguido pelos Estados Unidos, é o principal vetor de aumento da população presa. É um erro focar na repressão do traficante, na figura do inimigo a ser combatido. Em torno disso se organizam pessoas com armas, cresce todo um modelo não controlado pelo Estado."

A pesquisadora continua: "Não há como garantir segurança pública sem respeito aos direitos fundamentais. Isso cria um ambiente permissivo para a ilegalidade. Para a prisão ilegal, para a tortura. Hoje se falar no direito das pessoas presas é visto como se estivesse defendendo o crime".

Outra medida que ela propõe é o estabelecimento de uma política nacional para quem deixa as prisões. "Essas pessoas ficam totalmente marginalizadas, sem vínculos. São empurrados para uma marginalidade que dificulta o retorno à sociedade. A gente não tem essa política nacional nem dados sobre reincidência."

3) Criação de escolas-presídios

Dados do novo Infopen mostram que jovens com idade entre 18 e 29 anos compõem 55% da população carcerária do país. Ainda quando se fala em perfil, a pesquisa constata que 63% dos presos são negros.

"A maioria das pessoas presas é formada por pequenos traficantes que não têm condições de arcar com os custos de um bom advogado. Não é o dono do helicóptero, não é o dono da fazenda. Aqueles que têm condições usam a infinidade de recursos que é permitida pelo nosso Código de Processo Penal para fugir da punição", aponta Flávio Werneck, vice-presidente da Federação Nacional de Policiais Federais.

"Alemanha é um exemplo. Lá há 15 recursos possíveis, mas a Corte Constitucional reduziu a quatro o número que os advogados podem usar em cada processo. Deveríamos adotar medida semelhante para reduzir esse apartheid existente nas cadeias, onde majoritariamente entram pessoas pobres", propõe.

Para detalhar outra proposta, Werneck usa outro exemplo alemão. "Entre 16 e 21 anos, se o condenado é réu primário e não cometeu um crime contra a vida ou sexual, ele é levado para um internato, uma prisão-escola, da qual vai sair com um curso profissionalizante."

O policial federal continua: "No Brasil há uma inversão de valores. Na Alemanha, se o acusado não escolhe estudar ou trabalhar, não terá direito a benefício de progressão de pena. Ninguém é obrigado a estudar ou trabalhar, mas se o condenado se recusar a exercer um ofício, não sairá da prisão até que seja cumprido o total de sua pena".

"O governo poderia interromper o financiamento dos sindicatos patronais, assim como fez com os sindicatos dos trabalhadores, e usar o dinheiro que está indo ao Sistema S para montar as escolas-presídios."

Ainda sobre trabalho nas prisões, Werneck defende a criação de indústrias próximas a unidades prisionais para estimular que presos trabalhem enquanto cumprem suas penas.

"Qual empresário não vai querer um desconto de 30% a 40% nos impostos, para montar uma indústria de sapatos, por exemplo, ao lado de presídio para detentos de menor potencial ofensivo?", questiona. "Isso é reintegrar à sociedade, o que não acontece hoje."

4) Mais mutirões e audiências de custódia

Desafogar o sistema penitenciário é fundamental. Os presídios brasileiros descumprem até o limite para superlotação carcerária estipulado pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

"É urgente adequar o sistema carcerário à lei e reforçar a estrutura do Poder Judiciário, especialmente na primeira instância, para enfrentar também a morosidade processual", afirmou, em nota, o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Claudio Lamachia, ao comentar os dados do Infopen.

"O sistema prisional não pode ser um depósito de pessoas. Sua administração deve ser feita de maneira eficiente, com recursos condizentes com a demanda. É preciso também estabelecer políticas públicas de ressocialização eficientes e permanentes."

De acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), "cerca de 400 mil processos de presos já foram analisados e mais de 80 mil benefícios concedidos, como progressão de pena, liberdade provisória e direito a trabalho externo", desde que o programa Mutirão Carcerário do órgão começou a ser implantado, em 2008.

Para o advogado e diretor adjunto da ONG Conectas Direitos Humanos, Marcos Roberto Fuchs, é preciso aumentar a realização de mutirões carcerários nos Estados. "Nós estamos fomentando verdadeiras bombas-relógios que já começaram a estourar, a exemplo dos massacres ocorridos no Amazonas e no Rio Grande do Norte", afirma Fuchs, que já foi integrante do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), órgão ligado ao Ministério da Justiça.

"Esse modelo já se revelou um fracasso. É preciso mudar. Caso contrário, teremos novos Carandirus e a violência continuará alta nas ruas".

Fonte: uol