Depoimento: mulher de preso do Complexo Médico Penal relata drama da revista vexatória

r1202No começo do ano, quinze mães e mulheres de presos do Complexo Médico Penal, em Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, mandaram para o diretor da unidade uma carta com reclamações acerca da limpeza no local de revista íntima. “O mínimo que se espera de um Complexo Médico é que o ambiente seja salubre, limpo, higiênico, principalmente nos lugares que são frequentados pelo público em geral”, diz a carta. Elas reclamam ainda a presença de ratos e o acúmulo de lixo nos pátios.

As mulheres, no entanto, não citaram a ilegalidade da revista íntima. Mesmo assim, o Conselho da Comunidade da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba apurou que o Depen já comprou um body scanner para instalar nos próximos dias na unidade, em atendimento informal à carta.

A medida irá impactar mães e mulheres de 700 presos de diversos perfis. No CMP, há duas galerias destinadas a homens que respondem a medidas de segurança por algum tipo de transtorno mental; uma galeria de policiais civis militares, agentes penitenciários e advogados (presos especiais); uma galeria para idosos e presos das operações especiais (Lava Jato, Carne Fraca, Diários Secretos, Quadro Negro); uma galeria para mulheres que respondem a medidas de segurança e grávidas; e duas galerias para detidos que precisam de tratamento médico (pós-operatório, medicamentos controlados, cadeirantes).

Para entender mais sobre o sentimento de uma mulher diante dessa situação, o Conselho da Comunidade convidou uma visitante do CMP para relatar, sob condição de anonimato, situações vividas durante as revistas. O relato é uma amostra histórica do tratamento destinado a mães e mulheres de presos em todo o país.

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Até quando?

O comentário de um jornalista sobre a ausência de scanner para revistas corporais nas unidades penitenciárias brasileiras reacende as discussões sobre esse assunto, há tanto relegado a último plano. [Alexandre Garcia, no Bom Dia Brasil]

Há algum tempo frequento a unidade penitenciária como visitante e semanalmente passo pelas humilhantes revistas íntimas. É inevitável questionar: por quê?

Em que pese a existência de lei que determina a utilização de equipamentos eletrônicos para inspeção dos visitantes, ainda são praticados métodos arcaicos e humilhantes durante as visitas.

A revista íntima é uma prática que traumatiza e deixa marcas, o que demonstra claramente que aos parentes dos presos também está reservada uma parcela da punição.

É triste ver a expressão de pavor estampada nos rostos das mulheres, jovens, adolescentes, senhoras e senhores idosos, nos momentos que antecedem a hora do vexame.

Há quem compare a revista íntima a um verdadeiro estupro coletivo. Em verdade, pode não ser um estupro físico, sob conceito legal, mas com absoluta certeza é uma violência emocional e psíquica equiparada ao crime de violação. É tão grave que sempre me recordo dos relatos de duas mulheres, em especial, que me comoveram muito. Elas simplesmente desistiram de visitar o pai e o filho por não suportar o horror deste momento. Que injustiça! Que tristeza! Que covardia do Estado contra o jurisdicionado!

É dispositivo constitucional o Princípio da Personalidade da Pena, segundo o qual a pena não pode passar da pessoa do apenado, o que quer dizer que somente o condenado deve cumprir a pena a ele imposta, mas não é o que acontece. A revista íntima, nos moldes arcaicos de atualmente, é uma extensão da pena aos familiares, é mais um castigo.

Há uma questão que se repete indefinidamente. Por quê?

Por que não há atenção a esta questão? Por que não se preocupar com o mínimo bem estar dos visitantes? Por que não cumprir a lei? Onde estão as autoridades do sistema penitenciário?

No Estado do Paraná há apenas um bodyscan para todo o Complexo de Piraquara. Outras unidades, como o Complexo Médico Penal, não tem, o que obriga as visitantes a se despir e, além de outras coisas, se agachar sobre um espelho.

Até quando o Estado permanecerá tratando os presos e todos que estão ao redor pior do que tratam os animais? Até quando as unidades penitenciárias permanecerão sendo depósitos de lixo humano, deixando de cumprir o verdadeiro objetivo de ser centros de ressocialização? São muitas questões a serem respondidas, e poderíamos começar pela dignidade dos visitantes.

                                                                                                  09/02/2018

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Revista vexatória

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) editou em 2014 uma resolução que veda “quaisquer formas de revista vexatória, desumana ou degradante, entre desnudamento parcial ou total; qualquer conduta que implique a introdução de objetos nas cavidades corporais da pessoa revistada; e agachamento ou saltos”. A justificativa, de acordo com o texto, é a garantia do respeito à honra e à intimidade das pessoas.

Dois anos depois, em 2016, a então presidente da República, Dilma Rousseff, sancionou a lei 13.271/2016, que não permite que empresas privadas, órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta, adotem qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e de clientes do sexo feminino.

O relatório Tortura em Tempos de Encarceramento em Massa, da Pastoral Carcerária, de 2016, também apontava a revista como um dos principais problemas do país. “As referidas técnicas de terror estatal, tão difundidas no imaginário popular, continuem plenamente em uso no Brasil no sistema carcerário. A tortura se opera por meio da ausência de serviços básicos, da hiperlotação das celas, da alimentação deficiente, da insalubridade do ambiente prisional, regimes de isolamento, surtos viróticos e bacteriológicos, ameaças e violências cotidianas, pelos procedimentos disciplinares humilhantes, revistas vexatórias, partos com algemas e tantas outras situações”, alerta o documento.

O Depen afirma que possui cinco scanners corporais instalados em espaços que atendem dez penitenciárias. Neste mês outros vinte serão instalados e atenderão a todas as penitenciárias. Os aparelhos foram comprados com verba do Fundo Penitenciário Nacional e doações.

Fonte: conselhodacomunidadecwb