Conselho da Comunidade e Defensoria Pública resolvem caso de “preso esquecido” Conselho da Comunidade e Defensoria Pública resolvem caso de “preso esquecido”

r2603O Conselho da Comunidade de Curitiba e as Defensorias Públicas do Paraná e de Santa Catarina conseguiram colocar fim ao descaso que envolvia o preso A. F., de 50 anos. Ele estava “morando” na Central de Flagrantes desde janeiro e deve ser colocado em liberdade nos próximos dias. A decisão foi tomada nesta terça-feira (20) pelo juiz João Marcos Buch, da comarca de Joinville.

A presidente do Conselho da Comunidade, Isabel Kugler Mendes, flagrou o caso na segunda semana de março, quando o órgão denunciou as más condições do cárcere da Central de Flagrantes e ajudou a acelerar a transferência de pelo menos 50 presos para o sistema penitenciário. Na semana seguinte, uma presa foi alvo de violência sexual na mesma unidade.

Durante a vistoria, A. F. afirmou que estava detido porque foi provocado por uma mulher e arremessou uma pedra contra ela, mas acabou acertando o vidro de uma estação-tubo. Ele estava vivendo em condição de rua em Curitiba há “alguns meses”, segundo relatou.

Ele teria sido colocado em liberdade por conta desse delito, mas havia outra situação: um mandado de prisão em aberto de Santa Catarina, apenas para localizá-lo. A Polícia Civil do Paraná não tinha muitos detalhes do caso. Diante desse cenário, o Conselho da Comunidade de Curitiba buscou ajuda para tirar A. F. do “anonimato processual” e do esquecimento.

O caso da pedra

A. F. foi preso no dia 17 de dezembro. Dois dias depois, às vésperas do Natal, passou pela audiência de custódia. “De acordo com o relato prestado pelos policiais militares, o autuado, que aparenta distúrbios mentais, teria jogado uma pedra num tubo de ônibus, e permaneceu no local, não tentando se evadir. Teria causado dano ao local. V. disse que é funcionário da empresa que faz a higienização dos tubos de ônibus, e viu quando o autuado (doidinho) jogou uma pedra no tubo quebrando o vidro. Em seu interrogatório o autuado se portou de forma bastante alterada, falando frases aparentemente desconexas”, diz o Boletim de Ocorrência.

Na custódia, a juíza Juliana Olandoski Barbosa acolheu manifestação do Ministério Público, que solicitou sua colocação em liberdade. “CONCEDO ao autuado A. F. liberdade provisória sem fiança, porém, com a aplicação das seguintes medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal: a) comparecimento mensal em Juízo para informar e justificar atividades durante o curso do inquérito e de eventual processo; b) proibição de se ausentar da comarca por prazo superior a oito dias, sem prévia autorização judicial; c) recolhimento domiciliar no período noturno e em dias de folga; d) compromisso do autuado de comprovação, no prazo de 10 dias, de matrícula e frequência em programa para auxílio ao tratamento ao vício em drogas (narcóticos anônimo ou CAPS, a critério do autuado) e/ou álcool (ex: alcoólicos anônimos); e) proibição de se aproximar da estação-tubo onde ocorreu o delito, devendo manter uma distância de 500 metros”.

A juíza ainda reforçou que ele teria dito durante a audiência de custódia que é neto de ex-presidente da República, “fazendo surgir ainda mais dúvidas sobre a integridade mental do autuado”. Ele teria sido colocado em liberdade, mas um processo pendente de Joinville barrou a soltura.

À deriva

A. F. não era réu primário. Ele foi condenado a 5 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão em regime inicial fechado, mas cumpria pena no regime aberto. No entanto, não comparecia em Juízo desde setembro de 2015, até porque se encontrava em situação de rua. Em agosto de 2017, o juiz João Marcos Buch, da comarca de Joinville, expediu um mandado de prisão para localizá-lo. “Expeça-se mandado de prisão aos órgãos de praxe, ressalvado o regime aberto e a apresentação em Juízo no primeiro horário de expediente, para efeito de audiência admonitória”, afirmou, no despacho. À época, ainda restavam 3 anos, 8 meses e 9 dias de pena.

Mas o Conselho da Comunidade de Curitiba só tomou conhecimento do caso porque acionou o defensor público Henrique Camargo Cardoso, que trabalha com execução penal na Defensoria Pública do Paraná, e o juiz Eduardo Fagundes, da 1ª Vara de Execuções Penais de Curitiba. Eles consultaram o banco de mandados de prisão e identificaram que não havia pendências de A. F. com a Justiça do Paraná.

O defensor público do Paraná remeteu o caso para o colega Vinicius Manuel Ignácio Garcia, titular da 7ª Defensoria Pública de Joinville. Diante da informação da prisão dele em Curitiba, Garcia protocolou um pedido de relaxamento de prisão no dia 11. Nesta terça (20), transcorridos três meses da prisão, o juiz João Marcos Buch expediu alvará de soltura. “Expeça-se imediatamente carta precatória ao estado do Paraná, cujo objeto é o alvará de soltura, haja vista que a ordem de prisão deste Juízo ressalvou o regime aberto“, ordenou. A Polícia Civil do Paraná não observou a condição do mandado expedido em Joinville.

Para a presidente do Conselho da Comunidade de Curitiba, o caso escancara as consequências mais tenebrosas da falta de diálogo entre os atores encarceradores. “A vida das pessoas fica à mercê. Ele não sabia porque estava lá, a Polícia Civil não tinha muitas informações sobre o caso e ninguém se deu conta do problema”, afirma Isabel Kugler Mendes. “Ele é um dentro do nosso quadro de mais de 700 mil presos, mas quantos não engrossam esse índice apenas por questões técnicas?”, completa. A advogada reforça que ele vivia em condições totalmente desumanas ao lado de outros 30 presos, e em regime mais gravoso.

Para o defensor catarinense, o caso expõe a necessidade do trabalho integrado. “A atuação em conjunto da Defensoria Pública e Conselho da Comunidade é fundamental para a plena fiscalização da pena”, afirma.

O defensor público Henrique Camargo Cardoso vai mais além e lembra que esses casos costumam acontecer com pobres e vulneráveis, que estão “à deriva”. “Um dos principais problemas processuais relacionados a questão carcerária é a expedição de mandado de prisão por outro estado da federação”, afirma. “Com o Banco Nacional de Mandados de Prisão muitos presos com penas pequenas, decorrentes, às vezes, de mera ausência a audiência admonitória, são cumpridos no Paraná e, às vezes, se leva meses para que o Juízo de outro estado remeta os autos para cá ou se promova a transferência”.

“O caso do A. F. é um exemplo de que a comunicação interestadual na execução penal precisa melhorar. Não há escolta para transferência interestadual, em virtude do seu elevado custo, e há muita burocracia no declínio de competência. Enquanto isso, as pessoas, geralmente pobres e vulneráveis, ficam presas à deriva, sem processo de execução no estado em que estão presas”, finaliza.

A presidente do Conselho da Comunidade ainda lembra da condição de vulnerabilidade social extrema do apenado. “Ele deixou de comparecer em Juízo porque estava morando na rua. E, uma vez localizado, ficou preso três meses sem necessidade. Nas piores condições imagináveis. O que a sociedade espera de um tratamento penal totalmente desequilibrado como esse?”, afirma. “É preciso mais cuidado”.

Deve mudar

A situação deve ser mais célere com a integração estadual promovida pelo Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que está em desenvolvimento. O cadastro unificado possibilitará informação atualizada sobre todos os presos do país.

Fonte: conselhodacomunidadecwb