TCU pede estímulo aos Conselhos da Comunidade em relatório que critica administração de vagas no sistema prisional

tcu1Cerca de R$ 1,8 bilhão foram repassados pelo governo federal aos estados e ao Distrito Federal nos últimos dois exercícios (2016 e 2017) para melhorias e aperfeiçoamento do sistema prisional brasileiro, mas em 20 unidades da federação a execução financeira foi praticamente nula. O diagnóstico é do Tribunal de Contas da União (TCU) e foi construído em parceria com 22 tribunais estaduais e a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Contas (CNPGC) e Instituto Rui Barbosa (IRB).

De acordo com o relatório, cerca de R$ 1 bilhão foi destinado prioritariamente à criação de vagas (construção, ampliação e reforma) e R$ 760 milhões para modernização e aparelhamento. O TCU analisou os recursos transferidos na modalidade fundo a fundo, a governança e a fiscalização da execução penal sob a ótica de diferentes órgãos e os aspectos relacionados à monitoração de presos por meio de tornozeleiras eletrônicas.

Dos valores transferidos em 2016 para construção e ampliação de estabelecimentos prisionais (R$ 31,94 milhões por estado), o desembolso médio, excetuados DF e RS, cujos valores não foram informados, foi de apenas 2%. Os investimentos no estado de Goiás, que alcançaram o maior percentual, foram de 24,73%. Em 20 estados, incluindo o Paraná, a execução financeira foi nula.

“Por conseguinte, não houve criação de nenhuma vaga, e as equipes de fiscalização apontaram não existir qualquer indicativo de efetivo aumento da disponibilidade de vagas no sistema prisional até o fim de 2018”, destaca a relatora do processo, ministra Ana Arraes.

Em relação à aplicação dos recursos do Funpen para ações de aparelhamento e modernização, restou “evidente a dificuldade na implementação das ações por parte dos entes federados”, segundo o TCU. “Apenas cinco estados apresentam dispêndios superiores à metade do total recebido: Piauí (81%), Acre (78%), Minas Gerais (59%), Pará (53%) e Pernambuco (51%). Do valor global de R$ 346 milhões repassado em 2016 para aparelhamento e modernização do sistema prisional nos estados, foram gastos 22,11%”, aponta o relatório.

Criado pela Lei Complementar 79/1994, o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) tem como objetivo proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e os programas de modernização e aprimoramento do sistema prisional do Brasil. Mesmo com a baixa aplicação dos recursos e a falta de efetividade dos Estados, em 2017 as transferências destinadas à criação de vagas no setor penitenciário somaram R$ 177 milhões.

“Os déficits de governança no sistema prisional globalmente considerado são causa clara das dificuldades constatadas, haja vista que falta institucionalização e coordenação da política pública prisional. […] Do lado de quem administra o fundo de origem (Depen) havia expectativa de efetividade em um ano, mas os entes que receberam os valores não demonstraram preparação suficiente para atender tal prazo”, afirma o parecer da relatora, aprovado pelo TCU na semana passada. “Políticas públicas estruturantes não podem se dissociar de planejamento que inclua ações preliminares consistentes para garantir regularidade e efetividade na aplicação dos recursos”.

Principais problemas

De acordo com o TCU, há risco de acúmulo de recursos do Funpen destinados à construção, reforma e ampliação de estabelecimentos penais em fundos dos estados e do Distrito Federal por longo período de tempo sem efetiva geração de vagas prisionais.

“A análise particularizada dos valores de 2016 aplicados na ação de geração de vaga demonstrou que, dos R$ 862.499.991,78 transferidos, as UFs desembolsaram, até fevereiro de 2018, o total de R$ 18.953.550,55, aproximadamente 2% daquele montante”, aponta o texto.

Com isso, de acordo com o órgão, “vislumbra-se severos riscos de os estados e DF não alcançarem as metas temporais acordadas com a União, mantendo-se, por conseguinte, obras inacabadas por inestimado período de tempo, ou iniciarem empreendimentos simultâneos sem que detenham capacidade operacional para conduzi-los a um só tempo ou, ainda, reterem recursos federais parados em seus fundos penitenciários, com ameaças de má gestão e desvio de recursos públicos federais”.

Segundo o TCU, os problemas passam por critérios burocráticos (falta de condicionantes legais para o repasse de recursos do Funpen e de regulamentação da Lei Complementar para as transferências obrigatórias), de controle (falta de incentivo a organizações que atuam localmente, como os Conselhos Penitenciários e Conselhos da Comunidade) e de transparência no portal do Ministério da Justiça e do Depen.

O tribunal de fiscalização orçamentária também analisou as centrais de monitoramento eletrônico dos estados e identificou que apenas cinco entes (DF, MG, MT, PI e RS) possuem estrutura física e equipe multidisciplinar compatíveis com o Manual de Gestão para Política de Monitoração Eletrônica de Pessoas publicado pelo Depen. Quatro estados (AL, AP, BA e RR) não possuem centrais em funcionamento.

“Falta institucionalização e coordenação da política pública prisional e há deficiências no processo de planejamento das fiscalizações de presídios empreendidas pelo Departamento Penitenciário Nacional e pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária”, completa a relatora, Ana Arraes.

De acordo com o texto, os Conselhos da Comunidade, instâncias previstas pela Lei de Execução Penal com função de auxiliar o Poder Judiciário na fiscalização dos estabelecimentos penais, não estão instalados em todas as comarcas da Justiça nas UFs auditadas e, quando criados, em alguns casos não são inteiramente funcionais.

Para o TCU, o alcance de resultados efetivos da política pública prisional requer de União, estados, Distrito Federal e municípios mobilização política e administrativa para articular e alocar recursos e solucionar problemas coletivos, tais como superpopulação dos presídios, alta proporção de prisões provisórias ante o total de prisões, violação de direitos dos presos e não cumprimento do papel ressocializador da pena, entre outros.

“A interação dos diversos atores é requisito essencial no sentido de estabelecer ambiente de boa governança para implementação da política pública”, diz o relatório.

Conselhos da Comunidade

“Os Conselhos da Comunidade são instâncias de controle social com papel importante na fiscalização do sistema prisional”, afirma o relatório, que constata a falta de investimento nos órgãos, apesar da previsão de três décadas da Lei de Execução Penal (1984).

Eles deveriam estar instalados em todas as comarcas judiciárias com atribuições de enviar relatórios mensais ao juiz da execução e ao Conselho Penitenciário, além de diligenciar materiais para auxiliar o preso. Os Conselhos da Comunidade são formados, em regra, por um representante de associação comercial ou industrial, um advogado indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, um defensor público e um assistente social. Os cargos de diretoria não são remunerados.

De acordo com o TCU, os tribunais de contas estaduais constataram que o número de Conselhos instalados no país é muito inferior ao exigido pela Lei de Execução Penal. No Maranhão, por exemplo, são 105 comarcas e apenas 37 Conselhos, enquanto no Piauí há 4 Conselhos nas 84 comarcas. “E quando as unidades da federação foram provocadas a responder sobre a atuação daqueles já existentes, apenas os estados de MT e de RO atestaram alguma atividade dos Conselhos nos últimos doze meses”, afirma o TCU.

Apesar disso, consta de uma planilha do próprio documento que o Paraná informou plena atividade de fiscalização e funcionamento em 161 comarcas. Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul não constam no relatório.

“A principal causa identificada para a desconformidade prende-se à inexistência, nos tribunais de justiça, de diretrizes ou controles quanto à instalação dessas unidades de apoio nas respectivas comarcas”, diz o texto.

Nas recomendações finais, o TCU orientou os tribunais de contas estaduais a instituir fóruns de articulação que contem com a participação dos diversos órgãos da execução penal e instituir Conselhos da Comunidade nas localidades onde não são atuantes, conferindo-lhes efetiva atuação, nos termos preceituados no art. 80 da Lei de Execução Penal. 

Os Conselhos da Comunidade são normatizados no Paraná por Instrução Normativa Conjunta (01/2014), que afirma que os órgãos têm por finalidade contribuir para a formulação de políticas públicas sobre o cárcere.

Falta de integração

De acordo com o TCU, o grande gargalo no quesito prisional é a falta de integração. “A interação dos diversos atores é requisito essencial no sentido de estabelecer ambiente de boa governança para implementação da política pública”, diz o parecer.

O órgão identificou apenas em Rondônia, de um total de 19 unidades fiscalizadas, a existência de Plano Integrado para Melhoria do Sistema Prisional e o Cumprimento das Medidas Provisórias da Corte Interamericana de Direitos Humanos, elaborado pelo governo estadual, Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública. “Existem quatro eixos de atuação, com metas e projetos, definições de unidades responsáveis, objetivo, justificativa/impactos, recursos estimados, prazo de execução e fonte de recursos”, aponta o TCU.

“O descompasso entre a sistemática de transferências periódicas e a capacidade de investimento dos entes federados tem levado à indesejada concentração de recursos nos fundos penitenciários regionais. Além da inefetividade da política pública, a mobilização de valores vultosos não associados a rotinas estruturadas para sua aplicação implica risco importante para a própria regularidade na aplicação dos valores. Registro, por exemplo, que, nos estados do Rio de Janeiro e de Roraima, o Depen informou que há indícios de irregularidade na gestão dos valores que já ensejam a instauração de tomada de contas especial”, informa a relatora, Ana Arraes. “Além da urgência na definição de medidas voltadas à estruturação de todas as fases que envolvem os gastos públicos nos sistemas prisionais, são também relevantes as necessidades de aprimoramento da estrutura física, operacional e de gestão dos sistemas de monitoração eletrônica”.

Diante desse quadro, o TCU recomendou ao Ministério Extraordinário da Segurança Pública, por meio do Departamento Penitenciário Nacional, e ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, formular plano de inspeções em unidades prisionais baseado em análise de risco e avaliar a possibilidade de eleger os estabelecimentos que serão fiscalizados a partir de planejamento conjunto com os órgãos da execução penal aos quais a Lei de Execução Penal confere essa competência.

“A legislação estabelece grande número de instituições fiscalizadoras do sistema de execução penal, cujo objetivo é garantir os direitos fundamentais do cidadão preso, bem como a correição dos atos dos agentes públicos que operam no sistema, que, em tese, deveria ser justo, igualitário, garantidor de direitos humanos e ressocializador. A fiscalização constitui também instrumento de suma importância para promover o aperfeiçoamento do sistema, por colaborar com a prevenção e com o saneamento de excessos e desvios encontrados”, destaca o relatório.

Resposta do Paraná

Em resposta a órgãos da imprensa, a Secretaria de Administração Penitenciária do Paraná afirmou que foi criada apenas neste mês para acelerar a construção das unidades que foram idealizadas em 2014 e assinar a liberação de uma nova penitenciária no complexo de Piraquara para 636 vagas para o final deste ano.

 

Fonte: conselhodacomunidadecwb