Deputado de Goiás quer acabar com banho de sol, visita íntima e casamento de pessoas condenadas

r0212O deputado Delegado Waldir (PSL-GO) propôs entre setembro e novembro três projetos de lei na Câmara dos Deputados que pretendem acabar com o banho de sol (PL 10.825/2018), a visita íntima (PL 10.857/2018) e o casamento de condenados até a extinção da pena (PL 10.999/2018). Ele foi o parlamentar mais votado de Goiás nas eleições 2018.

A primeira proposta afirma que o “condenado permanecerá na cela o tempo todo, admitindo-se sua saída apenas para o trabalho ou para receber a assistência, vedado o banho de sol ou atividades recreativas”.

Segundo o texto, o “Estado procura, muitas vezes, compensar sua omissão em relação às vagas para o trabalho com dias de recreação, banhos de sol e lazer, o que não é benéfico ao condenado, que não recebe o benefício da remissão e tampouco à sociedade que tem que arcar com por mais tempo com as despesas do encarceramento”.

A justificativa ainda afirma que o horário do banho de sol é utilizado para “acertos de contas, homicídios e fugas”. “O que não se admite é que o condenado passe todo o dia jogando futebol, praticando atividades recreativas, enquanto o cidadão cumpridor das leis tem que trabalhar o dia inteiro para pagar o ócio dos condenados”.

A proposta será analisada pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado. Leia a íntegra do projeto. 

É verdade?

Não. O banho de sol é um direito consagrado pela Lei de Execução Penal e sucumbiu diante da realidade da superpopulação prisional do país.

O Art. 41 da Lei de Execução Penal afirma que constituem direitos do preso alimentação suficiente e vestuário; atribuição de trabalho e sua remuneração; Previdência Social; constituição de pecúlio; proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; entrevista pessoal e reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; chamamento nominal; igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; audiência especial com o diretor do estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes; e atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.

As determinações são claras em admitir que o preso deve sair da cela porque a pena pressupõe reequilíbrio social e não uma gaveta.

Mas o banho de sol foi incorporado definitivamente em 2003 pela Lei nº 10.792, que destaca a determinação de acesso a duas horas de sol por dia nos direitos previstos mesmo diante das faltas disciplinares. Ou seja, o entendimento é de que esse direito se estendeu a todos os provisórios e condenados.

A determinação também aparece nas Regras Mínimas das Nações Unidas para Tratamento de Presos (Regras de Mandela), que determinam que “todos os presos devem ser tratados com respeito, devido a seu valor e dignidade inerentes ao ser humano”. A Regra 23 afirma que “todo preso que não trabalhar a céu aberto deve ter pelo menos uma hora diária de exercícios ao ar livre, se o clima permitir”.

As regras 1 e 5 completam as assertivas anteriores. “Nenhum preso deverá ser submetido a tortura ou tratamentos ou sanções cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância”, diz o texto inaugural. “O regime prisional deve procurar minimizar as diferenças entre a vida no cárcere e aquela em liberdade que tendem a reduzir a responsabilidade dos presos ou o respeito à sua dignidade como seres humanos”, completa o quinto tópico.

As Regras de Mandela foram incorporadas à jurisdição brasileira pela  Resolução 14/1994 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).

Na prática a teoria é outra. Essas determinações legais continuam a não ser cumpridas no país. São raras as penitenciárias que permitem banho de sol diário aos presos em função da falta de estrutura adequada ou de pessoal para realizar as movimentações.

Das dez penitenciárias de regime fechado atendidas pelo Conselho da Comunidade da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, apenas duas permitem banho de sol diário a todos os presos. Os detentos chegaram a mandar uma carta para a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), relatando que a determinação de banho de sol não é cumprida na maior penitenciária do Paraná.

Visita íntima

Já a justificativa do projeto de lei da visita íntima afirma que ela configura “um dos meios pelos quais o crime organizado repassa mensagens para seus asseclas e permite que seus integrantes tenham direito à visita de prostitutas que se cadastram como companheiras, situação corriqueira que é tratada como não existente pelas autoridades”.

O deputado ainda diz que “o direito à visita íntima é tratado quase como uma obsessão pelas autoridades responsáveis pelo sistema prisional, colocando o Brasil como um país de vanguarda neste quesito, embora as prisões continuem como o centro de comando do crime organizado e em situação de calamidade pública”.

O texto será analisado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Leia a íntegra do projeto.

O que é verdade?

A visita do cônjuge aparece no mesmo Art. 41 da Lei de Execução Penal, que versa sobre o direito dos presos, mas a visita íntima, propriamente escrita, nunca vislumbrou legislação na execução penal. Ao mesmo tempo nunca foi apontada por especialistas em segurança pública e Direito como preponderante para as organizações criminosas.

A base legal no país é a Resolução 01/1999 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que afirma que a direção do estabelecimento prisional deve assegurar ao preso visita íntima de, pelo menos, uma vez por mês. O direito de visita íntima só foi conquistado pelas mulheres em 2001, depois da instituição do modelo em penitenciárias paulistas.

No Paraná o direito é assegurado pela Portaria 499/2014 do Depen.

No entanto, dos 720 mil presos do país, pelo menos um terço foram detidos por crimes sem violência ou grave ameaça, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O número de faccionados, apesar de alto, não representa a totalidade do sistema criminal, o Ministério da Justiça não tem um levantamento de quantos presos recebem visita íntima no país e nenhum estudo correlaciona o sexo na prisão do aumento do poder das facções. Afinal, a pena retira do apenado apenas a liberdade de ir e vir.

Casamento

Por fim, o projeto de lei que proíbe o casamento de apenados afirma que a celebração “é uma instituição incompatível com o cumprimento de pena privativa de liberdade, não importa qual seja o regime”.

“Muito foi feito para diminuir a importância do casamento, mas o esforço foi em vão, pois continua sendo a base da entidade familiar brasileira, uma instituição regida por normas de ordem pública que exige a exclusão daqueles que se mostraram destruidores de direitos fundamentais, os quais têm garantia constitucional”, destaca o texto.

O documento ainda não foi enviado para nenhuma comissão. Leia a íntegra do projeto.

Pode?

Pode, mas deve ser declarado inconstitucional. O Art. 1.521 do Código Civil afirma que são impedidos de casar os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; os afins em linha reta; o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; o adotado com o filho do adotante; as pessoas casadas; e o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Mas, para todos os demais brasileiros, o casamento é um direito civil. O projeto de lei pretende incluir nas proibições “as pessoas condenadas ao cumprimento de pena privativa de liberdade, enquanto não extinta a pena”, mas essa tese não pressupõe que a pena não pode passar da figura do apenado, conforme a legislação brasileira e a jurisprudência internacional. A pena também não pode servir para segregar parte da população brasileira.

Qual a necessidade?

O Conselho da Comunidade vê com extrema preocupação as alterações propostas na Lei de Execução Penal nos últimos meses porque elas versam sobre retirada dos direitos conquistados ao longo das últimas décadas e até hoje não entregues aos presos. O Brasil nunca experimentou a cidadania no sistema prisional para querer reformá-lo com os olhares voltados para o século passado.

Ademais, direitos não são privilégios dentro de uma unidade penitenciária, mas conquistas para efetivar a recuperação social do apenado, pressuposto do Art. 1° da Lei de Execução Penal. “Que ser humano o deputado quer encontrar depois de privá-lo do sexo, do sol e da comunhão? Alguém que possa conviver em sociedade e trabalhar em prol de um futuro mais digno para todos ou alguém revoltado com a censura que tornará insustentável a vida dentro da penitenciária e depois em liberdade?”, questiona Isabel Kugler Mendes, presidente do órgão.

“O país fala do sistema penitenciário com muito desconhecimento, como um espaço dotado de privilégios onde os presos passam os dias planejando novos crimes. Isso é restrito à minoria. A maioria já está privada de seus direitos e tolhida de muitas privações além da liberdade. Com projetos como esses caminharemos mais firmemente rumo à consolidação do Estado de Coisas Inconstitucional dos presídios brasileiros”.

Fonte: conselhodacomunidadecwb.