Expresso libertário

r3112A parceria da psicóloga Carolina Miranda do Amaral e Silva e da assistente social Fernanda Rossa parece um roteiro televisivo. No fim de 2012, Carolina era síndica do prédio onde morava, quando foi arrolada como testemunha de uma morte ocorrida nas dependências do condomínio.

No transcorrer do processo, conheceu o advogado criminalista Dálio Zippin, velho atuante na defesa dos direitos humanos, que a convidou para trabalhar em seu escritório quando soube que a cliente era mestre em sexologia pela Universidade Lusófona, em Lisboa. Foi ali que Carolina teve o primeiro contato com o sistema carcerário, atuando como voluntária, na Penitenciária Estadual do Paraná, em palestras sobre educação sexual.

Fernanda, por sua vez, já fazia trabalhos pontuais no sistema prisional, também como voluntária. “Desde que me formei, eu tinha como ideal trabalhar com pessoas totalmente marginalizadas e dependentes químicos.”

Um dia, os caminhos dessas duas mulheres se cruzaram, durante uma reunião. “Queria apresentar alguns projetos aos dirigentes, mas não encontrei eco. Ouviram e me desejaram boa sorte. Conheci a Fernanda e percebi que tínhamos ideias e objetivos semelhantes”, conta Carolina. Era dezembro de 2016, dias antes do Natal.

O que ambas buscavam era um projeto com objetivos bem definidos, expectativas realistas de resultados, e não apenas uma política superficial e generalista. No Brasil, o porcentual de reincidência à criminalidade é superior a 70%.

“Não é possível diminuir esse índice sem trabalho sério. É preciso devolver aos internos o mínimo de expectativa de mudança. As políticas públicas estão resumidas em construir presídios para aumentar a oferta de vagas. Isso não muda absolutamente nada”, diz Fernanda. 

Daí nasceu o Projeto Geração Bizu. No início do ano passado, as amigas apresentaram a iniciativa à PUC do Paraná, que acolheu a ideia e as incentivou, abrindo portas para contatos. Como sempre, o problema era econômico, falta de recursos. Encaminharam 82 pedidos de apoio a empresas privadas. Receberam apenas duas respostas.

Perceberam, então, que o único caminho era pôr as mãos na massa e buscar a solução. O primeiro passo foi selecionar e treinar 20 mulheres, todas em liberdade condicional e usando tornozeleiras eletrônicas. Destas, apenas seis permaneceram até o fim.

“São mulheres destruídas emocionalmente. Os anos de prisão as moldam em pessoas agressivas e com baixa autoestima. É preciso conquistar a confiança de cada uma”, diz Fernanda.  

Desejavam algo que propiciasse aos egressos dos presídios uma oportunidade de trabalho, de forma a evitar o retorno ao crime. A primeira tentativa foi treiná-las para vendedoras ambulantes, mas o município não autorizava novas licenças.

Até que descobriram, em um dos bairros mais tradicionais de Curitiba, Água Verde, um quiosque abandonado há anos e que um dia serviu como módulo da Policia Militar. Não poderia haver local melhor. 

Com a ajuda de um empresário da construção civil, em sete dias o mocó corroído pelas traças e que se tornara ponto para consumo de drogas estava restaurado. Quem caminha hoje pela Avenida Água Verde, a principal do bairro, depara-se com um moderno café – o Sete Expresso, em homenagem aos sete dias de agonia e espera para concluí-lo, até ser inaugurado em 22 de julho.

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As duas funcionárias que trabalham no local estão entre as seis que não desistiram do treinamento. As quatro outras atuam em outras atividades. Em pouco mais de um mês, o projeto piloto despertou o interesse. O Conselho Comunitário de São José dos Pinhais, cidade da Região Metropolitana de Curitiba, quer replicar a experiência.   

A dupla tem pressa, muita pressa. Uma segunda etapa está prevista ainda para este ano. Agora serão incluídos homens e novas opções de trabalho, como jardinagem e limpeza externa. O que permanece é a condição jurídica.

Ou seja, as vagas são reservadas a presos em liberdade condicional e com tornozeleira eletrônica. Trata-se de uma exigência do Departamento Penitenciário do Estado. Assim, além do vínculo empregatício, poderão atuar como autônomos ou prestadores de serviços terceirizados.

Carolina e Fernanda sabem que não vão mudar o mundo sozinhas. A violência e o estopim das rebeliões vão permanecer. O preconceito contra ex-presidiários não vai diminuir. Mas, certamente, as vidas de algumas pessoas serão transformadas.

“Nosso sonho é que este projeto possa se espalhar por outras cidades, por outros cantos deste país. Se cada um fizer um pouco, a vida será melhor e menos violenta”, prevê Carolina.

Fonte: cartacapital