Justiça apura propina de R$ 600 mil pra livrar traficante de presídio

Condenado a 53 anos, Totó saiu pela porta da frente após ter dados criminais apagados

Capturar.JPG A condenação a uma pena de pelo menos 53 anos de prisão não foi suficiente para manter um dos principais traficantes e homicidas do Estado atrás das grades. Apontado como assassino ou mandante de crimes contra 20 pessoas, Luís Henrique Nascimento Vale, o Totó, 35, deixou a penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, pela porta da frente no ano passado, às vésperas do Réveillon, apenas 17 meses após entrar na unidade.

A saída com ares de legalidade, aponta uma fonte de O TEMPO, é fruto do pagamento de R$ 600 mil em propina. Além de beneficiar de maneira criminosa o traficante, o esquema de corrupção teria eliminado do acervo da Polícia Civil todos os dados sobre impedimentos que Totó carrega como mandados de prisão em aberto. 

A reportagem procurou o juiz da Vara de Execuções Criminais de Contagem, Wagner Cavalieri, e ele confirmou que houve irregularidade na saída de Totó. Diante dos fatos, o magistrado expediu um novo mandado de prisão. Totó, agora, é considerado foragido. “Em janeiro, eu já havia notado uma falha e solicitado esclarecimentos. Tem coisa pesada atrás disso. Houve alguma falha ou desvio de conduta por parte de quem fez a consulta dos alvarás de soltura no Setarin”, assegurou o juiz. 

O Setarin é o setor da Polícia Civil que tem como responsabilidade manter atualizado o acervo de mandados de prisão cadastrados no Sistema de Informações Policiais (SIP). O acesso a essas informações é restrito, mas a Polícia Civil não informou nesta quarta-feira (1) os questionamentos da reportagem sobre quem na corporação está habilitado a operar o sistema. “Ele (Totó) pagou para que tirassem os impedimentos da ficha dele”, revelou a fonte. 

As informações sobre o pagamento da propina foram reveladas nesta quarta-feira após uma megaoperação da Polícia Civil contra o bando de Totó. Entre os 12 comparsas capturados está um irmão do traficante. As buscas aconteceram em Belo Horizonte e Esmeraldas, na região metropolitana, numa ação batizada de Kuzushi – nome dado a um golpe de judô usado para desestabilizar o oponente. 

Alice Batello Pedro, chefe da Delegacia de Homicídios Leste, que investiga a quadrilha de Totó, não confirmou os dados obtidos pela reportagem, mas reforçou as suspeitas apontadas pelo juiz. “Não era para (Totó) ter saído. Havia um mandado de prisão. Houve uma questão que tem que ser apurada por auditoria. Como ele saiu pela porta da frente do presídio?”, questionou a delegada. 

Segundo a Secretaria de Administração Prisional (Seap), Totó já deu entrada seis vezes em presídios de Minas, entre 2008 e 2016 e em cinco dessas ocasiões foi beneficiado por alvarás de soltura. Na última passagem, iniciada há dois anos, o traficante ficou detido entre julho de 2016 e o dia 30 de dezembro de 2017. 

A Seap informou que apura “no âmbito administrativo” se a saída do criminoso da Nelson Hungria foi irregular. A Polícia Civil se calou.

Foragido

Fuga. A polícia acredita que Totó já tenha fugido para fora de Minas Gerais. No último sábado, em São Paulo, a corporação esteve perto de prendê-lo. Na ocasião, um irmão dele foi detido.

Assassinatos chamaram a atenção

Entre os cerca de 20 assassinatos por que Luís Henrique Nascimento Vale, o Totó, é acusado, dois chamaram a atenção da Polícia Civil por apresentarem as mesmas características. O empresário Adriano Costa Vale, 37, foi executado em fevereiro deste ano quando saía de casa, no bairro Santa Cruz, na região Nordeste da capital. Já o advogado Jayme Eulálio de Oliveira, em outubro de 2013, foi morto no bairro Castelo, na Pampulha.

Em ambos os assassinatos, as vítimas tiveram seus carros fuzilados por atiradores que usaram armas de grosso calibre. Na época em que Adriano Vale foi morto, a polícia já suspeitava que as vítimas tivessem sido alvo dos mesmos atiradores e de uma possível relação entre os dois homicídios.

Em nota, a Polícia Civil diz que "o Setor de Arquivos e Informações (Setarin) conta com um sistema seguro e auditável, ou seja, todos os servidores responsáveis pelo registro de mandados de prisão e alvarás de soltura no sistema são identificados e o acesso se dá por meio de login e senha pessoais e que todas as anotações referentes ao cidadão mencionado constam no sistema".(Raphael Ramos)

Soltura surpreendeu até advogado

A soltura de Luís Henrique Nascimento Vale, o Totó, 35, surpreendeu até mesmo o advogado Fernando Magalhães, que defende o acusado. “Não passou por mim. Sou extremamente sério, mas foi um alvará legítimo”, disse o defensor. Ele acrescentou que cabe à Polícia Civil o controle do sistema de restrições e só a corporação pode esclarecer o caso.

Fugas. Desde dezembro do ano passado, 31 pessoas fugiram da Nelson Hungria, em Contagem, na região metropolitana. Segundo a Secretaria de Administração Prisional, 17 deles foram recapturados.

Fonte: otempo.com.br