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O mito por trás das longas penas de prisão

Enquanto EUA e Brasil vivem explosão da população carcerária, Noruega vem revolucionando o sistema de encarceramento                                       

e2711  Em dezembro de 2017, um tailandês chamado Phudit Kittitradilok foi condenado por roubar 574 milhões de baht (R$ 65 milhões) de 2,4 mil pessoas em um esquema em pirâmide que prometia altos retornos de investimento.

Ele foi sentenciado a impressionantes 13.275 anos de prisão ─ um período maior do que toda a era neolítica. Mas, na verdade, graças ao código penal da Tailândia que limita as penas, Kittitradilok vai passar "apenas" 20 anos atrás das grades.

Apesar disso, existe no imaginário coletivo a sensação de que a justiça está sendo feita toda vez que um criminoso é condenado a permanecer preso por um longo período de tempo, quando não, a vida toda.

O americano Terry Nichols, por exemplo, um dos cúmplices do atentado de 1995 em Oklahoma City, recebeu penas de prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.

Mas uma longa sentença de prisão mantém as ruas mais seguras?

Propósito da prisão

Quando um juiz determina a pena do réu, há quatro fatores principais que são normalmente levados em conta: retribuição (punir a pessoa por fazer algo errado), reabilitação (correção de comportamento problemático), segurança (manter ameaças fora da comunidade) e dissuasão (garantir que tanto eles quanto os outros tenham medo de infringir a lei no futuro) .

Algumas pessoas - principalmente promotores, e em países como os EUA - acreditam que uma longa sentença de prisão serve a todos esses propósitos.

Por exemplo, juristas como o procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, vêm pressionando por penas mais duras para conter a violência e o narcotráfico. Quem defende esse tipo de sentença argumenta que tais punições são mais adequadas. Eles dizem acreditar que isso dá aos prisioneiros tempo para pensar sobre o que fizeram de errado, e que o temor de voltar para a prisão serviria como motivador para permanecer no caminho certo.

Peso do sistema

Mas manter prisioneiros cumprindo penas muito longas pode sobrecarregar as prisões. Também é extremamente caro para os contribuintes. Um relatório de 2016 divulgado pela Faculdade de Direito da Universidade de Nova York, por exemplo, estimou que os EUA poderiam economizar US$ 200 bilhões (R$ 740 bilhões) em 10 anos se 40% da população carcerária do país fosse reduzida.

Outras pesquisas mostram que penas de prisão longas não funcionam. Além de serem aleatórias (por que 13.275 anos?), não há provas de que permanecer muito tempo atrás das grades acabe dissuadindo ex-presos de cometer novos crimes. Os criminosos parecem valorizar menos o futuro do que os não-criminosos, o que significa que penas longas podem parecer "arbitrárias" e só servem para deter até certo ponto. A educação também desempenhou um papel, uma vez que criminosos menos instruídos tendem a ser menos afetados por sentenças mais duras.

Estudos também mostram que a reincidência continua alta. Um levantamento de 2009 constatou que nos EUA, depois de três anos de prisão, 67% dos presos foram detidos novamente por um novo delito, 46,9% foram considerados culpados por um novo crime e 25,4% foram condenados à prisão.

No Brasil, um em cada quatro condenados reincide no crime: 24,4%.

Segundo especialistas, uma das razões é que muitos criminosos acham que não serão pegos novamente, mesmo depois de serem detidos uma vez. Sendo assim, o temor de voltar para a prisão não os impede de cometer novamente um crime.

Como resultado, enquanto a maioria das pessoas tende a concordar que os criminosos devem ser responsabilizados por seus crimes, as opiniões se dividem em relação a quanto tempo eles devem passar atrás das grades. As respostas são variadas, dependendo do interlocutor e de onde ele vive.

Apelo emocional

Dados compilados pela ONG Justice Policy Institute em 2011 constataram que a duração das penas para um mesmo crime varia enormemente no mundo todo. Em 2006, por exemplo, um criminoso condenado por roubo ficaria, na média, 16 meses preso na Finlândia, contra 72 meses na Austrália. Assalto? Quinze meses na Inglaterra e no País de Gales, e 60 meses nos EUA.

Os EUA são um exemplo abrangente quando o assunto é longas penas de prisão. O número de prisioneiros no país quadruplicou desde os anos 1970 - e agora, à medida que as sentenças se prolongam, condenados passam ainda mais tempo atrás das grades. A maioria dos prisioneiros está encarcerada por delitos relacionados a drogas ou violência.

Atualmente, os EUA têm a maior população carcerária do mundo, com mais de 2,2 milhões de presos, um sistema que custa US$ 56,9 bilhões (R$ 212 bilhões) por ano.

O Brasil não está muito longe. Possui a 3ª maior população carcerária do mundo, com mais de 700 mil presos.

"Costuma-se dizer que não há limite para o tempo de condenação quando se trata de crimes violentos", diz Ryan King, do Justice Policy Center, em Washington. "Essa tem sido uma força dominante em nosso sistema de justiça criminal há mais de 40 anos".

King menciona o final dos anos 1960, um período turbulento na história dos EUA. O país estava no auge da Guerra do Vietnã e dos movimentos dos direitos civis, o que desencadeou protestos e tumultos. Por sua vez, isso gerou inquietação e medo entre a população. Os políticos capitalizaram essa ansiedade. E continuam fazendo isso até hoje.

Desde então, o país registrou uma explosão na população carcerária: de 200 mil em 1974 para os atuais 2,2 milhões.

"A segurança é o principal enfoque do noticiário. Trata-se de uma discussão fundamental para todo político que queira se eleger", diz King. "Eles gostam de dizer 'eu vou agir duramente contra o crime e manter a população segura'. Muitos desses temas ainda têm bastante ressonância em 2018", acrescenta.

Os EUA também têm algumas das penas de prisão mais longas do mundo devido a seus valores culturais, que incluem uma ênfase extrema na responsabilidade pessoal, crença religiosa no bem e no mal e a ideia de que uma comunidade tem o imperativo moral de erradicar as más ações. Não é de surpreender, portanto, que um argumento comum no país a favor de manter os prisioneiros atrás das grandes por longos períodos seja a velha máxima: "Se você não puder cumprir a pena, não cometa o crime".

"Sob o aspecto cultural, os EUA são dedicados à ideia de individualismo - ou seja, de que as pessoas são responsáveis por suas ações", diz Christopher Slobogin, diretor do programa de justiça criminal da Universidade Vanderbilt, no Tennessee.

King diz que países como os EUA precisam buscar alternativas - uma abordagem mais preventiva em relação à violência, por exemplo.

"Isso não significa contratar mais policiais e promotores", ressalva. "Confiar na ação da polícia é uma resposta reativa. Fazer algo mais proativo exige investimentos profundos nessas comunidades", completa.

Mas quais são as alternativas?

Na Noruega, há resultados promissores. Ali, a pena de morte foi abolida em 1902 e prisão perpétua, em 1981. A sentença máxima de prisão é de 21 anos.

Como muitas prisões na Escandinávia, a prisão norueguesa de Halden adota uma abordagem diferente. Trata-se de uma prisão de segurança máxima. Mas as celas parecem quartos de hotel, não há grades nas janelas ou câmeras de segurança, e os guardas ficam desarmados.

À primeira vista, pode parecer um exemplo extremo, mas existem muitas prisões como essa em todo o país.

Thomas Ugelvik, professor de criminologia da Universidade de Oslo, diz que essas prisões são mais baratas, baseadas na confiança sobre os prisioneiros e, de certa forma, podem ser desafiadoras: uma responsabilidade maior é esperada dos criminosos.

Penas mais curtas também ajudam a reabilitação, o que nem sempre acontece com as mais longas. Pesquisas mostram que a Noruega tem uma das mais baixas taxas de reincidência no mundo - 20% em comparação com 67% nos EUA de dois a três anos depois de deixar a prisão, respectivamente. Ainda mais surpreendente, talvez, é o tempo médio de prisão na Noruega: apenas oito meses.

Ainda assim, uma ressalva é necessária.

"Os policiais vão esperar mais do preso em uma prisão como essa", diz Ugelvik. "Eles têm de trabalhar ou estudar; mostrar uma atitude positiva correta", acrescenta.

O baixo nível de segurança não é para todos, no entanto, e quando o sistema proporciona esse benefício ao condenado, isso é resultado de avaliações de risco rigorosas. A crença, diz Ugelvik, é que os prisioneiros progridem com a confiança.

"Quando você passa muito tempo em um presídio de segurança máxima e obtém uma transferência para um regime mais aberto, parece que o sistema confia em você pelo menos um pouquinho", diz. "Você tem que ser capaz de construir suas próprias paredes imaginárias em uma prisão de baixa segurança, e a maioria dos prisioneiros, frequentemente, faz isso com sucesso", acrescenta.

Outro equívoco é a ideia de que a punição mais dura - a pena de morte - pode impedir crimes hediondos.

Em abril deste ano, o presidente dos EUA, Donald Trump, defendeu a pena de morte para os traficantes de drogas.

"Com a atual crise da heroína e da epidemia de opióides [nos EUA], estamos mais uma vez vendo o poder executivo tentando resolver o problema da segurança pela intensidade da pena - como se a pena de morte evitasse a prática do crime", diz Ashley Nellis, professora e analista sênior de pesquisa do Sentencing Project, uma organização sem fins lucrativos sediada em Washington que defende a reforma da justiça criminal.

"Mas se você não acha que vai ser pego, isso realmente não importa", ressalva.

Evidentemente, crimes hediondos são um assunto à parte. É difícil argumentar contra uma longa pena de prisão para um assassino em série ou estuprador - especialmente se seu interlocutor é parente da vítima. Talvez seja aí que o ângulo de punição da prisão desempenhe um papel mais forte aos olhos do público.

Dito isto, os crimes violentos são minoria. "O problema é que parece que há muitos estupradores e assassinos em série à solta - felizmente, eles são uma minoria", diz Marcelo Aebi, professor de criminologia da Universidade de Lausanne, na Suíça.

Vício

Quando se trata de delitos relacionados a drogas, pelo menos, a melhor maneira de contornar o lado negativo das longas penas de prisão seria entender as motivações dos crimes - com o objetivo principal de evitar que mais pessoas entrem nesse mundo.

Por isso, Nellis defende que o sistema de justiça criminal não precisa ser a única resposta a comportamentos ilícitos, "particularmente para delitos de drogas e propriedade não violentos. Geralmente há um vício subjacente. Podemos tratar o vício com uma abordagem mais baseada em evidências - uma que lide com prevenção e intervenção e tratamento, em vez de um sistema de justiça criminal, que tem [pouco] conhecimento sobre dependência de drogas. Poderíamos gerar um impacto maior ".

A vida na prisão é uma punição extrema e, no grande escopo dos crimes, as infrações relacionadas às drogas talvez não justifiquem medidas tão radicais, especialmente porque as pesquisas mostram que a ameaça de sentenças mais longas não impede as pessoas de cometer esses crimes.

As sociedades e a política também diferem de país para país, de modo que a implementação de um sistema norueguês terá resultados diferentes em lugares diferentes, especialmente porque disso depende a ajuda proporcionado pelo Estado ao preso.

Portanto, quando se trata de sair da prisão rapidamente, mesmo em um país com penas de oito meses, parte disso ainda depende do indivíduo.

"É claro que a motivação é fundamental, e ninguém acredita que você pode forçar alguém a uma mudança positiva se não quiser", diz Ugelvik.

"Eles estendem a mão, mas os prisioneiros têm que escolher agarrá-la para que o sistema funcione", conclui.

Fonte: R7

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