Congresso investiga prisões há 40 anos

default Desde 1976, parlamentares apontam problemas de maus tratos e superlotação no sistema carcerário, mas na prática pouco muda: projetos de lei que sugerem mudanças tramitam por anos ou são esquecidos.

Há pelo menos 40 anos a classe política investiga o sistema prisional brasileiro. O Congresso Nacional já instaurou quatro comissões parlamentares de inquérito (CPI) sobre o assunto: em 1976, 1993, 2008 e 2015. O diagnóstico sobre a falência gradual do sistema está documentado em todos os relatórios dessas CPIs, até mesmo naquela que funcionou no período da ditadura militar. Agora, a atual crise dos presídios, exposta após os massacres em Manaus e Roraima, já motiva parlamentares a pensarem numa quinta CPI.

A construção de mais presídios para aumentar a capacidade do sistema aparece nas conclusões das comissões como uma solução mágica para aliviar a superlotação, identificada já na década de 70. Os parlamentares são céleres em sugerir mudanças no Código Penal e na Lei de Execução Penal e propor políticas que incentivem a adoção de penas alternativas, mas os projetos tramitam a passos lentos e muitas vezes acabam esquecidos assim que o assunto deixa de chamar a atenção da mídia.

Carandiru e PCC

A CPI de 1993, por exemplo, foi criada no ano seguinte ao massacre do Carandiru, quando 111 presos foram mortos durante ação da Polícia Militar de São Paulo, que entrou na Casa de Detenção para conter uma rebelião em outubro de 1992. Dois anos depois do início da CPI, o Congresso aprovou a criação dos Juizados Especiais Criminais e Cíveis, que facilitam conciliações e dão celeridade a processos. O Funpen (Fundo Penitenciário Nacional), que gerencia os recursos para programas de modernização dos presídios, também teve a sua criação aprovada após esta CPI, em 1994.

Braslien Insassen vom Gefängnissystem in Pernambuco (HRW)

Prisão superlotada em Pernambuco: projetos para enfrentar problema tramitam a passos lentos

Em 2008, uma nova CPI na Câmara dos Deputados começava em Brasília embalada por outro escândalo: a onda de ataques contra forças de segurança promovida e organizada pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), que paralisou a cidade de São Paulo em 2006. Vários civis foram mortos nos atentados. O requerimento da instalação da CPI de 2008 refere-se diretamente ao assunto:

"Deparamos-nos com a insegurança que vem dos estabelecimentos penais, de onde grupos organizados controlam e manipulam a massa de presos pobres e despolitizados (...) A força e o poder desses grupos é tanta que chegaram a parar a cidade de São Paulo, desafiando autoridades e atacando instituições." 

Em seu relatório final, a CPI de 2008 fez 25 recomendações a autoridades federais e estaduais para melhorar a situação do sistema. A principal aponta para a construção de novas unidades, propondo que os Estados adotassem um Plano Diretor de Construção de Estabelecimentos Penais.

Nesses cárceres, os presos deveriam ser separados por tipo de pena, por sexo e por regime de cumprimento da pena para os próximos 20 anos. A ideia nunca vingou. A CPI também insistiu na necessidade de o Brasil adotar políticas e normas legais claras e efetivas para favorecer a aplicação de penas alternativas. Já naquela época pelo menos sete projetos sobre o assunto tramitavam no Congresso, sendo dois deles apresentados em 1999.

Rebeliões no Nordeste

Na CPI de 2015, uma nova rebelião, desta vez no Nordeste do país, era invocada para justificar uma nova investigação. "A recente rebelião ocorrida no Complexo Prisional do Curado, Recife, noticiada amplamente pela imprensa, e conflitos registrados em diversas cadeias brasileiras nos últimos anos deixam nítido o verdadeiro caos do sistema carcerário brasileiro", afirma trecho do requerimento aprovado na Câmara para a criação da CPI.

Há dois anos, os parlamentares afirmavam que "os presídios vêm sendo alvo de preocupação da sociedade diante da sua ineficiência e da crescente onda de denúncias de corrupção e de instalação de crime organizado nas prisões". A ineficiência do sistema, acrescentavam os deputados, aumentam a "incredulidade da sociedade sobre uma possível reabilitação do preso e do seu retorno ao convívio social".

Em seu relatório final, a CPI do Sistema Carcerário de 2015 apresentou 20 projetos de lei com sugestões de mudanças em normas legais já existentes ou sugeriu que novidades, como as chamadas audiências de custódia (que verificam a legalidade da prisão). Propostas referentes ao assunto já tramitavam no Senado desde 2011.

Em plena ditadura

A CPI de 1976 surgiu num momento em que o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) se fortalecia na luta contra a ditadura. Em pesquisa acadêmica feita pelos pesquisadores Dani Rudnicki e Mônica Franco de Souza, publicada em 2010, o então deputado federal Odacir Klein, da oposição, revelou que o objetivo verdadeiro da comissão parlamentar da década de 70 era investigar a situação dos presos políticos no Brasil, o que obviamente não foi permitido pelo regime militar.

A CPI prosseguiu com a intenção de fazer inspeções nos presídios, verificando se garantias e direitos aos presos, como trabalho, educação e alimentação, eram assegurados. O foco central era apurar se a prisão exercia algum efeito educativo na personalidade do detento após a aplicação da pena.

O relatório final, ainda que de quatro décadas atrás, se encaixa como uma luva nos dias atuais: "As causas determinantes da superlotação na fase processual seriam a aplicação excessiva da prisão preventiva e a lentidão processual.

A comissão ressalta que a consequência são os efeitos da superlotação carcerária atingirem em maior grau aqueles em favor de quem milita a presunção de inocência: os presos provisórios. A solução, no caso da superlotação por ocasião dos presos provisórios, estaria na reformulação do instituto da prisão preventiva e na criação de medidas legislativas tendentes à aceleração da justiça criminal".

 Fonte: DW.COM