Uma vida atrás das grades

PEL 2 abriga detento prestes a cumprir 30 anos de prisão e outro com condenações que somam mais de um século

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"Todo esse tempo aqui foi suficiente para deixar meu passado de crime para trás",
garante detento que está preso há praticamente 30 anos

Nas alas recém-reformadas da segunda unidade da Penitenciária Estadual de Londrina (PEL 2), uma grade horizontal divide o espaço em dois pavimentos. Sobre a espécie de tela, os agentes penitenciários monitoram a rotina da unidade e fazem a abertura dos portões. Na parte superior, as manchas escuras ainda conservam vestígios do incêndio da rebelião ocorrida em outubro de 2015, que praticamente destruiu o presídio. Por um dos corredores, um dos presos é conduzido por um agente. Os cabelos brancos entregam a identidade: "Prazer, Mauro (nome fictício)", apresenta-se.

Quando estava prestes a completar 19 anos, em 1986, Mauro foi preso pela primeira vez. Diante da acusação de latrocínio, foi condenado a 42 anos de reclusão em regime fechado. Com os benefícios previstos na lei, conseguiu deixar a prisão em 1999. No entanto, sete meses depois, retornou à penitenciária por participar de um assalto violento a um tradicional bar londrinense. Desde então, Mauro permanece preso. Neste ano, quando completará 50 anos de idade, deve também atingir a marca de 30 anos atrás das grades.

Em quase três décadas de reclusão, Mauro já passou por cinco penitenciárias no Estado e sobreviveu a oito rebeliões. A última, na PEL 2, ele considera a mais terrível. "Depois que acabou a rebelião, os caras [policiais] ficaram paranoicos. Parecia um campo de concentração. Eles precisavam agir, mas foi coisa de Hitler mesmo", compara. Mauro diz se ver no rosto de cada jovem que chega à penitenciária. "Passa um filme na cabeça, né? Muita gente chegou e saiu e eu continuo aqui", lamenta.

Apesar de não deixar transparecer as sequelas por permanecer tanto tempo aprisionado, Mauro confessa que pensou em tomar o caminho mais rápido para fora das grades: o suicídio. "Se o sujeito não tiver a cabeça no lugar, ele enlouquece mesmo. Já vi muita gente ‘pendurada’ nesses grades", conta. Ele diz que foi salvo pelo trabalho e pelo estudo. "Aqui dentro, temos que nos apegar a alguma coisa. No meu caso, foram os cursos profissionalizantes", relata.
Com todo o conhecimento que obteve na cadeia, principalmente com o de construção civil, Mauro pretende iniciar uma nova vida fora da prisão. "Vou tentar uma revisão de pena e espero conseguir minha liberdade. Todo esse tempo aqui foi suficiente para deixar meu passado de crime para trás", garante, esperançoso. O maior ressentimento é o de não poder ajudar a família. "Imagina uma mãe te visitar por 30 anos na cadeia? Não vejo a hora de sair daqui pra poder retribuir tudo isso. Uma hora isso tem que ter um final", avalia.

PENA CENTENÁRIA

O doleiro Alberto Youssef, um dos acusados de integrar o esquema desmontado pela Operação Lava Jato, deixou a prisão no final de novembro após quase três anos preso. Se não tivesse assinado o acordo de delação premiada, o doleiro londrinense teria que cumprir 121 anos de prisão. Realidade bem diferente daquela de quem não tem nada de relevante para contar, de quem não tem ninguém importante para denunciar.

Elton (nome fictício), de 34 anos, recebeu várias condenações por uma série de assaltos a chácaras e fazendas que cometeu na região de Londrina no início dos anos 2000. Somadas, as penas ultrapassam os 100 anos de prisão. Ele, que já está há 15 anos atrás das grades, sabe que, fatalmente, não terá a mesma sorte que o conterrâneo famoso. "É difícil, porque não tenho condições de pagar um advogado", expõe.

Para conseguir uma revisão de pena, Elton aposta no bom comportamento e no trabalho. Ele é um dos detentos que trabalham na reforma da PEL 2. "Nunca vou conseguir esquecer o que vi aqui. Tem gente que não acredita em coisas de outro mundo, em coisas ruins, sabe? Aquilo que vi não era normal", afirma, sobre a rebelião, sem precisar os detalhes. "Quando você conhece a maldade de perto, ou você se deixa levar de vez ou se arrepende. Eu escolhi ser uma pessoa melhor", garante.

Celso Felizardo
Reportagem Local