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Centro Cívico vira praça de 'guerra' com 'quebra quebra'; Tropa de Choque reage

 Um protesto antirracista, convocado pelas redes sociais, que começou pacífico na Praça Santos Andrade, na frente do prédio da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no Centro de Curitiba, acabou em 'quebra-quebra' e confronto envolvendo a Tropa de Choque da Polícia Militar no Centro Cívico, na noite desta segunda (1).  Um policial ficou ferido e oito pessoas foram presas. Os detidos foram encaminhados para o Centro de Operações Policiais Especiais (Cope). Segundo o Subcomandante Geral da Polícia Militar do Paraná, coronel Antônio Carlos de Morais, as lideranças foram identificadas e muitas imagens também foram coletadas: "Tudo isso está agora com a polícia judiciária, que vai concluir a investigação e responsabilizar as pessoas que lideraram uma manifestação que poderia ter sido pacifíca, mas acabou virando vandalismo". De acordo com a PM, a manifestação reuniu 1200 pessoas e cerca de 200 policiais. 

Após o encerramento da manifestação antirracista em frente ao prédio da Unversidade Federal do Paraná (UFPR), que foi pacífica, um grupo que carregava uma faixa da Antifa passou a promover uma passeata na direção ao Centro da cidade pela Rua XV de Novembro até o Centro Cìvico. Já nas proximidades do Colégio Estadual, houve ameaça de confronto entre os manifestantes e os policiais, ainda em menor número. Na frente do Palácio Iguaçu, o grupo queimou a bandeira do Brasil, em protesto contra o governo do presidente Jair Bolsonaro. Policiais Militares tentaram impedir o ato, o que acabou gerando outro início de contronto com os participantes do protesto. Foi quando parte dos manifestantes depredou agências bancárias do Santander, Bradesco e Itaú com pedras. Também foi atingido o Shopping Mueller e a sede do Fórum de Curitiba, na Avenida Cândido de Abreu. A sede da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep) foi um dos alvos também.

Os policiais que acompanhavam a manifestação pediram reforço. Foi quando a  tropa de Choque da Polícia Militar chegou e reagiu com bombas de gás lacrimogênio para dispersar os manifestantes na Avenida Cândido de Abreu. A situação ficou tensa. Vários manifestantes questionam nas redes sociais a ação "truculenta" da polícia militar já que as bombas acabaram atingindo quem participava pacificamente da manifestação, mas a PM alegou que quis proteger justamente as 'pessoas de bem que estavam na manifestação'. De acordo com o Subcomandante Geral da Polícia Militar do Paraná, a inteligência da polícia acompanhou o chamamento pelas redes sociais e programou a o acompanhamento do evento, como sempre faz. "Fizemos o acompanhamento de forma técnica, e quando foram para o Palácio Iguaçu, começamos a detectar alguns sinais de violência. Nós tivemos que aguardar o momento certo de agir. Vimos quando as pessoas de bem estavam correndo risco, quando o patrimônio público e privado começou a ser depredado e até quando arrancaram e queimaram a bandeira. Mas nós temos nossas obrigações, chegou num ponto em que um policial foi ferido, prendemos oito pessoas que estavam mais isoladas, justamente para acalmar os ânimos e nada adiantou e tivemos que usar de certa força para dispersar", afirmou ele.  Morais ainda disse que o policial ferido passa bem: "Ele recebeu uma pedrada no escudo que acabou ferindo o braço, mas passa bem". Não há informações de manifestantes feridos.  Na opinião dele, os líderes da violência durante o protesto são da Antifa. 

"Infiltrados organizados para criminalizar o evento', dizem organizadores

Os organizadores da manifestação contra o rascismo, aliás, divulgaram nota afirmando que o ato ocorreu de forma pacífica e ordeira, e apontam a suspeita de que os episódios de vandalismo ocorridos após o encerramento do evento podem ter sido provocados por "infiltrados" organizados para criminalizar o evento. Assinam a nota "Movimento Feminista de Mulheres Negras", "Bando Cultural Favelados da Rocinha FAVELA", "União da Comunidade dos Estudantes e Profissionais Haitianos ( UCEPH), "J23 - Juventude do Cidadania", Rede nenhuma Vida a Menos", com apoio do Grupo Dignidade e da Aliança Nacional LGBTI+, ou seja a Antifa não estava entre os organizadores da manifestação.  "A organização do ato CONTRA O RACISMO EM CURITIBA vem a público manifestar que, diferentemente do vinculado nas redes sociais e na imprensa, os manifestantes, além de utilizar proteção para evitar a propoagação da epidemia de COVID-19, comportaram-se de maneira ordeira, em defesa da democracia e contra o racismo", diz a nota. "O ato foi um sucesso. Reuniu muitas pessoas, teve uma atmosfera esperançosa por dias melhores", aponta o texto.  "Nossa luta é por igualdade, contra o racismo, a violência contra jovens negros nas periferias, a proliferação de grupos que propagam o ódio e o genocidio de brasileiros promovido pela falta de uma política clara de saúde durante esta pandemia". 

De acordo com o grupo, "infelizmente, no final do ato, em uma dispersão de alguns poucos, houve vandalismo contra o patrimônio público. O que, ao nosso ver, é muito estranho e suspeito e representa a presença organizada de infiltrados que desejam a criminalização do movimento". "O uso de força excessiva por parte da polícia demonstra também a incapacidade de diálogo e a opção pela agressão", avaliam os organizadores.  

Danos 

Segundo a prefeitura de Curitiba, em equipamentos públicos do município houve registro de danos em algumas estações-tubo na região do Centro Cívico e pontos de mobiliário urbano na Praça Tiradentes, Nestor de Castro. O levantamento completo será feito e divulgado nesta terça (2).

Fonte: BEMPARANA.COM.BR

Coronavírus: Assessora de Guedes enxergava morte de idosos como positiva para “reduzir déficit previdenciário”

Solange Vieira, que atuou na Reforma da Previdência, minimizou impacto da Covid em março

 Em março, quando o Ministério da Saúde apresentou previsões sobre o impacto da pandemia do coronavírus no Brasil para o Ministério da Economia, servidores próximos do ministro Paulo Guedes teriam minimizado o impacto da doença e até visto de forma positiva.

Reportagem dos jornalistas Stephen Eisenhammer e Gabriel Stargardter, da agência Reuters, traçou uma linha do tempo que mostra como o Brasil se tornou o segundo mais afetado pela doença no mundo, apesar de ter monitorado a Covid-19 desde o início.

Uma das fontes ouvidas pela matéria foi o epidemiologista Julio Croda, chefe do departamento de imunização e doenças transmissíveis do Ministério da Saúde durante a gestão do ex-ministro Henrique Mandetta. Croda revela bastidores da crise e aponta que a Economia minimizou a doença.

Quando foi apresentar balanços feitos pela Saúde sobre a pandemia, ainda em março, Croda ouviu de uma figura muito próxima de Paulo Guedes, Solange Vieira, que o cenário era “bom”.

“É bom que as mortes se concentrem entre os idosos… Isso melhorará nosso desempenho econômico, pois reduzirá nosso déficit previdenciário”, afirmou a economista que comanda a Superintendência de Seguros Privados por indicação de Guedes. Ela foi uma das figuras centrais na Reforma da Previdência e chegou a ser cotada para presidir o BNDES.

Questionada pela Reuters sobre a afirmação, a Superintendência confirmou que ela participou de reunião em março a convite de Mandetta para “entender as projeções do ministério”. Segundo ela, a análise de Vieira aconteceu “sempre com foco na preservação de vidas”.

Na época, o ministro Paulo Guedes ainda afirmava que a economia do Brasil poderia crescer “2% ou 2,5%” diante da pandemia.

 

CNJ define ações para combate à Covid-19 no sistema prisional

O monitoramento do avanço da pandemia da Covid-19 no sistema prisional brasileiro é uma das grandes preocupações dos Tribunais de Justiça de todo o país neste momento. Na última semana, as ações para combater a doença foram definidas em uma série de encontros virtuais promovidos pelo Conselho Nacional de Justiça.

 Os encontros contaram com a participação de mais de 600 pessoas e a base usada para a tomada de decisões foi a Recomendação CNJ 62/2020, que estabelece protocolos para a luta contra a epidemia no sistema carcerário.

Os Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (GMF) dos tribunais vão enviar a cada 15 dias ao CNJ informações sobre casos suspeitos e confirmados da Covid-19 nos sistemas prisional e socioeducativo, assim como o número de mortes — incluindo os servidores que atuam na área.

Um levantamento feito com a ajuda de equipes do programa Justiça Presente indicou que, até a última sexta-feira, havia 1.118 servidores do sistema prisional com teste positivo para Covid-19, com 17 mortes. Entre os presos, o número de contaminados era 830 e o de mortos, 30 — 115 contaminações e uma morte a mais do que o número divulgado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

O conselheiro Mário Guerreiro, supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Medidas Socioeducativas/CNJ, disse que o órgão trabalha com o Poder Executivo para que recursos do Fundo Penitenciário Nacional sejam usados na compra de equipamentos de proteção e testes para presos, internos e servidores.

"A ideia é alinhar as ações com os GMFs locais e, assim, trabalharmos juntos neste difícil período", afirmou Guerreiro.

Além de tratar do monitoramento, os encontros virtuais promovidos pelo CNJ apresentaram as principais ações do órgão no combate à pandemia nos sistemas prisional e socioeducativo e o detalhamento de um levantamento nacional sobre a aderência dos poderes públicos locais à Recomendação 62/2020. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.

Fonte: CONJUR.COM.BR

PM flagrado agredindo a mulher no RJ é solto duas semanas após ser detido

Policial é flagrado agredindo mulher em Belford Roxo (RJ) - Reprodução/Extra O cabo Tarcísio de Assis Nunes, da Polícia Militar do Rio, foi preso no mês passado após agredir a mulher com socos, chutes, aplicar uma rasteira, derrubar a companheira no chão e dar chineladas no rosto dela na área externa da casa do casal em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Um vídeo divulgado hoje pelo jornal Extra mostra as imagens que fazem parte do inquérito policial militar (IPM) aberto pela Corregedoria da PM contra o agente.

Apesar de o vídeo ter sido incluído no inquérito, o policial foi solto em 29 de abril, 12 dias após ser detido, atendendo uma ordem judicial em que a vítima alegava "não se sentir ameaçada e de não possuir receio em sua soltura". A declaração feita pela mulher levou o juiz Glauber Bitencourt Soares da Costa, do 1º Juizado Especial Criminal de Belford Roxo, a suspender também a ordem de medida protetiva contra o policial.

As agressões ocorreram no dia 13 de abril. As imagens de uma câmera mostram a mulher sentada no jardim da casa quando ele se aproxima e os dois começam a discutir. Tarcísio agride a mulher com socos e chutes para depois derrubá-la no chão. Mesmo com a mulher caída, as agressões não param. O policial ainda dá chineladas no rosto da vítima. A mulher tenta se defender e levanta quando as agressões terminam.

Minutos depois a filha do casal, de seis anos, aparece no jardim da casa, local das agressões. A vítima foi ouvida na DEAM (Delegacia de Atendimento à Mulher) de Belford Roxo. Tarcísio é lotado no Batalhão da Polícia Militar da Maré, na zona norte da cidade, e sua defesa alegou que as agressões foram um ato isolado. "Não havia ali intenção de machucá-la", disse o advogado do policial, Felipe Simão.

"Ela [a vítima] procurou a Delegacia por duas vezes, priorizamos esse atendimento e conseguimos as medidas protetivas e a prisão dele [do policial] em 17 de abril", disse a delegada Rosa Carvalho, da DEAM.

Um dia antes da detenção do policial, a juíza Maria Izabel Pena Pieranti, do Plantão Judiciário, decretou medidas protetivas a favor da mulher. O cabo não poderia se aproximar dela nem manter contato. Em 17 de abril, o juiz Glauber Soares decretou a prisão do PM, o que ocorreu no mesmo dia. Na decisão, o magistrado destacou a personalidade violenta do PM.

"De acordo com os autos, narra a vítima que foi agredida fisicamente e que este teria apontado a arma de fogo em sua direção e efetuado um disparo para o alto, além de tê-la ameaçado de morte, bem como à filha do casal, sendo certo ainda que ele já a teria agredido e cometido outros delitos em ocasiões anteriores, o que revela seu caráter agressivo e o risco à integridade física da vítima", destaca o magistrado.

O juiz afirma ainda no processo que o depoimento do policial revela indícios de problemas psicológicos. "O requerido, policial militar, possui histórico de violência contra mulher, sendo certo que o depoimento prestado na seara administrativa traz indícios de problemas psicológicos que exigem extrema cautela do julgador. Note-se que, nos presentes autos, alude-se a grave violência e ameaças contra a vítima e também contra a própria filha. A vítima afirma que recolheu três armas de fogo pertencentes ao requerido", diz.

Porém, em 29 de abril, o policial militar foi solto, menos de duas semanas após ter sido preso. De acordo com a decisão da Justiça, a defesa pediu a revogação da prisão de Tarcísio e cancelou as medidas protetivas dadas à vítima, após a mulher assinar uma declaração de que não se sente ameaçada pelo companheiro nem possui receio na soltura dele.

"Considerando a declaração prestada pela vítima de forma escrita, bem como através de contato telefônico realizado pelo Ministério Público, na qual afirma não se sentir ameaçada e de não possuir receio em sua soltura, entendo desnecessária a manutenção da prisão. Com efeito, revogo a prisão preventiva (...) Deixo, ainda, de conceder as medidas protetivas requeridas em sede policial, já que a vítima também declarou não ter interesse nas mesmas", afirma Glauber Soares, que havia sido o mesmo magistrado que decretou a prisão preventiva.

Defesa diz ter sido "ato sem intenção de machucar"

O advogado do policial, Felipe Simão, avaliou o caso como um fato isolado, sem intenção de machucar a vítima. "Foi um ato isolado, reprovável, mas não havia ali intenção de machucá-la. Ele não dá um soco de mão fechada na vítima, ele a derruba na grama. Trata-se de um caráter mais moral do que físico", explicou.

De acordo com Simão, antes da prisão de Tarcísio, o casal já havia se acertado e optado pela separação. A vítima se mudou para a casa dos pais juntamente com a filha em outra cidade. Segundo a defesa, a mudança não ocorreu por medo do ex-companheiro e o convívio entre as partes é pacífico.

"Ela mudou de cidade, pois foi morar com os pais dela. Ele se arrependeu do que fez e hoje convivem pacificamente", afirmou o advogado.

Questionado sobre o juiz ter citado problemas psicológicos do policial, o advogado informou que Tarcísio foi afastado da PM pelo setor de psiquiatria da corporação.

"Os policiais convivem com uma violência muito intensa e isso acaba distorcendo de uma certa forma a civilidade da pessoa. Há estatísticas que mostram isso. Poucos policiais chegam no fim da carreira sem passar pela psiquiatria", avaliou o advogado sem apresentar provas.

Procurada, a PM confirmou através de nota que o policial encontra-se afastado do serviço para tratamento de saúde e afirmou que além das investigações da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) de Belford Roxo, a Corregedoria da Polícia Militar instaurou um inquérito sobre o caso.

 Fonte: UOL.COM.BR

Qual a política prisional correta para homens biológicos que se autoidentificam como mulheres?

Tatiana Dornelles Tatiana Almeida de Andrade Dornelles, atualmente, é procuradora da República (membro do Ministério Público Federal) no Rio Grande do Sul, e já foi promotora de Justiça do Distrito Federal. Natural de Salvador, a baiana é formada em Direito pela UFBA, tendo feito sua especialização em Segurança Pública e Justiça Criminal na PUC/RS; e o mestrado em Barcelona, Espanha, em Criminologia e Execução Penal pela Universitat Pompeu Fabra.

Ela tem dedicado os últimos meses de suas pesquisas sobre o tema da “invisibilidade social da mulher presa”, a partir do que tem criticado a colocação de homens biológicos em presídios femininos, sem que se leve em consideração os impactos de tais medidas para as mulheres encarceradas. Fruto de sua dissertação de mestrado sobre o assunto, ela agora tem no prélio sua primeira obra a ser publicada em breve, com o título: “Transmulheres nos presídios femininos: o debate omitido sobre a mulher presa”.

Tatiana Dornelles nos concedeu a honra de uma breve entrevista, em que adiantou alguns resultados de seus estudos.

1) A senhora falou em artigo recente para a imprensa brasileira sobre o que chama de “invisibilidade social da mulher presa”. Poderia nos dizer do que se trata?

A invisibilidade social da mulher presa é atestada por diversos pesquisadores na área da chamada criminologia feminista. As mulheres são minoria no sistema prisional, cerca de 5% do total de presos somente. E, mesmo proporcionalmente, elas geram menos “problemas” ao gestor. É uma minoria silenciosa e pouco organizada, ao contrário da população carcerária masculina. Como consequência, há menos publicações sobre o encarceramento feminino e há menos interesse em geral. É comum as mulheres ficarem com as ‘sobras” masculinas, aceitando as adaptações das políticas penitenciárias pensadas para os homens, inclusive sendo alojadas em adaptações de antigos presídios masculinos ou em “puxadinhos” dos atuais. E neste tema sobre transgêneros, a invisibilidade é ainda mais manifesta. Políticas públicas estão sendo elaboradas e decisões estão sendo tomadas não levando as mulheres presas em consideração.

2) Quando e por que começou a pesquisar sobre esse tema? Poderia adiantar alguns resultados de suas pesquisas acerca desse assunto?

A temática carcerária me interessa desde o começo da faculdade. Estagiei por mais de um ano na Penitenciária Lemos de Brito, em Salvador, por intermédio do Patronato de Presos e Egressos da Bahia. Posteriormente, como Procuradora da República, integrei no Amazonas o Conselho Penitenciário por mais de três anos, fazendo visitas constantes a presídios e carceragens de delegacias. Integrei no MPF o Grupo de Trabalho de Execução Penal, composto por colegas brilhantes e com bastante atuação na área.

Mas o fato é que a questão feminina só passou realmente a ser meu foco no final de 2016. À época, assumi a relatoria especial de gênero e sistema prisional na 7ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria-Geral da República, sob a gestão do Dr. Mário Bonsaglia. Li livros e muitos artigos científicos sobre criminalidade feminina e a vida da mulher na prisão. Consolidei pelos estudos algo que eu já havia percebido em mais de três anos de visitas a presídios e carceragens como conselheira penitenciária: a mulher vivencia o crime e a vida na prisão de maneira diferente dos homens. No meu livro, há um capítulo sobre isto, em que recolho informações sobre gênero e crime de vários países.

O estudo de gênero e prisão permitiu conhecer as variadas dimensões do drama carcerário feminino. E um dos aspectos do tema é justamente a condição das transmulheres. Transmulheres são homens biológicos a quem o chamado transativismo demanda um tratamento como se mulheres fossem, para qualquer fim. Por esta razão, deveriam ser consideradas nas políticas públicas femininas. A literatura das ciências sociais à qual tive acesso à época sustentava esta posição. A conclusão era de que as transmulheres deveriam ser alojadas junto às outras mulheres nas prisões. Inicialmente, esta também me pareceu a solução correta.

De fato, no início defendi que transmulheres devessem ser transferidas para os presídios femininos. E isto é curioso. Hoje recebo acusações de intolerância, de transfobia, de fascismo, e até de “anticiência”. Isto tudo porque questionei a mim mesma sobre a validade de um determinado ponto de vista. Mas fazer ciência é justamente isto, é questionar as hipóteses. Se sua hipótese não pode ser falseada, você não está fazendo ciência, você está sustentando dogmas. E aí caímos no campo da crença.

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Esse tipo de mudança de posicionamento pode acontecer de várias formas. Comigo, foi por acaso. Em uma conversa informal com um promotor da execução, a quem expus minha posição de então sobre o tema, ouvi o relato de um episódio importante. Em Porto Alegre, a administração penitenciária tentou alocar uma transmulher no presídio feminino local, mas mulheres que ali estavam presas não aceitaram. Pela primeira vez, tomei consciência de que eu havia aderido àquela posição sem me preocupar com a opinião das mulheres que receberiam um homem biológico em seu ambiente carcerário. Logo eu, feminista e relatora especial de gênero e cárcere!

Apesar do impacto inicial, eu ainda não havia decidido estudar especificamente o problema da transgeneridade na prisão. Isto ocorreu quando decidi o tema de minha dissertação no mestrado na Espanha. Escolhi o programa de criminologia e execução penal tendo em mente que gostaria de me aprofundar no tema das mulheres encarceradas e contribuir para melhorar o quadro de invisibilidade destas pessoas. Na primeira entrevista com o coordenador do curso, levei uma lista de temas que me interessavam, como maternidade no cárcere, crescimento da população penitenciária feminina, relações familiares no cárcere, entre outros.

Houve uma boa receptividade a todos os temas, exceto um: “transgêneros no cárcere e possíveis riscos às mulheres”. Segundo o coordenador, o tema não era interessante. Na realidade, constatei algo pior: o tema causava incômodo no ambiente acadêmico em geral, que já possui um posicionamento fechado sobre o assunto. Qualquer tentativa de investigação ou argumentação que pudesse contradizer esta posição era repelida com todo tipo de desincentivo, direto ou indireto, incluindo reflexos negativos na atribuição de notas e chamadas públicas criticando a “insensibilidade” ao drama deste movimento social.

Este ambiente hostil a quem investiga o tema sob uma ótica diversa é, ao final, um dos primeiros resultados de meu trabalho. A constatação de que praticamente não há literatura acadêmica que faça contraponto ao entendimento de que a concepção subjetiva de gênero de cada um deve guiar as políticas públicas, inclusive deve ser determinante para alocação da pessoa na prisão. No final das contas, as potenciais consequências negativas seriam sentidas pelas mulheres – mais uma vez não ouvidas, sequer consideradas.

Não tive dúvidas. Consolidei a minha escolha deste tema. Iniciei a pesquisa do zero. Não tive orientação ou um material base para começar. Fiz o que imagino qualquer estudante interessado faria: busquei tudo o que havia disponível fisicamente na biblioteca ou virtualmente nos repositórios de busca. Fiz uma revisão literária sobre transgêneros na prisão e sobre mulheres presas. Há muita literatura sobre os dois temas, separadamente. Mas pouca correlacionando mulheres presas e transmulheres. Principalmente, não há quase nada que questione quais são as repercussões sobre as mulheres presas na aceitação de transmulheres em seu ambiente carcerário.

Não questiono que os transgêneros, e todos aqueles considerados como minoria sexual, são uma população vulnerável na prisão. O que eu sustento no livro é que a proteção de um grupo não pode comprometer os direitos de um outro grupo vulnerável, que são as mulheres. Existe uma origem histórica na criação dos espaços exclusivos femininos, como prisões exclusivas de mulheres, que está sendo ignorada. É o histórico de vitimização da mulher pelo homem. E o que mostro no livro é que a mulher ainda é vulnerável ao homem biológico, independentemente do gênero com o qual esta pessoa subjetivamente se identifica. Para mostrar isto, entre outros aspectos, apresento dados estatísticos de padrão de criminalidade que comprovam que, objetivamente, a mulher é diferente do homem. Conjugo este ponto com dados de investigações quantitativas e qualitativas que mostram que a transmulher ainda apresenta padrões de comportamento que são mais parecidos com o masculino.

É importante que as pessoas entendam que eu não estou julgando um indivíduo nem estou dizendo que todas as transmulheres apresentam um perigo para as mulheres. O fato de haver políticas protetivas especiais para as mulheres, como a Lei Maria da Penha, não significa que o ordenamento jurídico rotulou todos os homens como agressores. Mas, nas políticas públicas, são realizadas análises de riscos. Considerando vários fatores conjugados, eu entendo que as mulheres devem permanecer com o direito de ter espaços exclusivos somente para elas. Não importa o gênero subjetivo que cada um adote. Um transhomem, que é uma mulher biológica, igualmente deve estar alojada apenas em presídios femininos.

E mais uma vez, isto não impede que outras soluções sejam construídas para as transmulheres, visando sua segurança e bem-estar.

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3) A senhora tem sido crítica de alguns pontos da Resolução 1/2014 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e do objeto da ADPF 527. Poderia nos dizer do que tratam essas normas e qual o seu defeito?

Eu considero a Resolução 1/2014 um excelente documento, que deve ser efetivamente aplicado. É um grande avanço à causa LGBTT+. A resolução garante o direito ao tratamento pelo nome social, a manutenção dos cabelos compridos e roupas segundo a identidade subjetiva de gênero, o direito a visita íntima, a manutenção de tratamento hormonal ou de transição. Ela também protege a população LGBT de transferências compulsórias entre celas e alas, e assegura a igualdade de condições quanto ao recebimento de auxílio-reclusão aos dependentes do recluso.

A minha crítica é ao artigo 4º, que determina que as transexuais femininas (homens biológicos) sejam encaminhadas aos presídios femininos. Então eu questiono. Que transexuais? As que já fizeram a redesignação sexual ou as que possuem pênis também? Exige-se alguma prova de que a pessoa esteja em tratamento hormonal ou não? Precisa provar que a pessoa vive como mulher há algum tempo ou também inclui pessoas de gênero fluido, que decidiram que eram mulheres minutos antes de serem presas? Qualquer transexual pode ir, inclusive a que está presa por delitos sexuais praticados contra mulheres? E se esta transexual atacar uma mulher, ela voltaria ao presídio masculino? Veja que são questões básicas que deveriam ser bem debatidas antes da publicação de uma determinação genérica como esta.

Neste ambiente de insegurança, foi ajuizada a ADPF 527 que, entre outras coisas, pede que travestis possam escolher se querem ou não ir a um presídio feminino. Certamente não perguntaram às mulheres presas suas opiniões. A Resolução 1/2014 já oferecia uma boa solução, que seria a criação de espaços de vivências diferenciados, de acesso voluntário, onde travestis e homens gays poderiam ter um espaço de proteção dentro dos presídios masculinos.

4) A senhora é especialista em segurança pública. Saindo, agora, do tema específico das mulheres presas, como a senhora avalia as medidas de soltura de presos adotadas em razão da pandemia do coronavírus?

Tenho uma posição contrária, no geral. Excepcionalmente seria possível a concessão de prisão domiciliar em casos específicos, fundamentada na pandemia. Na subseção em que atuo, tivemos um caso de um senhor de 74 anos, debilitado, que não oferecia riscos concretos e que postulava prisão domiciliar. Pelas circunstâncias concretas do caso, a medida foi autorizada com parecer favorável do MPF. Sob a ótica da segurança pública, medidas gerais de desencarceramento a qualquer custo são potencial fonte de caos social e de mais violência e insegurança. E estas são sentidas especialmente pela população mais humilde, que não pode contar com recursos próprios para fazer sua segurança privada.

Fonte: GAZETADOPOVO.COM.BR

 

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