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Cliente morre esperando julgamento do STF e advogada "parabeniza" Rosa Weber

 Enquanto decisões que favorecem o crime organizado e enfraquecem o combate a corrupção são analisados em tempo recorde pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pessoas comuns veem seus recursos na Corte trancados por anos.

É o que aconteceu com o cliente de uma advogada do Rio Grande do Sul, que faleceu aguardando por onze anos o julgamento de uma ação pelo Supremo.

“É com lástima que viemos aos autos juntar a cópia de atestado de óbito de Celmar Lopes Falcão, e dar-lhe os parabéns. Parabéns, Ministra, pela demora!”, ironizou a advogada.

Lílian Velleda Soares fez a critica ao STF em uma anotação de prestação de informações protocolada no Tribunal nesta quarta-feira (25), onde também lamentou a falta de efetividade.

“A sociedade está cansada de um Judiciário caríssimo e que, encastelado, desconsidera os que esperam pela ‘efetividade’ e pelo cumprimento das promessas constitucionais”, escreveu.

No texto endereçado à ministra Rosa Weber, que substituiu Ellen Gracie na relatoria do processo em 2011, quando ela se aposentou, a advogada afirma que a ministra encarna o “desprezo” do Judiciário “pelo outro” e informa ainda a singeleza do funeral.

“Informamos também que as pompas fúnebres foram singelas, sem as lagostas e os vinhos finos que os nossos impostos suportam”, em uma referência aos gastos exorbitantes, quando fez licitação de R$ 1,1 milhão para refeições servidas pela Corte.

Fonte: gospelprime

Banco Nacional de Perfis Genéticos: uma ferramenta eficiente para elucidação de crimes

Um dos pontos do Pacote Anticrime e importante ferramenta de investigação e prova, fortalecimento da rede integrada de perfis genéticos é uma das prioridades do MJSP

 O resultado do cruzamento de DNA colhido em cenas de crime com o material genético de um suspeito, preso no fim do ano passado, conseguiu provar a participação dele em três crimes distintos. No homicídio do agente federal de execução penal Alex Belarmino, em Cascavel (PR), ocorrido em 2016; no roubo à base da Prosegur, em Ciudad Del Este, Paraguai, em 2017; e na explosão de caixa eletrônico do Banco do Brasil, em Campo Grande (MS), no mesmo ano.

As investigações da Polícia Federal apontavam a participação do criminoso no homicídio e havia suspeita de que ele tinha participado do crime no Paraguai. O terceiro crime nem estava no radar das investigações. O cruzamento das informações só foi possível porque os vestígios biológicos, coletados por peritos nos respectivos locais do crime, estavam inseridos no Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG).

Para o perito criminal federal Giovani Rotta, que atuou como chefe do Núcleo Técnico-Científico da Delegacia de Polícia Federal em Foz do Iguaçu (PR) e coordenou os trabalhos de coleta dos vestígios biológicos no caso do assalto à Prosegur no Paraguai, o BNPG é uma importante ferramenta para interligar diversos locais de crimes processados pela perícia e dar celeridade nas elucidações de crimes. “É uma prova incontestável. Encontrar DNA em local de crime é um meio de inserir o suspeito dentro da cena”, afirma Rotta.

 Números do Banco Nacional de Perfis Genéticos

Atualmente, o maior banco de dados de perfis genéticos do mundo é o da China, com mais de 50 milhões de perfis inseridos. O banco dos Estados Unidos armazena mais de 13,5 milhões de perfis genéticos de condenados, cerca de 895 mil perfis de vestígios de local de crime. As informações auxiliaram mais de 428 mil investigações criminais nos EUA.  O banco do Reino Unido é considerado o mais eficiente do mundo, armazena o perfil genético de mais de 5 milhões de indivíduos suspeitos de cometerem crimes.

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O Banco Nacional de Perfis Genéticos brasileiro contém aproximadamente 6.500 perfis genéticos de condenados, 440 de investigados e 7.800 de vestígios de local de crime. No Brasil, até o momento, 559 investigações foram auxiliadas por essa ferramenta. Uma das propostas defendidas é a ampliação do escopo para os condenados em crimes dolosos.

Um aspecto importante para a eficiência da ferramenta é a quantidade de vestígios processados e inseridos, o que se inicia com a capacidade do país em preservar locais de crime, além da infraestrutura laboratorial.

Ampliação do BNPG faz parte do Pacote Anticrime

O Banco Nacional de Perfis Genéticos, além de ter um lado acusatório, pode comprovar a inocência de um suspeito, ou ainda interligar um determinado caso com outras investigações das demais esferas policiais.

Por isso, uma das principais medidas do Pacote Anticrime, enviado pelo MJSP ao Congresso Nacional, visa ampliar o cadastro de registros biológicos no BNPG, conferindo maior eficiência a esta poderosa ferramenta de investigação e prova.

 “Caso aprovado, não será mais necessário esperar todas as etapas recursais do julgamento para colher o DNA do condenado. O rol de pessoas inseridas no banco de dados será maior, bem como a celeridade na elucidação. As forças de segurança pública contarão com mais um instrumento de investigação”, defende o ministro Sergio Moro.

Para a diretora do Instituto de Análises Laboratoriais Forenses (IALF) de Campo Grande (MS), Josemirtes Prado da Silva, a ampliação do banco nacional vai contribuir para fortalecer o trabalho integrado dos peritos de todo o país.

“É gratificante contribuir com casos, até então sem autoria, e saber que o banco alcança todo o território nacional por meio de cruzamento de dados para estabelecer a relação de diversos crimes cometidos pelo mesmo individuo”, afirma.

A coleta de material biológico de suspeitos para fins de cadastro no BNPG é prevista quando há decisão judicial. Desde 2012, a Lei de Identificação Criminal possibilita a identificação criminal genética, em casos concretos, a critério da autoridade judiciária. A legislação prevê também que os condenados por crime doloso, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por crime hediondo, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA.

Fortalecimento da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos

Nos primeiros cem dias de governo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) elaborou o planejamento para a implantação do projeto de Fortalecimento da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, que visa analisar todas as amostras pendentes até 2022, tanto de vestígios quanto de condenados, e inserir os perfis genéticos no BNPG. Além disso, o projeto prevê inúmeras ações de capacitação de profissionais de segurança, desde os que atuam na preservação do local de crime até os peritos criminais que atuam no laboratório de DNA.

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A Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos é formada pelos bancos de 19 unidades da federação, além do banco da Polícia Federal e do Banco Nacional de Perfis Genéticos. Para que seja possível cumprir com a meta de incluir, até 2022, o perfil genético de todos os condenados por crimes dolosos no Brasil, o MJSP trabalha para estabelecer procedimento eficaz para a coleta do perfil genético de condenados, adquirir materiais de coleta e plataformas de automação para unidades que apresentem alta demanda de amostras, por exemplo.

O objetivo é coletar mais de 750 mil perfis nos próximos três anos - número semelhante ao que se estima de população carcerária no país. Para 2019, a previsão é coletar, processar e cadastrar 65 mil.

“O Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Senasp, dará todo o apoio às Secretarias de Segurança Pública estaduais para que as metas sejam atingidas, o que inclui investimentos em equipamentos, insumos, ações de capacitação e desenvolvimento de sistemas”, afirma o coordenador da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, Guilherme Jacques.

Fonte: justica.gov.br

Desenhamos fatos sobre violência policial no Brasil

Por Luiz Fernando Menezes

13 de setembro de 2019, 13h14

 Policiais civis e militares em serviço ou não mataram 6.220 pessoas em 2018, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgados na última terça-feira (10). O número é o maior desde 2012, quando o Fórum Brasileiro de Segurança Pública passou a compilar essa informação, e representa um aumento de 19,6% na taxa de mortes causadas por policiais por 100 mil habitantes em comparação com 2017.

A letalidade policial também foi o único indicador de morte violenta a apresentar crescimento entre 2017 e 2018. Os números de homicídios e de latrocínio (mortes que ocorrem em situações de roubo), por exemplo, caíram.

Para ajudar a entender esse aumento das mortes causadas por policiais, Aos Fatos explica e desenha abaixo fatos sobre o tema:

Dados. As polícias brasileiras — militar e civil — mataram 6.220 pessoas em 2018, o maior número já registrado na série histórica do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, cuja edição mais recente foi divulgada na última terça-feira (10). Isso significa que, no ano passado, 17 civis morreram por dia em intervenções de policiais tanto em serviço quanto fora dele. Só no estado do Rio de Janeiro, que teve a maior número absoluto de registros, foram 1.534 pessoas assassinadas.

Em comparação com 2017, quando 5.179 pessoas foram mortas por policiais, houve um aumento de 19,6% na taxa deste tipo de assassinato por 100 mil habitantes em 2018.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública registra um aumento paulatino neste indicador de letalidade policial desde 2012. No entanto, atribui os baixos números iniciais da série histórica a deficiências nos registros sobre esse tipo de morte. Segundo o Anuário, a partir de 2016, quando houve 4.222 mortes provocadas por policiais, os dados se mostraram “mais confiáveis e evidenciam o enorme desafio posto ao Estado Brasileiro no controle do uso da força de seus agentes estatais”.

O número compilado no Anuário se aproxima dos dados do Monitor da Violência, do G1, e do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo), que contabilizaram 6.160 mortes causadas por policiais em 2018. Isso significa que, em 2018, policiais foram responsáveis por cerca de 11 mortes violentas intencionais a cada 100 assassinatos no Brasil.

Segundo o Anuário, a maior parte destas mortes ocorreu quando os policiais estavam em serviço: policiais militares mataram 3.446 pessoas, sendo 3.126 durante o trabalho; policiais civis mataram 163 pessoas, 119 em serviço. Vale ressaltar que esses números não representam todos os dados compilados, uma vez que alguns estados não enviam os dados separados, apenas o total.

A estimativa do Monitor da Violência é que 90% das mortes decorrentes por intervenções policiais ocorram durante o serviço policial.

Comparações. As mortes decorrentes de intervenções policiais foram a única categoria dentro das mortes violentas intencionais — que englobam também homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte — que subiu de 2017 para 2018.

Algumas pessoas chegam a traçar uma causalidade entre esses dados, sugerindo que a violência diminuiu porque a polícia matou mais. O deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP), em seu Twitter, por exemplo, fez essa relação:

Mas o próprio Anuário descarta essa causalidade. Segundo o texto, assinado por quatro pesquisadores, não existe uma coincidência entre os estados com maior proporção de letalidade policial e as maiores reduções nas mortes violentas intencionais. Eles apontam que dentre os nove estados com as maiores proporções de mortes pela polícia, cinco (Pará, Goiás, Rio de Janeiro, Bahia e Paraná) não acompanharam a média nacional de redução nas mortes violentas intencionais.

Roraima e Tocantins, que registraram aumento das mortes violentas intencionais entre 2017 e 2018, também tiveram os maiores crescimentos nas mortes causadas por policiais: 183% e 99,4%, respectivamente.

O ex-secretário Nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da PM de SP José Vicente da Silva Filho corrobora com a posição dos pesquisadores do Anuário. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele disse que não há indícios de que a redução de homicídios esteja relacionada aos números de violência policial.

Quem a polícia mata? Quase a totalidade das pessoas mortas por policiais é homem (99,3%) e a maioria é negra (75,4%). As vítimas também são, em geral, jovens de 15 a 29 anos (54,8%) — a faixa etária que concentra mais vítimas (33,6%) é de 20 e 24 anos 33,6%.

Com relação à escolaridade, 81,5% das vítimas só chegaram até o Ensino Fundamental, 16,2% foram até Ensino Médio, e 2,3% ao Ensino Superior.

Investigações. Mas essas mortes causadas por policiais são investigadas? Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, não, porque, geralmente, a versão dos agentes é tomada como verdadeira. Poucos estados disponibilizaram para o Anuário as informações referentes às investigações. Os que enviaram citaram números baixíssimos, com no máximo três casos de policiais acusados de homicídios.

Conforme já explorado por Aos Fatos em checagens de declarações do presidente Jair Bolsonaro, não há informações disponíveis sobre punição policial no Brasil. Os levantamentos e reportagens sobre o assunto, no entanto, confirmam a conclusão do Fórum: são poucos os casos investigados.

Em 2012, o Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que analisou processos penais ocorridos entre 2001 e 2011 no RJ, disse que a tendência é que os casos sejam arquivados, prevalecendo a narrativa policial. Em 2005, por exemplo, 707 pessoas morreram no Rio de Janeiro em decorrência de intervenção policial, 355 inquéritos tinham sido instaurados, mas só 19 se tornaram processos. Desses 19, 16 foram arquivados a pedido do Ministério Público.

UOLem reportagem de 2017, com base em dados obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação), mostrou que em 2016, por exemplo, 252 policiais foram presos em São Paulo, mas apenas 25 deles foram acusados de homicídio. No mesmo ano, o Anuário de Segurança Pública compilou 857 pessoas foram mortas em intervenções policiais no estado.

O jornal Extra também realizou um levantamento para saber quantos PMs foram expulsos da corporação. De 2012 a 2018, 1.316 policiais tiverem expulsão decretada. A causa de 130 desses foi por homicídio.

Na próxima semana, o tema da HQ do Aos Fatos será a violência sofrida por policiais. Serão apresentados 5 fatos sobre a morte de policiais no Brasil.

https://aosfatos.org/noticias/desenhamos-fatos-sobre-violencia-policial-no-brasil/

Agressores de mulheres poderão ter que usar tornozeleira eletrônica

Projeto foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal 

Em relatório favorável ao projeto, o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) avaliou que o uso da tornozeleira eletrônica poderá contribuir para preservar a vida e a integridade física e psíquica de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. “A tornozeleira eletrônica permite que o agressor seja monitorado em tempo real pelo poder público e pode alertar automaticamente a vítima em caso de aproximação do agressor, permitindo que busque ajuda. O meio previsto é, portanto, eficaz para atingir o objetivo desejado“, afirmou Styvenson. Em sua opinião, a proposta se reveste “de especial importância num país que ainda ostenta a quinta maior taxa de feminicídios no mundo e onde diversas formas de violência contra a mulher continuam a crescer.”

Styvenson apresentou apenas uma emenda à proposta explicitando que o tipo de monitoramento ao qual será submetido o agressor — de localização. A intenção é evitar que o monitoramento inclua captação de imagens e de som ambiente, o que poderia levantar questionamentos judiciais sobre violação de intimidade e privacidade do monitorado. O texto agora segue para análise da Comissão de Constituição e Justiça, onde receberá decisão terminativa.

Fonte: sfnoticias

A morte no sistema prisional e a crueldade de representantes do Estado

 Às mortes ditas naturais nas prisões do Brasil e suas crueldades adjacentes, somam-se as mortes violentas. Há uma chance 6 vezes maior de morrer numa cadeia brasileira do que na sociedade livre.

“Hoje faz 7 dias que meu filho morreu. Eu pedi tanto para atenderem meu filho! Fui na assistente social, fui no enfermeiro, e não levavam o meu filho no hospital. A cada visita ele estava definhando mais. Sentia dores, passava muito mal. Eles me prometiam que ele seria levado no hospital, mas na semana seguinte, nada. Eu fui a tantos lugares. No final, meu filho foi internado e não me avisaram. Quando cheguei para visitá-lo na prisão, ele não estava. Levaram meu filho quase morto. Implorei para estar com ele no hospital.  Me disseram que precisava de autorização judicial. Eu não tinha mais forças, pedi ajuda para todo mundo, contratei um advogado e quando pude encontrá-lo, ele já não sabia mais que eu estava lá. Não mais podia dizer minha princesa, minha rainha, como ele fazia. Ele era um bom filho, sempre trabalhou, sempre me ajudou. Por que fizeram isso com meu filho? Por que não me permitiram o direito de ser mãe, de estar com ele”? 

Com detalhes e emoção, ela irradiou verdade. Falou numa reunião, repetiu numa audiência pública, insistiu de todas as formas que pôde porque não queria que outras famílias passassem pelo que a sua estava passando. As precariedades das condições de vida dos estabelecimentos prisionais não podem ser naturalizadas, ela dizia. Era uma voz eletrizante que denunciava: o Estado não pode se transformar, por ação ou omissão, no criminoso que ele diz querer punir, delegando aos servidores penais essa tarefa perversa de controle a qualquer custo em nome da suposta “proteção” da sociedade. 

O relato dilacerante de Ana, mãe de um jovem preso, reitera a análise de Vera Malaguti quando, ao tratar dos suplícios públicos do século XVIII às mazelas prisionais do século XXI, conclui que “a história da pena é mais violenta e horrível que a do crime”. Com 23 anos, detido pela primeira vez, ele não sobreviveu ao descaso da máquina penal.

Os crimes praticados por pessoas comuns contra outras podem ser revoltantes e trazer perdas irreparáveis. Porém, quando representantes do Estado o fazem, a perplexidade é maior. De qualquer pessoa se espera civilidade, mas de agentes estatais, para quem confiamos a vida e a segurança, exige-se responsabilidade, comprometimento com a verdade, preparo e a preocupação em agir de forma ética e dentro da lei. Quanto isso não acontece, a sensação de desamparo e injustiça tem efeitos sociais corrosivos.

O desespero de encontrar um familiar entregue à custódia do Estado sem remédio ou atendimento médico, transtorna. Na sociedade livre, muitas vezes também não são encontrados os recursos necessários, por falta de profissionais ou procedimentos as pessoas sofrem e perdem suas vidas. Porém, há a possibilidade de tentar buscar ajuda de amigos, ir a outros locais, aguardar o tempo que puder a consulta. A pessoa presa não tem essa alternativa, irá ver seu quadro se agravar sem sair da cela, dependendo de autorização para seguir a um ambulatório na prisão, quando existe, aguardando a liberação da escolta para o atendimento externo. Negar socorro não é pouca coisa. Os procedimentos administrativos sabem esconder intencionalidades atrozes. 

Os funcionários não passam ilesos, o sofrimento desses ambientes os atinge em várias dimensões. Ele pode ser expresso de algumas formas, uma é pelo adoecimento ao ver as pessoas presas sendo sujeitadas a rotinas antinaturais, ao descaso, à falta de sentido; outra é por meio da dessensibilização que permite justificar a atuação da instituição e a sua própria, admitindo ilegalidades e negligências, neutralizando o conflito interno.  

Neste contexto, as burocracias são muito funcionais, como máquinas, alienando as pessoas do significado do seu trabalho, operando os carimbos, escaninhos, autorizações e revogações. Mesmo em cenários desprovidos de lógica, elas são um recurso para que não seja necessário tomar contato com a dolorosa realidade. Por outro lado, presenciar ou participar de atos cruéis implica em pagar um preço em seu próprio senso de humanidade. A burocracia montada para desumanizar a pessoa presa só funciona se desumaniza também seus agentes.

Ana não foi a única pessoa que foi impedida de estar com seu familiar para ampará-lo e despedir-se quando em estado grave de saúde. Por vezes, mesmo a autoridade médica afirmando que são os últimos momentos da vida, que o quadro é imobilizador, a burocracia do controle requer uma autorização para o encontro. Familiares das pessoas presas são lançados como bolas de bilhar, em um jogo sem regras e razoabilidade, entre a administração penitenciária e o sistema de justiça: 

– “A senhora precisa solicitar ao juiz”. 

– “O diretor do presídio deve autorizar”. 

– “Pede para a Defensoria, é mais rápido”. 

Orientações desencontradas, em tempos próprios, que não correspondem ao fôlego da vida. 

Foi nesse cenário de insensibilidades que conheci Juliana. Ao receber a notícia do câncer do pai preso, viajou de outra cidade para visitá-lo em estado grave no hospital que havia sido internado. Ao chegar na UTI, foi informada pelos médicos do quadro e que, embora estivesse consciente, poderia não sobreviver até o dia seguinte. Os responsáveis pela escolta, mesmo conhecendo o prognóstico, entenderam que era necessária uma autorização judicial. Ela falou com o diretor do estabelecimento, implorou compaixão, tinha coisa importante a dizer, não teve sucesso. Foi ao Fórum, o juiz estava em audiência, não houve encaminhamento. Ligou para Ouvidoria Nacional, explicou o caso. Nossa vez de fazer contato com as autoridades no estado, inclusive o Secretário. Enfim, tarde da noite, a administração disse que autorizaria. Na manhã seguinte, quando se cumpriria a decisão, ao fazer contato com Juliana, soube que era tarde.

No estado inconstitucional de coisas do sistema prisional brasileiro parece que sempre é possível ficar pior. Se é difícil compreender a permissividade das autoridades com a ilegalidade do descumprimento da Lei de Execuções Penais em contraposição ao rigor da defesa da ordem pública pela enxurrada de prisões provisórias, imaginem aceitar a burocracia a serviço da vingança quando a ampulheta da vida chega ao fim. 

Às mortes ditas naturais nas prisões do Brasil e suas crueldades adjacentes, somam-se as mortes violentas. Há uma chance 6 vezes maior de morrer numa cadeia brasileira do que na sociedade livre. Um massacre não é fato fortuito. Tensões, medos, ameaças antecedem e sucedem esses assassinatos atrozes. Funcionários, mães, pais, filhos e tantas outras pessoas conhecidas das pessoas presas são impactadas de forma permanente. João, José, Rodrigo, Cezar, Daniel, homens e mulheres, tem sua existência interrompida sob a custódia do Estado, com sentimentos de indiferença e até satisfação de parte da população.

Afinal, o que queremos para o nosso país?

Para uns – como policiais e agentes penitenciários – entregamos a ilusória capa do Batman, exigindo o sacrifício do herói por um resultado que não lhes cabe; para outros, imprimimos a etiqueta do inimigo público, alvo fácil que justifica a violência da repressão estatal. Vidas e dinheiro público se esvaem nessa guerra fabricada que processa como questão burocrática banal a vida e a morte de pessoas.  

Lidar com a violência e a criminalidade presentes na sociedade brasileira implica compreender os fenômenos multifatoriais envolvidos e as estratégias de prevenção e enfrentamento necessárias. Reverberando os discursos mais simplistas, vingativos e cruéis, as autoridades estatais dizem não só da sua incapacidade de exercer sua função, mas também alimentam o que há de pior em nossa sociedade, carcomem nossa noção de justiça, nos fazem retroceder na nossa expectativa civilizatória.

Valdirene Daufemback é psicóloga, doutora em Direito e coordenadora do Laboratório de Gestão de Políticas Penais da UnB. Foi ouvidora e diretora do Departamento Penitenciário Nacional e perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.


 

Fonte: justificando

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