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ENTREVISTA – “O encarceramento feminino é uma consequência da sociedade”, diz nova coordenadora da Pastoral Carcerária

e2012"A lei fala em privação de liberdade, mas o Estado tira o direito dessa mulher transar, engravidar, criar os filhos". Foto: Divulgação/Irmãs Missionárias em Cristo

A Irmã Petra Silvia Pfalle foi eleita no começo de dezembro para comandar a Pastoral Carcerária, importante agente de defesa dos Direitos Humanos e da política de desencarceramento, a partir de 2019. Até então ela coordenava a área da mulher presa na Igreja Católica.

Alemã de nascimento, Petra chegou ao Brasil aos 26 anos. Ela começou a carreira no Bico do Papagaio, no Tocantins, e pouco depois se mudou para Goiânia, onde fez faculdade de Direito.

Petra assume a Pastoral em um momento delicado do país. O Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça se movimentam para implementar políticas de desencarceramento e proteção a minorias enquanto o Poder Legislativo e o novo presidente da República discursam em tom de endurecimento do tratamento penal, redução da maioridade e “empilhamento” de presos.

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Enquanto isso a Pastoral Carcerária segue desenvolvendo estudos sobre a luta antiprisional no mundo contemporâneo, os manicômios judiciários e os impactos dos indultos de Dia das Mães, além de manter campanhas permanentes contra qualquer tipo de tortura e políticas de desencarceramento amparadas por mais de 40 organizações da sociedade civil organizada.

No final de outubro ela esteve em Curitiba para um curso de formação de agentes da Pastoral Carcerária e conversou com o Conselho da Comunidade da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Petra fala principalmente das privações das mulheres, de um Estado opressor e afirma que o Judiciário é cúmplice por omissão em casos de tortura.

Esses foram os principais trechos da entrevista:

Quais as principais dificuldades e desafios da mulher encarcerada?

Há dificuldade em todas as dimensões de um presídio. Na porta de entrada, por exemplo, qual o perfil da mulher presa? Estando dentro, a questão da assessoria jurídica, a saúde da mulher, a infraestrutura do presídio, que é altamente masculinizado. Ninguém se preocupa com as particularidades das mulheres. Embora eu não discuta infraestrutura, porque nenhum presídio é adequado. Eu trabalho para o desencarceramento, ainda mais quando se pensa no aspecto da mulher e da criança juntas. Ninguém discute o pai e o filho na penitenciária, talvez pela questão cultural. São inúmeras dificuldades.

A senhora conhece penitenciárias de todo o país. Todos os estados prendem crianças?

Sim. Alguns têm maternidades, outros não. Alguns têm celas pintadas ou celas de apenas alguns metros que falam que é um berçário. E nisso há a questão da saúde da mulher. Aqui no Paraná tem um grande presídio feminino e ele não tem assistência social. Nem em Foz do Iguaçu. São duas unidades femininas entre mais de 34 no Estado. É lastimável o quanto o Estado ignora a situação da mulher. Elas são deslocadas dos seus domicílios: por exemplo, se mora em Londrina, Maringá, vai para Foz ou Piraquara. Isso distancia os vínculos familiares porque dificilmente ela terá visita. Mas elas têm filhos. Quando o Estado leva elas tão longe retira qualquer possibilidade de vínculo. No Paraná são 690 mulheres presas no sistema penitenciário e 717 nas carceragens. Há um desequilíbrio.

Nas delegacias, nas piores condições possíveis.

Sim. Se você vai para o interior do país ainda tem as cadeias mistas, com homens e mulheres. E para o homem o tratamento é um e para mulher, outro. Se um presídio tem 60 homens e 4 mulheres, eles andam soltos e as quatro ficam trancadas. As frentes de trabalho sempre são pensadas para os homens. As mulheres ficam trancadas 22h por dia. Em Maringá são 70 mulheres numa sala sem pátio para banho de sol, sem escola, trabalho, esperando a transferência. Mesmo as condenadas permanecem lá até conseguirem uma vaga. Só se consegue agilizar em duas situações: gravidez ou doença. A questão da Pastoral é dar assistência às mulheres nessas questões, contato com a família. Hoje a mulher aparece mais na imprensa, mas que direito ela tem? A lei diz que existe possibilidade de prisão domiciliar para mulheres mães. Ou seja, todas essas prisões em delegacias são ilegais. O Infopen diz que 80% são mães, 70% solteiras, mães solteiras. Quem cuida das crianças quando elas são presas? O encarceramento feminino é uma consequência da sociedade.

Como resolver a questão da prisão domiciliar. Há uma resistência do Poder Judiciário?

São coisas novas. A prisão domiciliar está no marco regulatório da primeira infância, protege a criança. E temos a questão do indulto do ano passado, a primeira vez que foi feito para a mulher presa. Algumas projeções indicavam que 14 mil iriam ganhar benefícios, mas apenas 3% daquelas que tinham direito saíram. Então, os diretores fizeram pedidos, a Defensoria Pública fez. O Poder Judiciário ficou muito tempo em cima da questão do tráfico. Mas a maioria é de mulas (carregadoras de drogas). O Judiciário acha que todas são líderes de organizações criminosas.

O que você identifica nas vistorias?

A questão do tráfico atinge 70% das mulheres e 40% dos homens. Ainda há inúmeros homicídios, estupros, e com taxas de resolução mínimas. Esses não estão sendo presos. A polícia prende onde procura. O tráfico do rico, do Centro, não aparece. O desencarceramento começa por aí, e também na questão das mulheres. Ninguém se pergunta o que a motivou a cometer um delito? Geralmente ela tem crianças em casa, sem dinheiro, algumas levando nas filas de visita. E para isso ainda o crime é agravante, 1/3 a mais da pena. Mas ninguém pergunta porque a mãe leva. Porque o filho é abusado, ou porque precisa pagar castigo, ou porque a facção obriga. A maioria é assim. O traficante não vai pedir para a própria irmã ou esposa. Pra mim o Poder Judiciário é coautor disso tudo. Falo isso para juízes e promotores. Quem não denuncia o cárcere, deixa as pessoas e principalmente as mulheres lá, é coautor de tortura por omissão. Olha a estrutura, estar presa numa sala com outras 70 presas é tortura. Não é só espancamento. Não ter assistência é tortura.

Qual é a pior realidade do país?

Não tem uma pior. Cada vez eu saio arrasada. Estou na Pastoral há 24 anos e a pior visita é sempre a de hoje. Todas são ruins. E você pode me perguntar: onde é a melhor, não tem? Algumas tem pontos melhores, a assistência jurídica funciona melhor, a questão da saúde é melhor orientada. Mas não é pela política pública do Estado, é por causa do diretor, do assistente, de pessoas que têm vocação, o dever de ajudar essas pessoas lá dentro. Não existe política pública. E entre o homem e a mulher, a mulher é sempre pior encarcerada. As agentes tratam a mulher pior, há uma penalização moral porque “a mulher não faz isso, tem filhos…”

Alguns estudos mostram que as mulheres são condenadas com mais rigor pelos mesmos crimes cometidos pelos homens.

Há um julgamento moral muito claro. Chamam elas de vagabundas. Até os palavrões contra elas são mais fortes. O homem que anda com arma é macho, mas vai deixar a mulher fazer isso, é vagabunda. Mulher ainda é para a casa. A mão feroz do Judiciário é a extensão disso. Mesmo no sistema, são normas específicas para as mulheres, normas que endurecem as visitas das mulheres. No presídio masculino não se pede teste de saúde para visita íntima. Para as mulheres, sim, o companheiro tem que apresentar. A mulher não tem direito de escolher engravidar na prisão porque compulsoriamente tem que aceitar a injeção de anticoncepcional. A lei fala em privação de liberdade, mas o Estado tira o direito dessa mulher transar, engravidar, criar os filhos.

A Pastoral Carcerária tem algum dado sobre a diferença da visita íntima para homens e mulheres?

Na fila da visita se você pergunta apenas 5% são para mulheres. E ainda quando é homoafetivo tem resistência na visita. No Paraná não sei como é. E dentro das unidades, se duas mulheres começam um relacionamento, o mais comum é a direção perceber e separar porque “vai dar problema”. Tem presídio que pode ficar junto, mas não pode beijar ou andar abraçada.

O que mudou de 24 anos, quando você veio para o Brasil, para 2018?

Triplicou o número de presos em função da lei de drogas. Há um entendimento de que essas pessoas são perigosas. Há falta de políticas públicas para as mulheres antes da cadeia. Se você fala com elas, têm quatro ou cinco filhos. Eu falei com uma em Belo Horizonte, uma jovem com três filhos, mãe solteira, e era aniversário de seis anos do filho do meio quando ela aceitou levar uma sacola de Manaus para Belo Horizonte com cinco quilos de maconha. Tava com luz e água atrasada também, aceitou. E queria fazer uma festa pro filho. A lei fala que o que ela fez é ilegal. Era uma bolsa de viagem num ônibus comum. Pegou oito anos de prisão. Mas que perigo representa? Isso piorou bastante nos últimos anos, essas situações. As mulheres que matam seus maridos, por exemplo. A violência contra a mulher aumentou espantosamente, mas quantas se defendem?

Por que o país lida tão mal com a questão penitenciária? Com tanto preconceito.

São muitos aspectos diferentes. A vítima no Brasil não tem o seu devido lugar. É uma punição também. A mulher que sofre um estupro não recebe atendimento. Onde está? Na família ou não, nas igrejas. Mas na delegacia, no IML, ela é tratada como lixo, culpada também, mandam pra casa e pronto. Depois de cinco ou oito meses ela tem que dar um depoimento, contar de volta, numa sala inadequada, para homens, toda aquela violência. A justiça não apaga a vítima. Por isso da importância da Justiça Restaurativa, que acolhe a dor da vítima. Uma das razões, então, sem dúvida, é essa raiva, a dor que não é acolhida e aumenta o desejo de vingança. É um círculo viciado. A imprensa faz a parte dela muito mal também. Na Alemanha não existe essa retratação cruel da violência mostrada no jornal, na TV, todos os dias. Um amigo europeu uma vez abriu o jornal e ficou horrorizado com uma foto de um acidente. O empresário preso por corrupção as vezes não tem nem o nome revelado. Mas o João da periferia vem com a foto, a prisão, e tudo mais.

Tem um fenômeno próprio do Brasil que são as coletivas da polícia para apresentar suspeitos. E para a sociedade a mensagem é de que ali está o culpado que merece condenação e esquecimento.

A vida dele acabou. E com crime de pedofilia, estupro. Aí você decreta a morte no sistema penitenciário também. Se for inocentado tem que mudar de cidade, de país. A imprensa aumenta essa raiva. Nós vimos isso nas eleições. Impressionante.

A raiva parecia represada.

Agora pode falar. Por que? Tem muito a ver em como eu lido com isso, o que faço com a minha raiva. No Brasil o sujeito não pode mais buzinar. Já buzinei uma vez e um cara passou do meu lado mostrando uma arma. Eu pensei que iria morrer. Não tem mágica para salvar a raiva. Por décadas o sistema prisional foi negligenciado, a violência aumentou, prenderam mais e depois esqueceram. Tem a questão de que a “prisão resolve a violência”. O Brasil é o terceiro país que mais encarcera. Todos os outros diminuíram e nossa violência aumentou.

O que o governo pode fazer para conter essa expansão no número de prisões e trabalhar de outra forma?

Aplicar a agenda do desencarceramento (que visa a ampliação das garantias da execução penal e abertura do cárcere para a sociedade). E não precisa fazer de forma radical porque nem a sociedade está preparada. Mas algumas coisas como indulto, prisão domiciliar para gestantes. Se isso ao menos fosse implantado. Os juízes têm caneta para isso. Mas o primeiro passo é o desencarceramento.

Nós deveríamos conversar com as crianças sobre o cárcere? 

Nós temos que estabelecer uma cultura de paz desde cedo. As pessoas precisam descobrir suas raivas, seus sentimentos, e ajuda se você trabalhar a violência com as crianças. Mas acontece um fenômeno estranho. O que acontece nas escolas quando a criança dá trabalho? Mandam ela para casa, ela perde dias de aula. É a mesma questão com o desencarceramento, a descriminalização das drogas. Não se olha de frente. A Holanda trabalha muito bem a questão da Justiça Restaurativa. Isso quer dizer que não tem violência lá? Tem, mas se trata de forma diferente. Na Alemanha, nos Estados Unidos. Nós temos que enfrentar a questão das drogas, dar tratamento para os viciados. A Constituição diz que a prisão é a última alternativa. Mas virou a primeira. Se você vê um acidente de trânsito, a primeira resposta automática é a prisão. Não se pensa em uma multa, em reparar o dano, sempre é a vingança. Numa briga entre dois vizinhos, por que precisa prender? É uma cultura de décadas. As pessoas não conseguem mais conversar sem judicializar as questões. Por isso que a Justiça Restaurativa é tão importante. Ela devolve o protagonismo para os personagens da história.

Como o país pode desenvolver essa Justiça Restaurativa?

É uma conciliação. Não pode ser uma mediação. Na mediação há uma espécie de negociação, algum lado precisa ceder. E nessa situação a raiva pode permanecer. Na linha das práticas restaurativas é uma conversa entre os dois, autor e vítima. E é impressionante como a conciliação funciona. Não só com pequenos furtos, mas com homicídio. Vi um caso de uma mãe que falou com a pessoa que matou o seu filho. É uma questão de restaurar as relações sociais.

Qual é a pior história que você encontrou no sistema penitenciário?

Principalmente as das mulheres pobres colocadas nesses infernos sem acesso a nada. Também tantas crianças lá dentro. Mas no momento é uma história de uma mulher jovem com gêmeos na prisão em Goiânia. O médico falou que ela precisa levar os filhos a cada 15 dias no pediatra, mas o sistema diz que não pode, só pode uma vez por mês. Nós compramos fraldas e roupas e levamos pra ela, que também é usuária. Nós queríamos levar aqueles travesseiros meia-lua que as mulheres usam para amamentar, mas a direção disse que não pode entrar porque ela poderia esconder coisas dentro. Mas é um presídio pequeno, com 60 condenadas, fácil para vigiar. Existe uma paranoia de segurança. Ninguém pergunta do passado dela, da trajetória dela. Ver ela com aquelas crianças dói pra caramba.

Fonte: CONSELHOCOMUNIDADECWB

Tiroteios e interrogatórios: a ditadura na visão de um militar do DOI-Codi

e1512Entre o final de 1970 e o início de 1972, o coronel reformado Pedro Ivo Moézia de Lima, hoje com 80 anos de idade, era o dr. Ítalo Andreoli. Então capitão do Exército, Moézia usava o codinome para atuar como chefe de uma das três equipes de interrogatório do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo durante a ditadura militar.

O órgão era comandado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que, na época, era major e usava o codinome dr. Tibiriça. Os DOIs foram criados em 1970 e se tornaram um símbolo do acirramento da repressão militar contra a luta armada após a decretação do AI-5 (Ato Institucional n° 5, de 1968), que completa 50 anos neste 13 de dezembro.

De acordo com o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, um documento do DOI-Codi de São Paulo, de novembro de 1973, aponta que, dos 5.680 presos políticos que haviam passado pelas dependências do órgão, pelo menos 50 teriam sido mortos.

Entre 2013 e 2014, durante depoimentos à comissão, tanto Moézia como Ustra contestaram os números do documento e disseram que as mortes teriam ocorrido fora do DOI, em combates entre militantes da luta armada e agentes do órgão.

Agora, em entrevista ao UOL, o coronel Moézia -- um dos poucos oficiais militares que atuaram no DOI-Codi de São Paulo ainda vivos -- repete parte do que disse à Comissão da Verdade. O militar aposentado nega ter praticado tortura e que mortes tenham ocorrido no local. Mas novamente admite que presos foram submetidos a "sofrimento físico" para obtenção de informações.

Moézia defende que o "castigo físico" é parte da solução para a investigação de crimes e afirma que o AI-5 foi necessário para evitar que o Brasil aderisse ao comunismo. Amigo de Ustra, que faleceu em 2015, o coronel também lamenta que o presidente eleito Jair Bolsonaro, depois da vitória nas eleições, tenha parado de fazer elogios ao homem acusado de comandar sessões de tortura.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista do coronel ao UOL.

UOL - Qual foi o significado do AI-5 para o Brasil?

Coronel Pedro Moézia - O AI-5 foi um ato necessário para permitir que o governo realizasse aquilo que era preciso naquele momento. Foi um ato de força, de exceção. De todos os atos baixados, foi o mais violento, o que maior impacto causou sobre a vida nacional.

Mas foi muito importante porque nós vínhamos de um período de agitação crescente. Era para durar alguns meses e acabou ficando por dez anos. 
Os anos de 1968 e 1969 foram muito duros. À medida que a situação ia piorando, o governo tinha que empregar os seus meios para fazer o enfrentamento à guerrilha urbana e rural que pretendia comunizar o Brasil.

Como era o seu trabalho no DOI?

O trabalho era duro, cansativo, estressante. Eu fui pra lá no pior período. Toda semana havia tiroteio, muitas mortes, muitos mortos em ação. A gente saia pra cumprir um mandado de busca e éramos recebidos a bala. Apesar disso, dávamos toda a oportunidade para o cara se entregar vivo, porque precisávamos deles vivos.

Não tínhamos interesse em matar. Mas, quando você chegava lá, era recebido a tiros, e em uma desproporção enorme. O cara lá normalmente tinha um revolverzinho vagabundo, uma arma antiga, e atirava, e a gente ia com metralhadora, granada. Enfim, começou a atirar, não tem mais jeito. 

Fui para lá pra ser chefe de equipe de interrogatório. Eram três equipes, cada uma fazia um plantão de 24 horas e descansava 48, revezando em busca e apreensão e análise das informações.

À Comissão da Verdade, o senhor disse que nunca presenciou ou participou de sessões de tortura, mas imaginava que algumas realmente ocorreram. Essa afirmação se refere ao que acontecia no DOI?

O que eles insistiram em me perguntar lá foi sobre tortura. Houve tortura? E eu dizia o seguinte: institucionalizada, não. Eles afirmavam que vinha ordem lá do presidente para tortura, lá do general de Brasília. Isso não existe.

O trabalho de busca da informação é muito difícil. O cara sabe uma coisa que você precisa e não quer dizer. Eu nunca torturei ninguém. Nunca encostei a mão em um cara desse. Eu era chefe, tinha que me dar ao respeito, porque, se eu largasse o pessoal, ia virar bagunça. Eu nunca torturei.

Eu atirei neles, ajudei a matar alguns, mas em combate. A gente ia para busca e apreensão, para prender o cara e estourar aparelho, e lá era recebido a bala. Então, a gente tinha que atirar, e eu te garanto que acertei em muitos deles, que vieram a morrer.

Agora, você vem me perguntar: havia tortura? Tortura é uma palavra muito pesada, mas que foi imposto sofrimento físico ao cara pra ele falar, foi. Eu não fiz isso, mas, com certeza, isso acontecia por lá. Em todo lugar do mundo, isso acontece.

O senhor diz que sua equipe de interrogatório não torturava e usava técnicas de persuasão para extrair informações dos presos. Pode-se dizer que, nas outras duas equipes do DOI, os métodos eram mais violentos?

É mais ou menos isso. As equipes todas tinham um padrão de comportamento, e isso dependia muito do chefe. Tinha um capitão do Exército, que era o chefe e, na sua equipe, tinha tudo: delegado de polícia, oficiais da Polícia Militar e outros agentes que eram encarregados de conversar com o preso que caía.

As outras duas equipes primavam mais pela rigidez do interrogatório. A minha era diferente. Quando você está interrogando, o interrogado se coloca em uma posição em que está preparado pra reagir. Enquanto você não baixa esse orgulho, esse denodo que o cara tem em resistir, você não consegue muita coisa. 

Então, você tem que deixar o cara baixar um pouco a bola, ficar abatido, porque aí começa a haver uma submissão do cara. 

Os caras acham que só tinha porrada, não é isso, não. Lá, nós agíamos com humanidade. Afinal, somos humanos, temos sentimento, coração. Agora, somos profissionais: se tem que fazer, você tem que fazer.

Reprodução/Facebook

Carlos Lamarca, no centro, de preto, e o hoje coronel reformado Pedro Ivo Moézia de Lima abaixado em frente a ele Imagem: Reprodução/Facebook

Como era a sua relação com o coronel Ustra?

Fui pra o DOI um pouco depois dele. Eu reputo o coronel Ustra como o maior herói que nós tivemos nos últimos 50 anos. Ele era o comandante, responsável por tudo o que acontecia e, por isso, foi crucificado. O Ustra nunca torturou ninguém. Esse caráter miserável, maldoso que todos tentam pintar dele é mentira. Era um homem religioso, profissional. 

O Ustra nunca encostou a mão em ninguém. Ele não tinha tempo pra isso. O comandante não pode se misturar lá embaixo com o cara que está ralando. Ele dá apenas a orientação, diz o que quer. 

(Nota da reportagem: as palavras do coronel Moézia contrastam com os depoimentos de presos políticos da ditadura que dizem ter sido torturados com a participação direta do coronel Ustra, como o hoje vereador Gilberto Natalini e a militante política Maria Amélia Teles.)

Ele era meu amigo. No fim da vida dele, a gente se reunia toda semana, à noite, na casa dele, assava uma carninha, tomava um vinhozinho, e discutíamos as coisas que estavam acontecendo.

Esse retrato de que o Ustra era um sanguinário, violento, isso é conversa de cara que nunca nem sentou em uma cadeira de interrogatório e quer dizer pra todo mundo que foi torturado no DOI-Codi.

Eu tenho até estranhado que o Bolsonaro passou a vida política toda dele enaltecendo a figura do Ustra e, depois da vitória, não ouvi mais uma palavra. Talvez isso tenha sido recomendado para não reacender a chama de que ele é fascista. Mas eu gostaria de vê-lo, depois de eleito, voltar a falar sobre a importância do Ustra.

O coronel Ustra chegou a ser condenado a pagar uma indenização no caso da morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino. O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu pela prescrição do caso, mas ainda cabe recurso. O que o senhor diz sobre esse episódio?

O Merlino era uma figura simpática. Era um jornalista conversador, bom papo. Vamos colocar o Merlino como um subversivo. Lá, nós tínhamos os subversivos e os terroristas. Eram dois tratamentos diferentes. Com o terrorista, era um tratamento mais duro. Com o subversivo, era outro.

O Merlino não era terrorista. Pertencia a uma organização, mas era um subversivo. Ele gozava de um livre trânsito lá em cima, a gente chamava para conversar. Houve um pedido do Rio Grande do Sul e ele foi convocado para uma acareação em Porto Alegre. Teve um deslocamento rodoviário, e o que consta nos autos é que ele tentou se evadir e foi atropelado.

Essa história vem se arrastando durante esses anos todos, influenciada por certas organizações de esquerda que têm interesse nisso. Esses órgãos ficam insuflando, eles querem dinheiro.

(Nota da reportagem: a versão de que Merlino teria morrido por conta de um atropelamento foi contestada pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, segundo a qual o jornalista foi torturado e morto nas dependências do DOI-Codi.)

Mas há também indícios de que outras mortes ocorridas no DOI-Codi também foram omitidas. O senhor nega que isso tenha acontecido?

Essa é uma história muito grande, vasta. Eu posso te dizer o seguinte: durante o período que eu servi no DOI, em São Paulo, ninguém foi morto lá dentro. Houve duas mortes, se não me engano, de caras que se sentiram mal, tiveram um problema de coração e morreram. Esses caras morreram, mas não foi por causa de tortura. Lá, eu te garanto: não houve mortes, assassinatos.

(Nota da reportagem: como citado na introdução desta entrevista, a Comissão Nacional da Verdade aponta que pelo menos 50 presos teriam sido mortos nas dependências do DOI-Codi de São Paulo.)

No começo, falava-se muito da Rua Tutóia, onde os presos eram levados inicialmente, porque ali quem estava no comando antes era o Dops, de São Paulo. Lá, todo mundo sabe que não tinha brincadeira. O Fleury (delegado Sérgio Fleury, que chefiava o Dops) foi o criador do Esquadrão da Morte.

Nós, do Exército, não temos esse temperamento, de matar, de trucidar, de torturar. Mas, para o pessoal da polícia, o dia a dia deles obriga a lidar com bandido, com a vida em jogo. Esses caras desenvolvem um mecanismo de defesa que é a violência.

Mas o senhor chegou a dizer que Fleury foi o maior delegado que São Paulo já teve...

O Fleury foi o maior delegado que São Paulo já produziu, apesar dos métodos dele serem heterodoxos. Durante o período em que ele esteve em São Paulo, o índice de criminalidade estava abaixo até da linha do razoável, porque ele controlava, ele conhecia o submundo do crime.

O Fleury tinha muito cachorrinho, muito dedo-duro, caras infiltrados que ele deixava em liberdade, mas que, em troca, ele usava como informante. Quando ele queria mandar um recado, ele apagava uma meia dúzia, desovava os presuntos por aí e São Paulo voltava ao nível sob controle. Toda polícia faz isso.

Eu não quero dizer que nós éramos santos. Nós trabalhávamos profissionalmente. Havia sofrimento físico? Sim, havia. Se não usar isso, você não tira informações de ninguém.

Valter Campanato-09.set.2014/Agência Brasil

Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, o coronel da reserva confirmou a existência de "castigo físico" contra esquerdistas realizada pela Polícia Civil de São Paulo durante a ditadura militar (1964-1985) Imagem: Valter Campanato-09.set.2014/Agência Brasil

Defender esses métodos do delegado Fleury não é aceitar que o Estado cometa crimes? Isso é aceitável?

Nós somos um país atrasado. Você não pode querer comparar o Brasil com a Suécia, a Dinamarca, os Países Baixos. São outros povos, com mil, 2 mil anos de civilização. O que eles trazem dentro deles está lá dentro do coração e da cabeça deles. Nós somos atrasados.

Você não vai querer colocar aqui no Brasil a mesma Justiça da Dinamarca, da Suécia. São pessoas diferentes. Então, existem duas justiças? Eu acredito que sim. Existem duas democracias? Eu acho que sim. Existe a democracia pura, que é praticada quase na sua verdadeira grandeza em alguns países, e existe a democracia relativa.

É a teoria da sístole e da diástole do general Golbery do Couto e Silva. Se a situação aperta, você aperta também. Se a situação melhora, você solta. Você não pode querer o exercício da democracia no Brasil, com esse bando de ladrão, analfabeto e pessoas despreparadas.

O castigo ainda é uma parte da solução. Não só o castigo, há uma série de coisas que tem de vir junto: educação, saúde, segurança, assistência. Mas, se não houver algo mais duro, pra causar aquele choque, não vai melhorar nada.

A democracia é o melhor regime, mas, na minha opinião, tem que ser uma democracia relativa, diferente da Europa. Aqui, no Brasil, democracia é sinônimo de esculhambação.

O senhor também disse, à Comissão da Verdade, que havia uma espécie de comando paralelo nas operações militares. Como isso funcionava?

As operações que eram realizadas eram de conhecimento restrito no Exército. Muita gente não sabia o trabalho que a gente realizava lá. E, como não sabiam, dificultavam o trabalho do canal de informação.

Só pra dar um exemplo: nós tínhamos autorização do Comando do Exército para deixar o cabelo grande, barba, bigode. Nós tínhamos que ser pessoas comuns, tínhamos que estar misturados dentro do grupo social. Não podíamos cumprir nossa missão de cabelo raspado, de coturno, de farda, porque nós seríamos um alvo fixo. Para poder desempenhar o nosso papel, tínhamos que agir como civis. Mas tinha comandantes que não aceitavam isso. A gente ia lá, cabeludo, e não deixavam a gente entrar no quartel.

Essas pessoas que impediam o fluxo normal das informações eram deixadas de lado, às vezes até comandante. Então, havia, por assim dizer, um canal paralelo.

A coisa tinha que sair lá de baixo, da ponta da linha, e ir até lá em cima, no SNI (Serviço Nacional de Informações), sem interferência dessas pessoas. O comandante, às vezes, não sabia de nada, mas havia alguma coisa acontecendo lá dentro. O canal de informação era firme, seguro e de pessoas que estavam comprometidas com a linha mais dura.

Depois da redemocratização, muitos agentes do regime militar criticaram a maneira como a cúpula do Exército reagiu às denúncias de abusos no período. O senhor concorda com essas críticas?

Eu, inclusive, escrevi um artigo em que critiquei o posicionamento das Forças Armadas, dizendo que eles colocaram nossas cabeças numa bandeja e entregaram para os nossos inimigos.

Durante esse tempo todo, foram anos de silêncio, ninguém dizendo nada. Nós, na época, éramos heróis, cantados em prosa e verso. Nossa atuação era enaltecida pelos nossos comandantes na época. Recebemos prêmios. Eu, por exemplo, tenho a mais alta condecoração do Exército em tempos de paz: a Medalha do Pacificador com Palma, que só é concedida pra quem cumpre missões com risco de vida. No entanto, nós fomos abandonados por nossos comandantes.

Alguns acham que é uma posição que o Exército tinha que tomar, porque a situação não permitia que se dissesse mais nada, para não piorar uma situação de revanchismo que as Forças Armadas iam sofrendo. Então, o Exército adotou a política do silêncio. Isso, pra nós, foi terrível. Nós fomos massacrados.

Fonte: UOL

Há 55 anos, pai de Fernando Collor matou um senador dentro do Congresso

e0912Os senadores Arnon de Mello e Silvestre Péricles de Goés Monteiro se desentendiam com frequência no Congresso, numa tentativa de medir forças – ambos tinham Alagoas como estado de origem.

Em 4 de dezembro de 1963, Arnon abriu os trabalhos com a seguinte frase: “Senhor presidente, com a permissão de Vossa Excelência, falarei de frente para o senador Silvestre Péricles de Góes Monteiro, que me ameaçou de morte”.

Silvestre não aceitou o desaforo de seu inimigo político e atacou verbalmente Arnon, que sacou um revólver e disparou várias vezes. Nenhum dos tiros atingiu Silvestre, que também estava armado, “mas jogou-se no chão e rastejou entre as fileiras de poltronas com seu revólver na mão”, como relata reportagem do Jornal do Brasil.

Dois tiros, no entanto, acertaram José Kairala, senador pelo PSD do Acre, que, junto com João Agripino, tentava parar a briga. Kairala, de 39 anos, substituía José Guiomard, do mesmo partido. Eram suas últimas horas como senador – devolveria o cargo no dia seguinte ao titular. Ele foi baleado no abdômen na frente do filho pequeno, da esposa e da mãe, que o prestigiavam no último dia de trabalho. Embora tenha sido socorrido, Kailara morreu no mesmo dia, poucas horas depois.

Pressionados pela população, os demais parlamentares aprovaram, por 44 votos a 4, a prisão dos dois colegas atiradores. Apesar do flagrante, assim como ocorre hoje, os outros senadores precisavam dar o aval para que Arnon e Silvestre fossem detidos. Não demorou para serem soltos e em 1964 foram declarados inocentes pelo Tribunal do Júri de Brasília.

Depois de deixar a prisão, Arnon foi nomeado novamente em 1970 para o mesmo cargo que ocupara antes. E, quando faleceu, em 1983, ainda representava o estado de Alagoas no Senado.

Fonte: yahoo

Estado firma convênio com entidade de ressocialização de presos

e0212A governadora Cida Borghetti assinou nesta segunda-feira (26), no Palácio Iguaçu, convênio que prevê repasse de recursos mensais para a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), de Ivaiporã, na região Norte, para que a entidade, que atua em parceria com o Estado e conta com o apoio do Tribunal de Justiça, possa dar início as atividades de ressocialização de presos do município.

Com a liberação de R$ 716 mil, recurso previsto para um ano, será possível atender inicialmente 42 presos em regime fechado, que estão em delegacias para a unidade. O ato de assinatura foi acompanhado pelo secretário de Segurança Pública, Júlio Reis; o deputado federal Ricardo Barros e o deputado estadual Alexandre Curi.

A APAC é uma entidade civil, sem fins lucrativos, que se dedica à recuperação e reintegração social dos condenados. Além desse repasse para custeio da unidade, está em trâmite no Paranacidade um recurso no valor de R$ 265 mil para ampliação da APAC, que possibilitará a abertura de mais 62 vagas em regime semiaberto.

A governadora destacou a importância do trabalho feito pelas APACs para a ressocialização de presos. “É importante essa parceria para a execução desse modelo, que tem se mostrado bem-sucedido. Uma iniciativa que vem ao encontro do pensamento do Estado, que preza pela humanização do sistema penitenciário e a ressocialização dos detentos”, disse Cida.

“A Secretaria da Segurança Pública tem dado toda a celeridade possível para possibilitar o início do funcionamento da APAC, que é um tratamento todo diferenciado, com índice de ressocialização mais alto do que em qualquer sistema de penitenciário do Brasil. Trata-se de um avanço”, disse o secretário de Segurança pública, Júlio Reis.

O projeto será iniciado, em Ivaiporã, em dezembro, devido ao repasse de recursos do Estado feito por meio de convênio com o Departamento Penitenciário do Estado do Paraná (Depen). O repasse de R$716 mil atenderá o período de dezembro de 2018 a novembro de 2019. Segundo assessor de planejamento do Depen, André Kendrick, o primeiro repasse que, se dará no próximo mês, é de R$ 57,5 mil. Os demais são trimestrais, no valor de R$ 181 mil, para atender despesas com a manutenção, encargos, alimentação e pagamento de funcionários.

“É uma parceria para abertura de vagas no sistema para o cumprimento de pena sob supervisão do Estado. Apostamos no projeto pela eficiência que tem demonstrado e pelo baixo índice de reincidência dos presos que estão nas APACs, que não passa de 10%”, disse André Kendrick. No sistema convencional, cada preso custa cerca de 4 salários-mínimos mensais ao Estado. No método APAC, o custo cai para aproximadamente 1 salário-mínimo.

SOLUÇÃO - De acordo com o prefeito de Ivaiporã, Miguel Amaral, com a abertura de vagas na APAC é possível reduzir o número de presos em delegacias no município. “Estamos com a cadeia lotada. Com essa iniciativa podemos levar 42 presos para a APAC, uma alternativa viável, que ajudará a solucionar ou, pelo menos, minimizar essa situação. Além disso, lá eles poderão trabalhar e participar de outras atividades de ressocialização”, destacou. O imóvel que abriga a APAC foi cedido pela prefeitura de Ivaiporã e reformado com recursos da propria entidade.

ESPAÇO - De acordo com Juiz do Tribunal Regional do Trabalho e integrante da equipe que coordena a unidade, Cicero Ciro Simonini Júnior, serão contratados para atuar na unidade de Ivaiporã funcionários em regime celetista, além de profissionais que farão trabalho voluntário.

O espaço conta com salas de aulas e cursos, consultórios médico e odontológico, barbearia, cozinha, capela e salas para atendimento psicológico e jurídico. Simioni destacou que os presos que serão transferidos passam por uma seleção prévia feita pelo Tribunal de Justiça.

“Contamos com uma estrutura completa para que o preso retorne recuperado para a sociedade depois do cumprimento da pena. Nossa disciplina é bastante rigorosa e na APAC eles são responsáveis pela limpeza do local e pela refeição, além de atividades de estudo, trabalho e outros cursos”, disse.

Segundo ele, esse método de recuperação de presos começou em Minas Gerais e está sendo estendido para todo país. “Temos um índice de 91% de presos recuperados, enquanto no sistema convencional o índice é de 14%”, informou.

De acordo com o juiz, o objetivo da APAC é gerar a humanização das prisões, sem deixar de lado a finalidade punitiva da pena. Seu objetivo é evitar a reincidência no crime e proporcionar condições para que o condenado se recupere e consiga a reintegração social.

Na unidade serão oferecidos vagas em regime fechado, semiaberto e trabalho externo, todas as etapas que compreendem o sistema de execução penal. Ao todo, serão disponibilizadas cerca de 102 vagas, depois da ampliação da unidade.

PARANÁ - A primeira unidade de execução da pena pelo método APAC, foi implantada na comarca de Barracão, em 2012, numa parceria entre Governo do Estado do Paraná, Tribunal de Justiça, Ministério Público e OAB/PR. Depois, foi criada a APAC de Pato Branco, cujo imóvel e material de construção foram cedidos pela administração municipal. Todas as unidades contam com a parceria e a supervisão de presos do Governo do Estado.

Fonte: aen

O mito por trás das longas penas de prisão

Enquanto EUA e Brasil vivem explosão da população carcerária, Noruega vem revolucionando o sistema de encarceramento                                       

e2711  Em dezembro de 2017, um tailandês chamado Phudit Kittitradilok foi condenado por roubar 574 milhões de baht (R$ 65 milhões) de 2,4 mil pessoas em um esquema em pirâmide que prometia altos retornos de investimento.

Ele foi sentenciado a impressionantes 13.275 anos de prisão ─ um período maior do que toda a era neolítica. Mas, na verdade, graças ao código penal da Tailândia que limita as penas, Kittitradilok vai passar "apenas" 20 anos atrás das grades.

Apesar disso, existe no imaginário coletivo a sensação de que a justiça está sendo feita toda vez que um criminoso é condenado a permanecer preso por um longo período de tempo, quando não, a vida toda.

O americano Terry Nichols, por exemplo, um dos cúmplices do atentado de 1995 em Oklahoma City, recebeu penas de prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.

Mas uma longa sentença de prisão mantém as ruas mais seguras?

Propósito da prisão

Quando um juiz determina a pena do réu, há quatro fatores principais que são normalmente levados em conta: retribuição (punir a pessoa por fazer algo errado), reabilitação (correção de comportamento problemático), segurança (manter ameaças fora da comunidade) e dissuasão (garantir que tanto eles quanto os outros tenham medo de infringir a lei no futuro) .

Algumas pessoas - principalmente promotores, e em países como os EUA - acreditam que uma longa sentença de prisão serve a todos esses propósitos.

Por exemplo, juristas como o procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, vêm pressionando por penas mais duras para conter a violência e o narcotráfico. Quem defende esse tipo de sentença argumenta que tais punições são mais adequadas. Eles dizem acreditar que isso dá aos prisioneiros tempo para pensar sobre o que fizeram de errado, e que o temor de voltar para a prisão serviria como motivador para permanecer no caminho certo.

Peso do sistema

Mas manter prisioneiros cumprindo penas muito longas pode sobrecarregar as prisões. Também é extremamente caro para os contribuintes. Um relatório de 2016 divulgado pela Faculdade de Direito da Universidade de Nova York, por exemplo, estimou que os EUA poderiam economizar US$ 200 bilhões (R$ 740 bilhões) em 10 anos se 40% da população carcerária do país fosse reduzida.

Outras pesquisas mostram que penas de prisão longas não funcionam. Além de serem aleatórias (por que 13.275 anos?), não há provas de que permanecer muito tempo atrás das grades acabe dissuadindo ex-presos de cometer novos crimes. Os criminosos parecem valorizar menos o futuro do que os não-criminosos, o que significa que penas longas podem parecer "arbitrárias" e só servem para deter até certo ponto. A educação também desempenhou um papel, uma vez que criminosos menos instruídos tendem a ser menos afetados por sentenças mais duras.

Estudos também mostram que a reincidência continua alta. Um levantamento de 2009 constatou que nos EUA, depois de três anos de prisão, 67% dos presos foram detidos novamente por um novo delito, 46,9% foram considerados culpados por um novo crime e 25,4% foram condenados à prisão.

No Brasil, um em cada quatro condenados reincide no crime: 24,4%.

Segundo especialistas, uma das razões é que muitos criminosos acham que não serão pegos novamente, mesmo depois de serem detidos uma vez. Sendo assim, o temor de voltar para a prisão não os impede de cometer novamente um crime.

Como resultado, enquanto a maioria das pessoas tende a concordar que os criminosos devem ser responsabilizados por seus crimes, as opiniões se dividem em relação a quanto tempo eles devem passar atrás das grades. As respostas são variadas, dependendo do interlocutor e de onde ele vive.

Apelo emocional

Dados compilados pela ONG Justice Policy Institute em 2011 constataram que a duração das penas para um mesmo crime varia enormemente no mundo todo. Em 2006, por exemplo, um criminoso condenado por roubo ficaria, na média, 16 meses preso na Finlândia, contra 72 meses na Austrália. Assalto? Quinze meses na Inglaterra e no País de Gales, e 60 meses nos EUA.

Os EUA são um exemplo abrangente quando o assunto é longas penas de prisão. O número de prisioneiros no país quadruplicou desde os anos 1970 - e agora, à medida que as sentenças se prolongam, condenados passam ainda mais tempo atrás das grades. A maioria dos prisioneiros está encarcerada por delitos relacionados a drogas ou violência.

Atualmente, os EUA têm a maior população carcerária do mundo, com mais de 2,2 milhões de presos, um sistema que custa US$ 56,9 bilhões (R$ 212 bilhões) por ano.

O Brasil não está muito longe. Possui a 3ª maior população carcerária do mundo, com mais de 700 mil presos.

"Costuma-se dizer que não há limite para o tempo de condenação quando se trata de crimes violentos", diz Ryan King, do Justice Policy Center, em Washington. "Essa tem sido uma força dominante em nosso sistema de justiça criminal há mais de 40 anos".

King menciona o final dos anos 1960, um período turbulento na história dos EUA. O país estava no auge da Guerra do Vietnã e dos movimentos dos direitos civis, o que desencadeou protestos e tumultos. Por sua vez, isso gerou inquietação e medo entre a população. Os políticos capitalizaram essa ansiedade. E continuam fazendo isso até hoje.

Desde então, o país registrou uma explosão na população carcerária: de 200 mil em 1974 para os atuais 2,2 milhões.

"A segurança é o principal enfoque do noticiário. Trata-se de uma discussão fundamental para todo político que queira se eleger", diz King. "Eles gostam de dizer 'eu vou agir duramente contra o crime e manter a população segura'. Muitos desses temas ainda têm bastante ressonância em 2018", acrescenta.

Os EUA também têm algumas das penas de prisão mais longas do mundo devido a seus valores culturais, que incluem uma ênfase extrema na responsabilidade pessoal, crença religiosa no bem e no mal e a ideia de que uma comunidade tem o imperativo moral de erradicar as más ações. Não é de surpreender, portanto, que um argumento comum no país a favor de manter os prisioneiros atrás das grandes por longos períodos seja a velha máxima: "Se você não puder cumprir a pena, não cometa o crime".

"Sob o aspecto cultural, os EUA são dedicados à ideia de individualismo - ou seja, de que as pessoas são responsáveis por suas ações", diz Christopher Slobogin, diretor do programa de justiça criminal da Universidade Vanderbilt, no Tennessee.

King diz que países como os EUA precisam buscar alternativas - uma abordagem mais preventiva em relação à violência, por exemplo.

"Isso não significa contratar mais policiais e promotores", ressalva. "Confiar na ação da polícia é uma resposta reativa. Fazer algo mais proativo exige investimentos profundos nessas comunidades", completa.

Mas quais são as alternativas?

Na Noruega, há resultados promissores. Ali, a pena de morte foi abolida em 1902 e prisão perpétua, em 1981. A sentença máxima de prisão é de 21 anos.

Como muitas prisões na Escandinávia, a prisão norueguesa de Halden adota uma abordagem diferente. Trata-se de uma prisão de segurança máxima. Mas as celas parecem quartos de hotel, não há grades nas janelas ou câmeras de segurança, e os guardas ficam desarmados.

À primeira vista, pode parecer um exemplo extremo, mas existem muitas prisões como essa em todo o país.

Thomas Ugelvik, professor de criminologia da Universidade de Oslo, diz que essas prisões são mais baratas, baseadas na confiança sobre os prisioneiros e, de certa forma, podem ser desafiadoras: uma responsabilidade maior é esperada dos criminosos.

Penas mais curtas também ajudam a reabilitação, o que nem sempre acontece com as mais longas. Pesquisas mostram que a Noruega tem uma das mais baixas taxas de reincidência no mundo - 20% em comparação com 67% nos EUA de dois a três anos depois de deixar a prisão, respectivamente. Ainda mais surpreendente, talvez, é o tempo médio de prisão na Noruega: apenas oito meses.

Ainda assim, uma ressalva é necessária.

"Os policiais vão esperar mais do preso em uma prisão como essa", diz Ugelvik. "Eles têm de trabalhar ou estudar; mostrar uma atitude positiva correta", acrescenta.

O baixo nível de segurança não é para todos, no entanto, e quando o sistema proporciona esse benefício ao condenado, isso é resultado de avaliações de risco rigorosas. A crença, diz Ugelvik, é que os prisioneiros progridem com a confiança.

"Quando você passa muito tempo em um presídio de segurança máxima e obtém uma transferência para um regime mais aberto, parece que o sistema confia em você pelo menos um pouquinho", diz. "Você tem que ser capaz de construir suas próprias paredes imaginárias em uma prisão de baixa segurança, e a maioria dos prisioneiros, frequentemente, faz isso com sucesso", acrescenta.

Outro equívoco é a ideia de que a punição mais dura - a pena de morte - pode impedir crimes hediondos.

Em abril deste ano, o presidente dos EUA, Donald Trump, defendeu a pena de morte para os traficantes de drogas.

"Com a atual crise da heroína e da epidemia de opióides [nos EUA], estamos mais uma vez vendo o poder executivo tentando resolver o problema da segurança pela intensidade da pena - como se a pena de morte evitasse a prática do crime", diz Ashley Nellis, professora e analista sênior de pesquisa do Sentencing Project, uma organização sem fins lucrativos sediada em Washington que defende a reforma da justiça criminal.

"Mas se você não acha que vai ser pego, isso realmente não importa", ressalva.

Evidentemente, crimes hediondos são um assunto à parte. É difícil argumentar contra uma longa pena de prisão para um assassino em série ou estuprador - especialmente se seu interlocutor é parente da vítima. Talvez seja aí que o ângulo de punição da prisão desempenhe um papel mais forte aos olhos do público.

Dito isto, os crimes violentos são minoria. "O problema é que parece que há muitos estupradores e assassinos em série à solta - felizmente, eles são uma minoria", diz Marcelo Aebi, professor de criminologia da Universidade de Lausanne, na Suíça.

Vício

Quando se trata de delitos relacionados a drogas, pelo menos, a melhor maneira de contornar o lado negativo das longas penas de prisão seria entender as motivações dos crimes - com o objetivo principal de evitar que mais pessoas entrem nesse mundo.

Por isso, Nellis defende que o sistema de justiça criminal não precisa ser a única resposta a comportamentos ilícitos, "particularmente para delitos de drogas e propriedade não violentos. Geralmente há um vício subjacente. Podemos tratar o vício com uma abordagem mais baseada em evidências - uma que lide com prevenção e intervenção e tratamento, em vez de um sistema de justiça criminal, que tem [pouco] conhecimento sobre dependência de drogas. Poderíamos gerar um impacto maior ".

A vida na prisão é uma punição extrema e, no grande escopo dos crimes, as infrações relacionadas às drogas talvez não justifiquem medidas tão radicais, especialmente porque as pesquisas mostram que a ameaça de sentenças mais longas não impede as pessoas de cometer esses crimes.

As sociedades e a política também diferem de país para país, de modo que a implementação de um sistema norueguês terá resultados diferentes em lugares diferentes, especialmente porque disso depende a ajuda proporcionado pelo Estado ao preso.

Portanto, quando se trata de sair da prisão rapidamente, mesmo em um país com penas de oito meses, parte disso ainda depende do indivíduo.

"É claro que a motivação é fundamental, e ninguém acredita que você pode forçar alguém a uma mudança positiva se não quiser", diz Ugelvik.

"Eles estendem a mão, mas os prisioneiros têm que escolher agarrá-la para que o sistema funcione", conclui.

Fonte: R7

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