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“Mestiçagem do Brasil nasceu do estupro”, diz português Valter Hugo Mãe

EM BUSCA DO OURO - Hugo Mãe: imersão na cultura indígena para criar obra - Sucesso na Bienal do Livro de São Paulo, o autor ama o Brasil — e se devota a um notável mea-culpa pelos males da colonização

 “A tão celebrada mestiçagem do Brasil foi inaugurada pelo estupro.” A frase é forte, e soa ainda mais pesada quando dita por um português. O escritor Valter Hugo Mãe é sincero em suas palavras, mas não consegue disfarçar a tristeza ao fazer a afirmação. Na semana passada, em visita a São Paulo para a 26ª Bienal do Livro, ele aproveitou para lançar presencialmente seu mais recente romance, As Doenças do Brasil (Biblioteca Azul), o oitavo de sua vasta produção literária — são mais de trinta obras. Editado em novembro passado, o título ganhou novos contornos com a emergência dos conflitos envolvendo, de um lado, grileiros, madeireiros, garimpeiros e traficantes; do outro, indígenas.

As doenças do Brasil

É a primeira obra do autor que se passa no Brasil, em um arquipélago fictício habitado por índios amazônicos, durante a colonização. Nas suas pesquisas, além de visitas a etnias indígenas na Amazônia e no Ceará, Hugo Mãe leu autores como Ailton Krenak e Davi Kopenawa para melhor entender a cosmogonia ameríndia. A obra é narrada por Honra, jovem índio filho de uma vítima de estupro perpetrado por um branco. Com dificuldades de se reconhecer como indígena e de ser aceito pelos demais, ele faz amizade com um negro libertado da escravidão e acolhido pela tribo.

A intenção do autor é narrar o violento encontro entre brancos e indígenas a partir do olhar dos nativos. “A globalização só será verdadeira com uma pluralidade de pontos de vista”, diz. Para Hugo Mãe, a violência da colonização calou e ainda silencia vozes e culturas de negros e indígenas. O escritor acredita que parte da tragédia social brasileira atual vem diretamente do passado, com as elites locais perpetuando o pensamento colonial de dominação dos menos favorecidos.

O paraíso são os outros

Adepto de uma linguagem trabalhada com esmero, Hugo Mãe é apontado como discípulo de José Saramago. Em comum com o Nobel português, ele também é econômico em sinais gráficos, inicia parágrafos em letras minúsculas e lapida frases como um ourives. O estilo ganha em plasticidade, mas às vezes a forma parece eclipsar o conteúdo. Assim como em Saramago, uma vez ultrapassado o estranhamento inicial com a linguagem, sobressaem histórias poderosas, personagens marcantes e temas profundamente humanos, como a solidão da velhice e o luto.

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Aos 50 anos, Hugo Mãe é um dos mais bem-sucedidos autores lusitanos contemporâneos e já conquistou algumas das maiores distinções da língua portuguesa. Apaixonado pela cultura brasileira, ele se declara fã de MPB e literatura nacional. Fazendo galhofa, mas com a reverência de um admirador, disse que já quis se casar com Elza Soares e que hoje “paquera” a escritora Conceição Evaristo.

A máquina de fazer espanhóis

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Com óculos de armação sóbria e sempre sisudo nas fotos, o autor revelou na Bienal um inesperado senso de humor. Ele levantou a plateia com frases como “Clarice Lispector é f***” — e soltou também um sonoro “Fora, Bolsonaro”. Habituado a visitar o Brasil, o português diz que desta vez ninguém quis acompanhá-lo na viagem. “A imagem que o país transmite é de uma catástrofe”, afirma. E finaliza afirmando que os portugueses veem o Bicentenário da Independência, no próximo 7 de setembro, com alegria: “Sobretudo pelo Brasil ter conseguido sua independência há tanto tempo. Poderia ter sido pior”. Eis um colonizador arrependido — mas que não perde a piada.

“Portugal foi um país opressor”
O escritor luso Valter Hugo Mãe falou a VEJA sobre literatura e os efeitos da colonização no Brasil e na África.

Como alguém nascido na Angola colonial e criado em Portugal, como é sua relação com o passado imperialista português? A presença branca na África e no Brasil foi atroz. A ocupação foi um processo histórico grotesco. Lamento que Portugal tenha sido uma nação opressora, mas minha geração sabe que a tirania existiu e tem reflexos até hoje. É preciso reconhecer isso para construir o futuro.

Os estudos críticos da colonização estão muito em voga. Como analisa essa nova perspectiva sobre o passado? Sempre ouvimos falar do homem pré-histórico, e isso era aceito sem questionar. Mas ao lado dele sempre existiu a mulher pré-histórica. O que está a acontecer à história neste momento é que as pessoas reclamam uma memória que também é feminina, negra, indígena. A verdade eurocêntrica não é mais inequívoca e isso é muito bom para nos abrirmos para novas perspectivas.

Seu livro fala da colisão brutal dos colonizadores com os nativos, incluindo a escravidão dos africanos. Em que medida ainda sentimos os efeitos desse choque? A diversidade tão glorificada do Brasil, a mestiçagem, que é uma espécie de inauguração do povo brasileiro, foi feita com estupros. Não podemos nos esquecer disso. Com o tempo, não só os corpos, mas as culturas foram se fundindo e se alterando. O resultado é uma exuberância racial e cultural, mas é uma riqueza complexa, desigual, difícil de abarcar toda a sociedade; há ainda muitos conflitos com que o Brasil precisa lidar.

Qual é sua relação com o português falado no Brasil, Angola e outros países lusófonos? De alguma forma, eu continuo a ser um português que vem buscar o ouro do Brasil, mas o ouro que me interessa é o vocabulário. A maturação da língua no Brasil e em outros países acontece mais rápido que em Portugal. Somos mais conservadores e o Brasil não tem problema em intrometer elementos novos. Isso é riquíssimo para alguém que gosta de escrever.

Publicado em VEJA de 13 de julho de 2022, edição nº 2797

Fonte: https://veja.abril.com.br/cultura/mesticagem-do-brasil-nasceu-do-estupro-diz-portugues-valter-hugo-mae/

Justiça vai à caça de sites que incentivam processos judiciais contra empresas aéreas

A Justiça Federal emitiu uma ordem para que 37 sites que estimulam a Judicialização no setor aéreo sejam impedidos de operar. Essas páginas da internet ou aplicativos buscam incentivar os passageiros a entrarem com ações judiciais contra as empresas, ao invés de buscar outros tipos de auxílio, como o serviço de atendimento ao cliente ou o Consumidor.gov. Tal prática é condenada no setor aéreo, que chama esses grupos de “sites abutres”.

O custo anual do setor aéreo com processos judiciais já alcança R$ 1 bilhão, segundo estimativa da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Dados da Corregedoria Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) revelam que desde o fim de 2019 até hoje, há 65 sites e aplicativos mapeados, os quais estimulam a judicialização na aviação comercial.

No período, a OAB ajuizou dezenas de ações nas Varas Federais de diversos estados para coibir essa prática. O motivo é o fato de que essas empresas violam o Código de Ética e o Estatuto da OAB, por meio de mercantilização da advocacia.

Voos com regularidade alta

Em 2021 e 2020, foram ajuizadas 215,9 mil ações, em um momento de queda da demanda em comparação a 2019 devido à pandemia. Naquele ano, foram apresentados 154,7 mil processos. O levantamento é do escritório Lee, Brock e Camargo Advogados, conforme recente matéria do Valor Econômico.

Esse aumento de ações aconteceu apesar de as empresas aéreas brasileiras terem registrado, em 2021, regularidade média de voos operados de 98%, desempenho igual ao das empresas norte-americanas, segundo levantamento da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR), com dados da ANAC. Nos Estados Unidos, o índice médio de regularidade também foi de 98%, de acordo com informações do Bureau of Tranportation Statistics (BTS).

Segundo a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), no Brasil são 8 processos a cada 100 voos, enquanto, nos Estados Unidos, ocorre 0,01 processo a cada 100 voos. Ou seja, a chance de o passageiro de um voo doméstico no Brasil processar a empresa é 800 vezes maior do que o de um voo doméstico em território norte-americano.  Já no mercado Brasil – Estados Unidos, esse número aumenta: são 79 processos a cada 100 voos. Praticamente em todos os voos entre os dois países deve acontecer, pelo menos, um processo.

Uma companhia aérea norte-americana com operação no Brasil realizou, em 2017, 5 mil voos diários no EUA e recebeu 130 processos ajuizados por consumidores naquele país. Aqui no Brasil, no mesmo período, a mesma empresa tinha 5 voos diários e recebeu em torno de 1.200 processos, ou seja, quase 10 vezes mais ações, mesmo operando 0,1% do número de voos que têm nos Estados Unidos.

Fonte: https://aeroin.net/justica-vai-a-caca-de-sites-que-incentivam-processos-judiciais-contra-empresas-aereas/?amp

Mãe de autista agredido pede socorro... Existe de fato inclusão social

Imagem em destaque Muito se milita em torno da tão propalada INCLUSÃO SOCIAL, mas o que de fato tem sido feito para que ocorra a inclusão social daqueles que realmente precisam?

Grande parte do que temos visto da dita INCLUSÃO SOCIAL, não passa de ferramenta política para controle e manobra de grupos auto-segregados por interesses ideológicos; em contraponto vemos os reais necessitados de inclusão serem esquecidos, desprezados e até mesmo agredidos.

Na última terça-feira (21) em Foz do Iguaçu, no estado do Paraná, uma criança autista foi agredida na saída da escola, o jovem Breno de apenas 12 anos, estudante do Colégio Ayrton Senna da Silva, no Jardim Lancaster.

Breno foi agredido por estudantes mais velhos, ferindo o seu rosto e provocando sangramento na boca.

Ao chegar em casa machucado e sangrando, Márcia Castro, mãe de Breno ficou desesperada e se dirigiu ao colégio para saber o que havia ocorrido e o que o colégio faria a respeito, porém a mãe ouviu dos responsáveis que nada seria feito pois o fato teria ocorrido fora das dependências da escola.

A irmã do menino, revoltada com a crueldade feita com o irmão e com a atitude dos responsáveis do colégio acabou postando sua revolta nas redes sociais, mostrando o estado em que seu irmão chegou em casa. Sangrando e com um olhar desesperadamente assustado.

Os pais de Breno registraram um Boletim de Ocorrência na 6° Subdivisão Policial de Foz do Iguaçu. Em seguida o exame de lesão corporal e o encaminhamento ao DEIA (Delegacia do Adolescente), isso tudo contrariando as advertências dos responsáveis pela a escola que, segundo a mãe de Breno, ao invés de ajudar, queriam coibir que a família expusesse o caso em redes sociais e que não se registrasse Boletim de Ocorrência.

As imagens da agressão rapidamente viralizaram nas redes chocando a todos e revelando o aparente despreparo do colégio na questão da inclusão social daqueles que realmente necessitam como é o caso do menino Breno, que tem autismo.

Vale ressaltar que não foi a primeira vez que Breno foi agredido. Pouco tempo atrás o menino, que parece ser alvo freqüente de perseguições, recebeu chutes nos testículos, isso em outro episódio de trauma para a família.

O que será feito daqui para frente nesse caso emblemático é uma incógnita, pois isso acontece em muitos locais do nosso Brasil e as autoridades competentes precisam tomar ciência e atitude eficaz, pois a violência escolar parece estar sendo normalizada e ignorada.

Os casos são frequentes e graves. Recentemente no Norte do Paraná, no município de Apucarana um jovem de apenas 13 anos perdeu a vida por conta da violência escolar.

Precisamos despertar para essa situação e fazer valer a verdadeira INCLUSÃO SOCIAL, removendo as falsas bandeiras políticas das massas de manobras ideológicas.

Enquanto isso não for feito continuaremos vendo marchas de "legalizações" e de "orgulhos" hipocritamente executadas, tentativas de alterações na língua portuguesa e outro absurdos enquanto crianças autistas são agredidas e até mesmo tendo suas vidas ceifadas diante dos nossos olhos.

Saiba mais assistindo ao vídeo e compartilhando o depoimento de Márcia Castro, mãe do menino Breno.

Fonte: https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/40118/mae-de-autista-agredido-pede-socorro-existe-de-fato-inclusao-social-veja-o-video

Vigiar e punir: tornozeleira eletrônica monitora 80 mil pessoas no Brasil

Tornozeleira eletrônica - Mauro Vieira/Zero Hora/Folhapress - Mauro Vieira/Zero Hora/Folhapress Quem olha de longe imagina que pouco ou nada mudou na vida de Rogério* desde que deixou a prisão, em 5 de abril. Enquanto responde em liberdade a um processo por estelionato, o empresário pode circular sem grandes transtornos por Sorocaba (SP), sua cidade. Ou poderia.

A tornozeleira eletrônica que o acompanha por medida cautelar não é mero adereço. O equipamento é leve e discreto, não machuca e nunca dá pane. Leva cerca de 3 horas para ser carregado na tomada e sua bateria dura, em média, um dia inteiro. Mas a rotina do homem de 42 anos só parece ser a mesma de antes.

Por ordem da Justiça, Rogério está impedido de trabalhar e não pode sair de casa, a não ser com autorização judicial. Quando foi liberado para visitar a sogra, no litoral de Santa Catarina, um simples passeio de bermuda pela praia se tornou um constrangimento. A caminhada foi interrompida quando percebeu os olhares de espanto e desprezo.

Sua localização é enviada a uma central de monitoramento por GPS. Quando entra num local sem sinal, a tornozeleira começa a vibrar como um celular escandaloso. Certa vez, no mercado, ele avistou dois policiais na entrada e travou. Teve medo de que a tornozeleira apitasse. "Será que vão me abordar aqui na frente de todo mundo?", pensou.

Rogério teme ir ao médico ou passar pela porta giratória da agência bancária. A relação com o objeto acoplado a seu corpo é de "estranheza", define. "A Justiça fala que você está livre, mas te joga de frente para a sociedade dizendo: 'ele tem problema com a Justiça'. O processo deixa de ser só seu; vira um processo aberto", conta. Um misto de vergonha e de medo da reação dos outros também o fez optar por vestir sempre calça comprida.

O cinto do Big Brother

Rogério é uma das 80.332 pessoas monitoradas eletronicamente no país. A maioria é homem (71,7 mil) e cumpre pena em regime semiaberto (39,9 mil) por crimes contra o patrimônio (12,7 mil) ou relacionados à Lei de Drogas (10 mil), segundo dados mais recentes do Depen (Departamento Penitenciário Nacional). Em 2015, havia 18,1 mil pessoas monitoradas.

O aparelho ganhou os noticiários com a prisão de políticos e empresários no auge da Operação Lava Jato. Mais recentemente, virou pivô de disputa entre o STF (Supremo Tribunal Federal) e o deputado federal Daniel Silveira (PTB), que se negava a usar o equipamento, ordem que havia sido dada pelo ministro Alexandre de Moraes.

Essa queda de braço só acontece hoje porque, seis décadas atrás, o jovem Chino atirou contra Tony no musical norte-americano "West Side Story", transformado em filme em 1961. A cena deixou inconformado Ralph K. Schwitzgebel, pesquisador de Harvard. O final trágico do protagonista, pensou ele, poderia ter sido outro se houvesse uma forma de monitorar os passos do vilão da história.

Junto a outro cientista,, Schwitzgebel elaborou nos anos 1960 um dispositivo apelidado de "Cinto do Big Brother" — referência ao clássico de George Orwell —, capaz de receber e enviar sinais a uma central. Era o protótipo do que se tornaria a tornozeleira eletrônica.

A invenção, porém, precisou esperar mais uns anos para virar realidade. Na década de 1980, da ficção também partiu a centelha para o juiz Jack Love, do estado norte-americano do Novo México, idealizar uma pulseira de monitoramento, como vira em uma HQ do "Homem Aranha". Dessa vez o avanço da tecnologia favoreceu o inventor.

O objeto da ficção foi adaptado como tornozeleira na vida real, capaz de emitir sinais de rádio a cada minuto a um receptor ligado a uma linha telefônica. Um computador central servia de apoio. Mais tarde, esse tipo de monitoramento passou a ser feito via GPS — e a ser adotado em massa em países como os EUA.

Made in Brazil

No Brasil, a inspiração não veio da Broadway ou da Marvel. O engenheiro mecânico Sávio Bloomfield, 60, fundador da Spacecom, empresa de monitoramento sediada em Curitiba, conta que seu irmão, ex-policial e hoje seu sócio, tinha acabado de assistir a um dos filmes da franquia "Velozes e Furiosos" e notou que um dos personagens usava tornozeleira eletrônica.

Propôs: que tal trazer ao Brasil um aparelho do tipo? Sávio gostou da ideia e foi visitar empresas dos EUA pensando em parcerias. As companhias, entretanto, olhavam com desconfiança para o potencial do mercado brasileiro. Ele decidiu então desenvolver seu próprio equipamento. Um que, segundo ele, levasse em conta "a realidade do Brasil". "Nos EUA as casas são de madeira, não de alvenaria, e a frequência dos equipamentos é um pouco diferente da nossa", explicou.

Para vingar, esses equipamentos deveriam ser à prova de fraudes e capazes de identificar quando alguém tentasse sabotá-los com papel alumínio ou deixasse descarregar de propósito. Também era preciso criar uma forma de registrar tudo isso e alertar as autoridades. E, para que a tornozeleira pudesse ser introduzida no país, a Lei de Execução Penal precisou ser alterada. A partir de 2005, os irmãos Bloomfield começaram a percorrer os corredores do Congresso, do Judiciário e do Executivo para mostrar que a tecnologia era viável.

No Senado, a ideia foi defendida por Aloizio Mercadante (PT-SP) e Magno Malta (PL-ES), autor do projeto de lei de 2007 sancionado por Lula, em 2010. Malta citava as experiências de EUA, França e Portugal para dizer que a tornozeleira melhoraria a inserção social dos condenados, evitaria a ruptura de laços familiares e a perda de empregos.

A Spacecom ganhou a licitação da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo pouco depois. O contrato é renovado de tempos em tempos; o atual, por exemplo, foi firmado em 2018, renovado em 2020 e vai até 2023.

Os aparelhos passaram por diversas modificações. A quarta geração de tornozeleiras (a mais atual) pesa cerca de 180 gramas e atua com duas operadoras de telefonia.

Com 255 funcionários, a empresa afirma monitorar cerca de 62 mil pessoas em 16 estados. As tornozeleiras são "emprestadas" aos governos, que podem contratar monitoramento pela central da própria companhia — o tempo de uso varia, mas a média é de 6 meses. Atualmente há diferentes fabricantes no Brasil — alguns deles inclusive montaram estandes na última Exposec, a maior feira de segurança da América Latina, realizada em junho, em São

Preso pelo pé

Morador do Recife, Luiz Alberto*, 50, cumpre pena por tráfico de drogas em regime semiaberto, com a obrigação de trabalhar 6 horas por dia, com carteira assinada. "É de casa para o trabalho, do trabalho para casa", conta ele, monitorado por tornozeleira eletrônica desde outubro de 2021. "Se o carro quebrar, tenho que ligar para a central [de monitoramento] para avisar."

No dia a dia, Alberto também usa calça para esconder a "pulseira", como ele diz. O modelo é recarregado diariamente, o que leva cerca de 2 horas. "Deixo pra fazer isso na hora de dormir. Ligo o carregador e durmo", conta.

Até hoje, a tornozeleira só falhou uma vez. "Estava brincando com minha neta na piscina. No dia seguinte, a luz do aparelho ficou roxa. Quando isso acontece é como se eu estivesse fugindo. Pedi para o advogado avisar [à central] o que estava acontecendo."

Problemas com a tornozeleira não são incomuns, diz uma agente penitenciária do Maranhão que conversou com o TAB sob a condição de anonimato. Recarregar o equipamento enquanto se dorme, por exemplo, às vezes requer uma vigília. Também há casos de sumiços temporários do "radar" da central, justificados por encontros românticos e subidas em montes para orações.

"Uma pessoa em prisão domiciliar foi assassinada quando usava o equipamento", conta a agente. "Um colega do presídio precisou ir até o IML [Instituto Médico Legal] retirar a tornozeleira do morto."

Tornozeleira e serviço de monitoramento custam R$ 200 por mês, segundo Sávio Bloomfield. O valor é pago pelos estados ou pelos acusados — em Goiás, por exemplo, o "empréstimo" fica a cargo de quem vai usar; no Ceará se discute "aluguel" similar. O Depen diz repassar R$ 75 milhões para os estados comprarem equipamentos e implantarem centrais. Manter alguém no sistema carcerário custa cerca de R$ 2.000.

A economia com o uso da tornozeleira, em vez de manter pessoas em prisões temporárias, era uma das justificativas de Malta para convencer os colegas do Senado a aprovar a lei. "[O] limite territorial determinado pelo cárcere não é mais um aspecto positivo do controle penal, mas um inconveniente, haja visto que é insustentável para o Estado manter aprisionadas as inúmeras pessoas condenadas", escreveu o senador no projeto de lei. "O controle eletrônico surge para superar as limitações das penitenciárias, podendo ser universalizado."

Carcereiros de si

Quase 15 anos depois, o uso da tornozeleira eletrônica não aliviou a superlotação de presídios. Hoje, 919.615 brasileiros estão nas prisões, um recorde histórico. Além disso, segundo um relatório do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em parceria com o Depen, o uso da tornozeleira, "via de regra, provoca danos físicos e psicológicos, [e] limita a integração social" dos usuários.

Para o historiador Dudu Ribeiro, especialista em políticas públicas e fundador da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, a tornozeleira eletrônica em nenhum momento foi, no Brasil, um instrumento de desencarceramento. "Ela potencializa a precarização da vida quando, por exemplo, um governo discute a cobrança do aluguel desses equipamentos para as pessoas apenadas", diz, citando o exemplo do Ceará.

A tecnologia, diz o sociólogo Ricardo Campello, autor de "Curto-circuito: Monitoramento Eletrônico e Tecnopunição no Brasil", se tornou "um controle suplementar de saídas temporárias no regime semiaberto e supervisão do cumprimento de prisões domiciliares ou medidas em regime aberto" — isto é, complementar. As exceções são personalidades como políticos e empresários, que, na prática, veem na tornozeleira uma alternativa ao tempo de cadeia.

O dispositivo conferiu poder a quem opera os sistemas — os profissionais da ponta e os técnicos, que não necessariamente entendem de lei, assim como juízes não necessariamente entendem da tecnologia. É possível, por exemplo, que uma falha no equipamento seja interpretada como descumprimento de regra. No fundo, é como se a Justiça estivesse transferindo a responsabilidade para o próprio sujeito penalizado, que vira um "carcereiro de si mesmo".

Entre os clientes do advogado criminalista Adib Abdouni, 48, a queixa é que o aparelho incomoda e requer cuidados — se estragar, quem se prejudica é o próprio portador. Ainda assim, Abdouni ouve que é melhor estar na rua com a tornozeleira do que sem ela e preso.

O maior problema, destaca ele, é a "mácula" carregada pelo usuário. "A algema só é usada quando a pessoa é transportada. A tornozeleira fica 24 horas com você."

'Loja da Corrupção'

"Aquela tornozeleira que ela estava usando era nossa", diz Sávio Bloomfield, ao se lembrar de um "ensaio ousado" da doleira Nelma Kodama, presa na Lava Jato, para a revista Veja, em 2016. Beneficiada por um indulto em 2017, foi presa em abril por tráfico internacional de drogas, em Portugal.

Não foi a única vez que o produto foi tratado como ícone de ostentação. Em 2018, Bloomfield se surpreendeu com uma espécie de exposição no aeroporto de Brasília em homenagem à Lava Jato. Lá havia um mural repleto de tornozeleiras estilizadas.

Na época, a Netflix divulgava a série "O Mecanismo" e montou estandes em aeroportos, batizados de "Loja da Corrupção". Tornozeleiras diversas, algumas feitas para ornar com salto alto, dividiam espaço com cuecas forradas de dinheiro e gravatas filmadoras.

Bloomfield se esquiva de comentar o caso Daniel Silveira, mas, como bom empresário, lembrou à reportagem que a tornozeleira usada pelo deputado não era das suas e devia ter problemas de fabricação. TAB entrou em contato com a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal, onde a medida deveria ser cumprida, para questionar qual era a empresa fornecedora do serviço, mas não houve resposta.

"Queira ou não, a pessoa não quer ter sua liberdade vigiada. Principalmente político ou grande empresário, né?", diz Bloomfield. "Qualquer tentativa de fraude fica registrada no sistema. É o juiz quem vai tomar sua decisão baseado nesse monitoramento." Tudo, afinal, fica registrado. Como queriam os pioneiros.

Fonte: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2022/06/20/vigiar-e-punir-tornozeleira-eletronica-monitora-80-mil-pessoas-no-brasil.htm

Ser policial não é (não deveria ser) pra qualquer um

Ser policial não deveria ser qualquer um Nas últimas semanas, pelo menos dois episódios envolvendo suposta violência/abuso de autoridade policial me chamaram a atenção: um torcedor do Brasil de Pelotas que se envolveu numa briga chegou aparentemente bem no hospital, conduzido por policiais, e acabou sendo internado na UTI em estado grave após entrar numa sala reservada com os PMs (outros também detidos alegam que os militares lhes bateram e ameaçaram); em outro caso, uma cena ainda mais chocante: um indivíduo é colocado no porta-malas da viatura e lá morre sufocado com spray de pimenta. A cena foi filmada, mas não recomendo a sua assistência.

Em ambos os casos, as vítimas estavam comprovadamente cometendo ilegalidades. No primeiro, o torcedor se envolveu numa briga. No segundo, se tratava dum motociclista que trafegava sem capacete.

Um dos motivos que me afasta dos estádios é justamente a real possibilidade de me ver em meio a uma confusão generalizada, mesmo eu, um pacifista convicto. Dou um boi pra não entrar numa briga. E uma boiada pra reforçar meu argumento. O repórter esportivo Cristiano Silva, da Rádio Guaíba e ex-integrante de torcida organizada, é enfático ao defender: “não leve sua família, seus filhos aos estádios. É perigoso.” É a posição de alguém que não só gosta de futebol como o entende e mais: vive dele!

Esses brigões, que nem sei se merecem o título de torcedores, são de fato lamentáveis personagens do evento futebol, que movimenta a economia e gera empregos, além de ser mais uma opção de lazer aos trabalhadores tão massacrados com jornadas de trabalho exaustivas. Merecem os arruaceiros serem punidos por seus crimes.

Já no caso do motociclista sem o aparelho de autoproteção, o que teria motivado a ação enérgica dos policiais rodoviários federais é que ele teria resistido às ordens dos agentes. Segundo familiares, o homem sofria de problemas psiquiátricos.

Policial arrastou homemem moto responder tortura racismo

Imagem: reprodução

Com todo respeito e pesar aos familiares da vítima da “câmara de gás”, vamos por um momento supor que o homem tenha ameaçado os policiais (embora estivesse desarmado) e que eles não tivessem como saber que o condutor tinha problemas mentais (parece que carregava a receita dos remédios controlados consigo); e no outro caso, vamos também partir do princípio de que o torcedor internado tenha puxado briga inclusive com outros que só queriam assistir à partida (talvez com seus familiares). Mesmo com essas premissas de pior dos casos, com certeza não se justifica a ação dos policiais. A valorosa Brigada Militar, a polícia militar gaúcha, que em 1961, sob o comando do então governador Leonel Brizola, se colocou ante o Palácio Piratini para garantir a democracia do nosso país, com certeza não compactua com ações desmedida e gratuitamente violentas não só com suspeitos de crimes como por eventuais condenados mesmo. Quanto à ação da Polícia Rodoviária Federal, também não se espera essa postura para conter uma pessoa exaltada. Será que dois policiais em tese bem treinados não dariam conta de conter um indivíduo sem precisar lhe jogar gás no organismo (ainda que ele não tivesse morrido acho o uso do artefato no mínimo questionável, em algumas situações)?

O senso de justiça felizmente atinge a todos. Natural que, ao nos depararmos com alguma situação de covardia, como são os crimes, queiramos “fazer justiça com as próprias mãos” ou torcer que alguém o faça. Só que, ao eventualmente fazermos isso, estaremos nós cometendo um crime. Os policiais, por sua vez e por mais paradoxal que seja, não só não podem ainda mais fazer isso, como devem eles próprios garantir a integridade também dos supostos transgressores.

Além disso, os maniqueísmos são sempre perigosos, pois tendem a observar somente um lado do evento. O que parece correto para um pode não o ser para outro. Daí a importância das leis, normas e regras de conduta para se ter o parâmetro de como agir.

E aqui faço uma provocação: os policiais designados para manter a ordem e a segurança em manifestações conseguem fazê-lo com a imparcialidade institucional que deveriam ter ao usar uma farda e um armamento fornecido e licenciado pelo estado?

Na turbulenta eleição que se afigura, terão nossos policiais a serenidade e integridade que se espera deles nas suas ações que infelizmente devem tomar nas lamentáveis ocorrências que venham a acontecer?

Ser policial, no Brasil, é um ato de coragem, honradez e que merece um reconhecimento social que muitas vezes tem por apenas uma parcela da população e não pelo ente federado mantenedor. E outra parte das pessoas, por algum ressentimento, percepção errada, trauma ou outro motivo vê na polícia uma inimiga. A discutir as suas razões para isso.

Mas, dada essas circunstâncias, conclui-se que não basta ter coragem e querer fazer o bem (seja lá o que isso for) para ser policial. É necessário uma ética talvez acima da média, pois o agente certamente se defrontará com eventos que desafiarão seu autocontrole, suas convicções equivocadas, seus preconceitos inconscientes, suas ideologias, entre outros.

Fonte: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2022/06/ser-policial-nao-deveria-qualquer-um.html

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