Bandidos fogem de presídio com técnica do século 14

Você já ouviu falar em “teresa”? É uma escada improvisada com lençóis para fugir da cadeia. Uma técnica de 800 anos atrás, usada em 29/1/2023 por traficantes do Rio.
Foi assim que três bandidos dos mais perigosos do país escaparam da Penitenciária Lemos de Brito.

Por trás das grades: conheça histórias e desafios de detentos do primeiro presídio LGBTQIAPN+ de Goiás

r Internos relatam suas rotinas no sistema carcerário, o abandono familiar e os estigmas enfrentados. Para entender o acompanhamento desta população, g1 ouviu detentos e órgãos que atuam na unidade.

"Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com humanidade e respeito à dignidade". Esse é um dos princípios fundamentais que motivou o surgimento de um projeto inovador em Goiás: o primeiro presídio LGBTQIAPN+ do estado. Por trás das grades, os detentos relatam suas rotinas no sistema carcerário, o abandono familiar e os estigmas enfrentados, tanto como pessoas LGBTQIAPN+ quanto como detentos.

“A maioria dos gays e travestis nas cadeias é vista como 'cartão premiado' para os chefões [presos com mais poder no presídio]. Muitos se machucam ao guardar objetos nas partes íntimas. É uma 'lei': se você não guardar, não pode conviver com eles. Você apanha ou até morre", desabafou um detento gay cisgênero de 39 anos.

“Eles são punidos duas vezes: por serem criminosos e por serem LGBTQIAPN+. O preconceito começa em casa. Nos presídios tradicionais, os próprios detentos não os aceitam, não querem conviver com eles, como se fossem bichos”, completou Antiara Cardoso, diretora do primeiro presídio LGBTQIAPN+ de Goiás.

Dados da Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGPP) mostram que, em Goiás, mais de 200 detentos se declaram LGBTQIAPN+, dos quais 34 estão no presídio específico para essa população, localizado em Goianápolis, na Região Metropolitana da capital. Para a criação do presídio, foram adotados os Princípios de Yogyakarta, que tratam da aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero, ambas consideradas partes essenciais da dignidade humana.

“Os Estados devem garantir que a detenção evite uma maior marginalização das pessoas motivada por sua orientação sexual ou identidade de gênero, protegendo-as de violência, maus-tratos ou abusos físicos, mentais ou sexuais”, especificam os Princípios de Yogyakarta.

Para compreender o acompanhamento desta população carcerária, o g1 ouviu detentos, a DGPP, o Ministério Público de Goiás (MP-GO), a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) e o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO). Para preservar a identidade e assegurar um tratamento igualitário entre os entrevistados, os nomes e crimes dos detentos não serão divulgados.

Entenda a sigla e os termos usados nesta reportagem

A sigla LGBTQIAPN+ não foi criada desta forma. Até meados de 1990, o termo usado era “GLS”, que incluía gays, lésbicas e simpatizantes da causa homossexual. Com o tempo, a sigla evoluiu para dar visibilidade a outras identidades de gênero e orientações sexuais. Veja o significado de cada letra:

  • L (Lésbicas): pessoas que se identificam como femininas e se relacionam com outras do mesmo gênero.
  • G (Gays): pessoas que se identificam como masculinas e se relacionam com outras do mesmo gênero.
  • B (Bissexuais): pessoas que se relacionam com os gêneros feminino e masculino.
  • T (Transexuais e travestis): pessoas que não se identificam com o gênero atribuído no nascimento.
  • Q (Queer): pessoas que não se identificam com padrões impostos pela sociedade e preferem não se limitar a um único gênero ou orientação sexual.
  • I (Intersexo): pessoas com características biológicas de ambos os sexos.
  • A (Assexuais): pessoas sem atração sexual, independente de libido, questões biológicas ou psicológicas.
  • P (Pansexuais): pessoas que se relacionam com outros de qualquer gênero.
  • N (Não-binários): pessoas que não se identificam exclusivamente com o gênero feminino ou masculino.

Além da sigla, você verá nesta reportagem os termos “cisgênero” e “transgênero”, que refletem a identidade de gênero. Uma pessoa "cis" é aquela que nasceu com o sexo biológico feminino e se identifica como mulher, ou que nasceu com o sexo biológico masculino e se identifica como homem. Já pessoas transgênero não se reconhecem com o sexo biológico com o qual nasceram.

Pesquisadores da comunidade LGBTQIAPN+ ouvidos pelo g1 Piauí identificaram as categorias dentro das siglas, explicando:

  • Identidade de gênero: a experiência interna e pessoal em relação ao gênero com o qual a pessoa se identifica (masculino, feminino, não-binário, agênero ou fluido). Quando a identidade de gênero corresponde ao sexo biológico, a pessoa é considerada cisgênero; quando há diferença, a pessoa é considerada transgênero.
  • Orientação sexual: refere-se à atração que se sente por outros indivíduos, podendo envolver também questões sentimentais e não apenas sexuais.
  • Expressão de gênero: a forma como a pessoa manifesta socialmente sua identidade de gênero, seja por meio do nome, das roupas, do cabelo, da voz ou da expressão corporal, sem necessariamente indicar gênero, orientação ou identidade específica.

Saiba a diferença entre orientação sexual, expressão e identidade de gênero — Foto: Editoria de Arte/G1

Abusos e violência

O retrato antes do presídio LGBTQIAPN+

Detentas do presídio LGBTQIAPN+ de Goianápolis, Goiás — Foto: Michel Gomes/g1 Goiás

“Já fui abusado e sofri estupro. Eu servia de ‘mocó’ para guardar objetos dentro do meu corpo para garantir um convívio seguro, para não apanhar e não sofrer chacota. Durante a pandemia, para satisfazerem as vontades deles, eles nos usavam”, descreveu um detento gay cisgênero de 29 anos.

“Quando você guarda, eles têm um cuidado especial com você, como se fosse um protegido. A partir do momento em que a polícia encontra objetos dentro de você, você se torna descartável para eles. Não serve mais. Vai para o isolamento e tem que procurar convívio onde der, menos no meio deles”, completou o outro detento de 39 anos.

“Como mulher trans, é ainda mais complicado. Para os homens, somos vistas como objetos; para os policiais, como aberrações. Sofri muito assédio dos homens na galeria. Eles sempre pediam para eu mostrar meus seios, para ficar de short ou só de cuequinha; faziam comentários me assediando, querendo me oferecer coisas, como se eu fosse um objeto sexual”, narrou uma detenta transsexual pansexual de 21 anos.

“Em outro presídio, insistiram em me chamar pelo meu nome de registro. Levei inúmeros tiros de bala de borracha por me recusar a ser chamada pelo nome de batismo. Eu dizia: meu nome é [nome social], quero que me chamem assim. Mas eles respondiam: ‘Não, aqui você será chamado por [nome de batismo]’”, relatou a detenta transsexual pansexual de 34 anos.

Uniformizados e sentados diante de uma mesa próxima à Unidade Prisional de Goianápolis, os detentos fizeram os relatos citados acima. Por vezes emocionados e com a voz embargada, eles narraram histórias vividas em outros presídios. Esses desabafos são comuns entre essa população carcerária e conhecidos inclusive pelo poder público.

“Realizaram uma reunião para criar uma cadeia só para nós, de tantas reclamações que os direitos humanos receberam. Muita gente se machucava ao guardar coisas na parte íntima”, relembrou o detento de 39 anos.

“Dentro de unidades prisionais masculinas, não só ocorrem violências sexuais, mas também agressões à própria identidade. Os cabelos são cortados nas unidades com máquinas. Muitas dessas mulheres trans que entram no sistema têm o cabelo cortado sem consulta ou respeito. Muitas vezes, nem são perguntadas sobre sua identidade de gênero, e há uma falta de sensibilidade para reconhecer que elas nem sempre querem falar sobre isso, com medo de represálias”, explicou o defensor público Salomão Neto.

Para a detenta trans de 21 anos, ser presa em um presídio comum, além da violência física e psicológica, trouxe uma questão pessoal dolorosa: a autoaceitação. “Foi muito difícil aceitar. Eu sempre me via como mulher. Só lembrava que não era quando tomava banho ou trocava de roupa e via meu órgão genital. Mas, ao chegar na cadeia, sendo tratada constantemente como mulher trans, sofri o preconceito de saber que eu não era vista como uma mulher. Foi o que mais doeu em ser presa”, desabafou.

Além de todos os preconceitos, os detentos enfrentam um problema não visto em outros grupos da população carcerária: o abandono familiar. “Em qualquer presídio de Goiás, no dia de visitas e entrega dos alimentos, a famosa ‘cobal’, sempre há uma mãe, esposa, companheira, ou avó. Elas não abandonam o preso. Aqui temos 34 presos. É permitido dois visitantes às quintas-feiras. Pela lógica, teríamos 68 pessoas cadastradas. Na última quinta-feira, recebemos apenas oito visitantes”, explicou Antiara Cardoso.

“Os presos vêm de outros municípios, então as famílias não moram por perto, o que já dificulta o contato. Além disso, a orientação sexual acaba afastando-os da família, somada ao próprio fato de estarem segregados. São duplamente marginalizados, seja por terem cometido um crime, seja pela orientação sexual”, completou a promotora Manuela Botelho.

“A gente não escolhe nascer assim. É diferente, porque algumas pessoas escolhem ser o que querem ser. Nós, não; nascemos assim”, desabafou a detenta de 34 anos.
“O meu próprio pai já falou que preferia que eu fosse gay a ser trans”, lamentou a detenta de 21 anos.

Luz no fim do túnel

A criação e os desafios do presídio

Detentos do presídio LGBTQIAPN+ de Goianápolis, Goiás — Foto: Michel Gomes/g1 Goiás

Inaugurada no dia 18 de janeiro deste ano, a Unidade Prisional Regional de Goianápolis foi criada especificamente para a população carcerária LGBTQIAPN+. Com 22 anos de carreira na Polícia Penal, Antiara Cardoso foi escolhida para assumir a direção do primeiro presídio LGBTQIAPN+ em Goiás, no dia 12 de março.

Antiara já ocupou cargos de chefia em outras unidades, como a Casa de Prisão Provisória, em Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana da capital. Questionada sobre qual característica ela acredita ter sido determinante para sua escolha para dirigir o presídio de Goianápolis, Antiara respondeu prontamente: seu trabalho voltado para a humanização.

“O meu perfil é da área de ressocialização, da humanização e de um olhar sensível. Acredito na mudança do ser humano. Gosto de implementar ações no presídio voltadas para a quebra do ciclo criminoso. Espero que minha população carcerária saia do crime. Precisamos igualar as oportunidades para a nossa população”, pontuou Antiara.

Heterossexual, Antiara disse que precisou se desconstruir para realizar um trabalho de excelência no presídio. Não só ela, mas toda a equipe. Além de repensarem questões pessoais, os servidores passam por cursos e capacitações para lidar com cuidado e sensibilidade com a população carcerária.

“O desafio foi esse: estudar, aprender e desconstruir conceitos. Estou quebrando paradigmas. Nós tivemos formação para saber lidar com a comunidade LGBTQIAPN+. Quando o preso chega, perguntamos como ele se autodeclara e como deseja ser chamado. A gente respeita”, explicou Antiara.

Antiara Cardoso, diretora do presídio LGBTQIAPN+ de Goianápolis, Goiás — Foto: Michel Gomes/g1 Goiás

Além do tratamento nominal e de gênero, uma questão tratada com sensibilidade pela direção é o abandono familiar, citado anteriormente por Antiara. Com experiência em outras unidades, a diretora disse que nunca viu nada parecido, e, por isso, deve ser abordado de forma diferente.

“Se eu digo: ‘A sua mãe não veio’, isso pode destruí-lo e levá-lo a tentar se matar. Para eles é assim: ‘Mais uma vez ela não veio, mais uma vez me abandonou, mais uma vez fiquei sem o amor da minha mãe’. Os policiais até têm um jeito especial de dar essas notícias”, pontuou Antiara.

Apesar de o trabalho na unidade ser bem visto pela DGPP, Antiara revelou um problema enfrentado: o preconceito dentro da própria polícia. “Somos os únicos que trabalham especificamente com essa população. Sempre há chacotas, brincadeiras e piadas. Mas nossa equipe está tão preparada e com a mente tão voltada para os direitos humanos, para fazer valer os direitos e garantias da comunidade LGBTQIAPN+, que a gente se impõe”, argumentou.

Triagem

O presídio de Goianápolis possui seis celas e capacidade para 56 detentos. Atualmente, há 34 detentos no presídio, mas isso não significa que Goiás tem apenas esse número de pessoas autodeclaradas LGBTQIAPN+ no sistema carcerário. Para serem admitidos na unidade, todos os detentos passam por uma triagem rigorosa, que, além da DGPP, envolve outros órgãos. Essa triagem é conduzida pelo serviço de inteligência, profissionais de saúde, psicólogos e assistentes sociais. Na unidade, até o momento não há lésbicas.

“É realizada uma abordagem multidisciplinar, tanto nos processos quanto nas condições pessoais. Em um caso específico, entendemos que o preso não deveria permanecer na unidade LGBTQIA+, muito embora tivesse se autodeclarado gay. Ele tinha três condenações por crimes sexuais, e em todas as vítimas eram mulheres. Já havia sido casado duas vezes e tinha um casal de filhos. Depois de várias perguntas, entendi que ele não pertencia à comunidade”, explicou o juiz Gabriel Consiglieiro.

“A preocupação é não haver ninguém que não seja dessa população no presídio. Às vezes, por algum interesse [malicioso], pode haver um preso que não tenha essas características. Estamos montando uma comissão para garantir que os presos estejam aqui pelo direito de estar aqui, em razão de sua orientação e identidade sexual”, completou a promotora Manuela Botteli.

“Na triagem, eles priorizam encaminhar presos que já têm condenação, para que os projetos de ressocialização deem certo. Se forem presos provisórios, eles ficam pouco tempo, não vão conseguir concluir cursos nem a escola, o que quebra toda a nossa logística”, finalizou Antiara.

Segurança em primeiro lugar

Mesmo com todas as políticas implementadas na unidade, os procedimentos de segurança e as regras são os mesmos de qualquer presídio de Goiás. O diferencial da unidade são as ações de ressocialização voltadas especificamente para a comunidade (entenda mais no decorrer da reportagem).

“Sem regras, a gente não consegue fazer o trabalho de ressocialização. Em primeiro lugar, vem a ordem, a disciplina e o respeito. Aqui não é hotel. Eles têm que cumprir a pena pelo que fizeram. Existe um motivo para estarem aqui. Eles devem à sociedade”, ponderou.

Acompanhamento Institucional

Privilégio ≠ Dignidade

A atuação do MP-GO

Manuela Botelho Portugal, promotora de Justiça do MP-GO, em Goianápolis, Goiás — Foto: Michel Gomes/g1 Goiás

Em 2023, antes da inauguração do presídio de Goianápolis, o Ministério Público de Goiás (MP-GO) instaurou um procedimento administrativo para acompanhar a situação dos presos LGBTQIAPN+ na Unidade Prisional Regional de Anápolis, onde estavam alguns dos internos que atualmente estão em Goianápolis, após relatos levados ao promotor de Justiça em substituição na 19ª Promotoria de Justiça de Anápolis, Bruno Henrique da Silva Ferreira.

Na época, o promotor ouviu denúncias de detentos sobre o respeito à sua sexualidade e identidade de gênero, bem como dificuldades para o recebimento de medicamentos para tratamento hormonal e de HIV. Com o intuito de fazer valer os Princípios de Yogyakarta, o MP-GO solicitou informações à direção do presídio sobre as orientações fornecidas aos servidores quanto ao respeito à sexualidade e identidade de gênero dos custodiados e sobre os demais problemas relatados. Segundo o MP-GO, em resposta, a DGPP informou sobre a implantação de um presídio específico para esta comunidade.

Atualmente, com a criação do presídio específico para essa população, o cenário é outro, agora pautado pelas diretrizes dos Princípios de Yogyakarta. Manuela Botelho Portugal, promotora de Justiça do MP-GO, que já atuou em diversas cidades goianas, agora dedica-se à comarca de Goianápolis, onde está localizado o presídio LGBTQIAPN+.

“Separar esse tipo de população oferece maior dignidade no sistema carcerário, que é precário para todos, mas ao menos as orientações sexuais e identidades de gênero são respeitadas. Estamos conseguindo atender satisfatoriamente as necessidades de saúde física e garantir o recebimento de todos os medicamentos necessários”, explicou Manuela.

Quanto à atuação do MP-GO, a promotora esclareceu que realiza visitas regulares ao presídio para verificar as condições estruturais, a qualidade da alimentação, o fornecimento de medicamentos e, além disso, realiza um trabalho sensível de escuta para entender as demandas dos detentos. Em entrevista ao g1, Manuela Botelho explicou que, em geral, os presos carecem de assistência jurídica e muitas vezes não contam com advogados para acompanhar seus processos [neste ponto, entra o trabalho da DPE-GO].

“Nosso papel é fiscalizar a execução das penas para evitar excesso de prazo e assegurar que os benefícios sejam realmente garantidos. Não há ninguém ‘vigiando’ ou ‘provocando’ o andamento dos processos deles. É necessária uma vigilância constante, tanto do Judiciário quanto do Ministério Público, para que não haja prejuízos, principalmente em relação ao tempo de prisão”, explicou Manuela.

Um dos pontos de atenção do MP-GO atualmente é o foco na saúde mental e na assistência social dessa população, conforme explicou a promotora. Manuela destacou que o órgão atua para proporcionar esses dois serviços aos detentos, abrindo procedimentos extrajudiciais e estabelecendo tratativas com a Administração Pública do Estado e do Município para garantir a prestação dos serviços de forma adequada.

“Quando eles passam por algum tipo de crise, conseguimos viabilizar o atendimento na rede pública. No entanto, ainda não conseguimos estabelecer um atendimento constante e preventivo. O ideal seria que todos eles tivessem acompanhamento psicológico semanal. Sabemos que isso ainda não é possível, mas buscamos ao menos uma condição mínima de saúde mental”, enfatizou.

Manuela explicou que, nos casos em que as tratativas não são bem-sucedidas, o MP-GO recorre a ações judiciais para garantir a realização dos serviços necessários. De acordo com a promotora, além de acompanhar os processos e promover as tratativas essenciais, a garantia da dignidade dos detentos é um foco importante do MP-GO. “Se algum direito deles for violado, atuamos tanto para interromper a violação quanto para responsabilizar os envolvidos”, afirmou Manuela.

 

Um ponto positivo, segundo a promotora, é a oferta de trabalho e cursos no presídio para os detentos, tema que também foi discutido com o MP-GO. Manuela acredita que “manter a mente ocupada” está diretamente ligado à qualidade da saúde mental da população carcerária e comemorou a conquista de poder oferecer esses serviços na unidade.

“O impacto na saúde mental deles foi muito positivo. Eles valorizam muito a questão de não passarem tanto tempo ociosos, ao menos durante parte do dia. Metade trabalha pela manhã, e a outra metade, à tarde, o que já proporciona um período do dia ocupado e fora da cela”, destacou Manuela.

Para a promotora, toda a atuação no presídio de Goianápolis é inovadora e envolve aspectos específicos que não são encontrados em outras unidades prisionais. “Estamos avançando bem; o fato de a estrutura predial ser mais adequada já representa um grande avanço. Infelizmente, deveria ser o básico, mas não é. A questão do trabalho e de ocupar o tempo deles é muito importante. Se não houver ocupação, eles ficam focados nas próprias dores ou podem pensar em ações equivocadas”, avaliou.

Garantia de direitos

 
 

Coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária e Política Criminal (NESC) da DPE-GO, o defensor público Salomão Rodrigues Neto é um dos nomes atuantes na garantia dos direitos da população carcerária em Goiás. Criado em fevereiro deste ano, o NESC é voltado para as demandas coletivas do sistema carcerário, mas também atua individualmente e em mutirões carcerários em todo o estado.

“É a função primordial da Defensoria Pública efetivar direitos humanos e garantir direitos fundamentais. Quando falo de pessoas encarceradas, que, inclusive, na sua maioria, além de fazerem parte da população LGBTTQIA+, são pessoas negras que estão no cárcere, são muitas vezes indivíduos que não tiveram acesso a direitos sociais fora do cárcere e, muito provavelmente, por isso, estão nessa situação de encarceramento. Esse é o cumprimento da nossa função institucional”, afirmou.

O núcleo é planejado para atuar por eixos, e um dos prioritários é voltado para populações em situação de vulnerabilidades específicas. Dentro desse eixo, se enquadra a população LGBTQIAPN+, além de idosos, pessoas com deficiência e indígenas, todos privados de liberdade. “Temos transformado esse eixo em prioritário em razão da própria necessidade desse grupo vulnerável, tanto fora do cárcere, mas que se potencializa no cárcere”, explicou Salomão.

Defensor público Salomão Rodrigues Neto da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) durante mutirão de atendimento carcerário em Goiás — Foto: Eduardo Ferreira/DPE-GO

O defensor público detalhou que a DPE-GO segue todas as diretrizes internacionais e uma série de parâmetros para a atuação do núcleo, incluindo os Princípios de Yogyakarta e a Resolução 348 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orientam como atuar na preservação dos direitos fundamentais desse grupo.

A resolução, assinada pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), proíbe a discriminação, garante acesso igualitário a serviços de saúde, educação e trabalho, e veda transferências compulsórias. Além disso, assegura a gratuidade na emissão de documentos civis e o respeito às especificidades de identidade de gênero. A aplicação da resolução também se estende a adolescentes apreendidos que se autodeclaram como parte da população LGBTQIAPN+.

Segundo Salomão, uma recomendação seguida pela DPE-GO é o respeito à vontade de onde essas pessoas desejam cumprir pena. Não é porque existe o presídio LGBTQIAPN+ que necessariamente o detento precisa ir para lá, por diversos motivos.

“Um dos motivos é a questão do afastamento dos familiares. Essas pessoas recebem menos visitas que possibilitam, por exemplo, a entrega de itens alimentícios e de higiene. Muitas vezes, essas pessoas preferem ficar em uma ala separada, em uma unidade prisional que não é voltada para o público, em razão disso”, explicou.

 

Nesse sentido, o defensor ressaltou que, além de Goianápolis, há pessoas LGBTQIAPN+ presas em diversas unidades prisionais de Goiás. Existem lésbicas que preferem ficar em presídios femininos e homens bissexuais que ficam em presídios masculinos. Por meio de mutirões carcerários de atendimento, a DPE-GO informou que tem alcançado todas essas pessoas. Salomão avalia positivamente o primeiro mutirão de atendimento para a população LGBTQIAPN+.

“Tivemos um grande número de liberdades alcançadas. Atendemos cerca de 35 pessoas e quase 30% conseguimos efetivar o direito à liberdade, com pedidos de habeas corpus, progressão de regime, continuidade delitiva, enfim, pedidos de execução penal ou dentro do processo penal”, explicou o defensor público.

Em um dos mutirões no presídio específico para essa população, a defensoria percebeu a falta de acesso ao trabalho e à profissionalização. “Oficiamos, entramos em contato com o Ministério Público do Trabalho e com a DGPP e iniciamos um trabalho de criação de um curso voltado para essas pessoas. Nos nossos mutirões, indicaram o curso de corte e costura como aquele que seria o mais desejado. A previsão é que eles terminem em dezembro”, pontuou.

Mutirão de atendimento carcerário da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) — Foto: Eduardo Ferreira/DPE-GO

Salomão narrou também que a DPE-GO atua garantia para a dispensação de remédios para HIV para alguns detentos, não apenas desse grupo específico, mas para a população carcerária em geral. Além disso, já atuou para solicitar atendimento regular com médicos infectologistas.

“É um grupo que consideramos como vulnerável. Temos também essa atuação de efetivar administrativamente perante a DGPP. Se não obtivermos êxito nem mesmo com a justificação da demanda, entraremos com a ação de obrigação de fazer para que esse remédio e esse tratamento sejam dispensados adequadamente”, pontuou.

Entre as ações mais realizadas pela DPE-GO com essa população carcerária estão os pedidos de retificação de registros para o uso de nomes sociais. Salomão explicou que muitas detentas não têm a identificação do nome social no registro nem na carteira de identidade quando entram no sistema prisional.

“Elas possuem um nome social reconhecido na sociedade, e dentro do sistema não são tratadas como tal. Então, muitas vezes, são chamadas pelo nome de registro, pelo qual não se reconhecem. O trabalho da Defensoria também abrange a efetivação do direito à identidade. Propomos ações de justificação de registro, solicitamos administrativamente e peticionamos dentro dos processos a alteração para inclusão do nome social dessas pessoas”, detalhou. 

A DPE-GO também promove ações de execução penal, de assistência médica e material, além de pedidos de transferência de detentos para o presídio de Goianápolis. Para o defensor, a atuação é bem avaliada pelos detentos e proveitosa quando se fala em garantia de direitos, mas ainda há muito a avançar.

“Há uma dificuldade, por exemplo, os homens trans geralmente ficam em unidades femininas, em alas ou celas separadas. Muitas vezes, o atendimento médico ali está voltado apenas para determinado tipo de atuação ou especialidade, que não consegue abarcar a situação da mesma forma em relação às mulheres trans”, disse Salomão.

“Ainda precisamos avançar muito para garantir que todas as assistências sejam perfeitamente dispensadas. Falo de assistência educacional, de acesso a vagas, tanto para estudo quanto para trabalho e lazer. A implementação da Defensoria Pública em todas as comarcas do estado fará com que o defensor esteja muito mais presente, não só por meio de mutirões carcerários, mas que seja parte da rotina diária do atendimento dessa população”, avaliou.

Vez e Voz

Conheça projeto de juiz do TJ-GO

Com a premissa de criar um fluxo para a inclusão e deferimento dos direitos das pessoas LGBTQIAPN+ no presídio de Goianápolis, nasceu o projeto “Vez e Voz”. Idealizado pelo juiz Gabriel Consigliero Lessa, da Vara da Fazenda Pública Estadual de Anápolis do TJ-GO, o projeto visa garantir a essa população carcerária as prerrogativas fundamentais de saúde, assistência social, educação, religião e trabalho.

“A maioria dos casos na unidade de Goianápolis envolve crimes patrimoniais. Uma camada muito grande já utilizava a prostituição e o consumo de drogas. É um público muito específico. Com o projeto, as instituições trabalham juntas, formando uma rede de proteção”, ponderou o magistrado.

Para o magistrado, o Vez e Voz tem como objetivo garantir que esses reeducandos sejam tratados com dignidade e respeito, promovendo um ambiente acolhedor e inclusivo. Um dos principais objetivos do projeto, segundo Consigliero, é “erradicar todas as formas de violência e tortura no cárcere, assim como eliminar todos os atos de discriminação ou preconceito contra as pessoas LGBTQIAPN+ privadas de liberdade”.

“A população carcerária LGBTQIAPN+ é extremamente vulnerável. Nós fazemos uma avaliação, entendemos as condições pessoais e, depois, lançamos os olhos para concretizar direitos. É muito delicado; são pessoas com problemas de saúde mental significativos e que, às vezes, não têm vínculos familiares”, explicou o magistrado.

A iniciativa foi formalizada com a edição da Portaria n. 02/2024 da Vara Judicial de Goianápolis, estabelecendo as obrigações de cada participante e normatizando o funcionamento. Para atender os detentos e detentas, é montado uma espécie de “circuito” com seis ambientes. Entre os serviços oferecidos, estão:

  • O atendimento do juiz, promotor e representante da OAB, com foco nas condições pessoais da pessoa apresentada, verificando a autodeclaração LGBTQIAPN+, o uso do nome social e o interesse em permanecer ou não na unidade especial, feminina ou masculina. Além disso, são abordados eventuais preconceitos ou torturas sofridas na unidade.
  • O Cartório de Registro Civil orienta e fornece o formulário de averbação da alteração do prenome e/ou gênero, que cria imediatamente o procedimento, gratuitamente.
  • A Secretaria Municipal de Saúde realiza testes rápidos, aplica vacinas, fornece atendimento médico para o tratamento das patologias e encaminha para atendimento com médico psiquiatra, psicólogos e dentista. Por fim, faz a regulação para o serviço de cirurgia de redesignação sexual, caso seja do interesse da detenta.
  • A Secretaria Municipal de Assistência Social tenta reconstruir os vínculos familiares dos presos, enviando mensagens e cartas aos seus parentes, além de verificar o interesse das partes em realizar videoconferências. Além disso, a pasta busca mecanismos para efetivar a assistência religiosa na unidade prisional.
  • A DPE-GO esclarece sobre o cumprimento da reprimenda, entrega o atestado de pena atualizado aos presos definitivos e fornece explicações jurídicas sobre o procedimento, além de verificar a reanálise da cautelaridade da prisão preventiva no período nonagesimal, efetivando as comunicações necessárias ao juiz natural.
  • Por último, o Conselho da Comunidade verifica a necessidade de ajuda material, assim como o interesse dos custodiados em cursos profissionalizantes e estudos dentro do presídio de Goianápolis.

Segundo o juiz, o projeto tem custo zero para ser implementado, já que o principal recurso é o capital humano e os equipamentos e materiais utilizados pela Secretaria de Saúde já estão incluídos no programa de assistência à pessoa privada de liberdade.

“Tenho sentido efeitos positivos, até mesmo pelos resultados. Para o futuro, queremos dar continuidade e ampliar a concretização de outros direitos”, avaliou o magistrado.

Ao g1, o juiz compartilhou resultados das ações do Vez e Voz; veja:

  • Uma pessoa presa, com alterações de personalidade, ansiedade e pensamento suicida, foi encaminhada para internação psiquiátrica.
  • 33 pessoas presas tiveram efetivada a averbação da alteração do nome e/ou gênero.
  • 13 presas trans foram reguladas para a realização da cirurgia de redesignação sexual pelo SUS.
  • Mais de 20 pessoas presas diagnosticadas com alguma infecção ou doença estão sendo acompanhadas de forma contínua na unidade prisional.
  • Todas as pessoas recolhidas no presídio de Goianápolis passaram a receber assistência jurídica pela DPE-GO.
  • Cinco presos que não se enquadravam como pessoas LGBTQIAPN+ foram recambiados para outras unidades prisionais.
  • Todas as pessoas recolhidas no presídio de Goianápolis receberão um curso de corte e costura industrial, financiado pelo Ministério Público do Trabalho.
 
 

Tratamentos e cursos

Como está depois do presídio

O acesso a tratamentos médicos específicos está entre as políticas implantadas no presídio de Goianápolis. Uma das demandas mais requisitadas partiu das detentas trans: o tratamento hormonal, que não existe no sistema prisional. O tópico também é detalhado nas diretrizes dos Princípios de Yogyakarta.

“O que pode ser feito é o médico clínico encaminhar o reeducando para o endocrinologista e aguardar a consulta. Nós seguimos um protocolo solicitando vaga na Secretaria Municipal de Saúde, por meio da regulação, em busca de um endocrinologista”, explicou Beth Fernandes, coordenadora LGBT+ da Gerência de Saúde da DGPP.

A diretora do presídio detalhou que detentas da unidade fazem tratamento hormonal no SUS e devem passar pela redesignação sexual. “A cada 15 dias, elas precisam ir a Goiânia e Anápolis. Fazemos isso com escolta; temos muitas saídas médicas aqui por causa dessas necessidades. Em outro presídio, não existe tratamento hormonal e não há esse olhar tão atento”, explicou Antiara.

“Em Anápolis, eu não fazia tratamento hormonal. Para uma mulher trans, é vida ou morte. Quando não tenho tratamento hormonal, começo a desenvolver traços masculinos no meu corpo. Ver-me como um homem é o mesmo que pedir para morrer”, contou a detenta de 21 anos.

 

Ainda na área da saúde, outra demanda presente na unidade é o acesso a medicamentos para o tratamento do HIV, também detalhado nos Princípios de Yogyakarta. “O detento, ao chegar ao presídio, passa por triagem, onde seu sangue é coletado para verificação da sorologia e depois medida sua carga viral. Caso tenha o vírus, ele é encaminhado para tratamento na rede municipal de saúde, por meio da regulação. Depois de regulado, começa a tomar a medicação retroviral dentro do presídio”, disse Beth Fernandes.

“Temos um olhar muito perspicaz em relação à questão da alimentação, pois muitos, dependendo da doença ou infecção que estão tratando, precisam de uma alimentação específica”, completou Antiara.

Na unidade, além dos serviços de saúde, são oferecidos cursos profissionalizantes para todos os detentos. No próximo mês, a primeira turma do curso de corte e costura deve se formar. A previsão é que, ainda neste ano, um curso de maquiagem seja iniciado.

Para a diretora do presídio, até as áreas de atuação foram pensadas para o público da unidade. “Cursos de serralheiro e pedreiro são bem aceitos em qualquer outro presídio. Aqui, se eles fizerem, terão o diploma, adquirirão conhecimento, mas as portas poderão estar fechadas no mercado de trabalho”, explicou Antiara.

“Há uma preocupação em adequar os cursos ao interesse deles, adaptando o trabalho ao perfil deles. Não basta trazer o trabalho para o presídio; é preciso alinhá-lo ao que eles têm de afinidade. Esse é um diferencial”, ponderou a promotora Manuela.

 

Uma parcela dos presos também tem acesso a trabalho dentro do presídio, são os chamados “extra-cela”. O detento de 39 anos ouvido pela reportagem é um desses. “Estou tendo uma grande oportunidade de trabalho. Agora tenho uma ocupação para sair lá fora com essa ideia de trabalhar. A gente nunca teve essa oportunidade em outros lugares”, disse o detento.

Além dos cursos profissionalizantes, educação e acompanhamento médico, a unidade promove palestras, entrega preservativos e faz um olhar voltado para a diversidade sexual dos detentos, visando proporcionar uma vida mais saudável, segundo Antiara. As relações com os servidores também são destacadas por todos os detentos ouvidos na reportagem.

“Eu chamo a Antiara de 'mamis' porque não tive o apoio da minha família em casa, pois sou trans. Ela me abraçou, e isso é muito gratificante. Ser uma mulher trans não é fácil. Então, conseguimos retribuir a ela respeitando-a e amando-a cada vez mais”, comemorou a detenta de 34 anos.

“Aqui é um lugar onde tivemos um tratamento digno e humano. Em qualquer outro presídio que fomos, fomos vistos como aberrações. Aqui, somos tratados como seres humanos. Os agentes nos tratam com respeito e conversam conosco. Em outro presídio, os agentes tinham até nojo de tocar em nós”, destacou a detenta de 21 anos.

 

A garantia de direitos é presente na unidade em diversos serviços, mas há um ponto que visa melhorar uma carência dos detentos: o apoio familiar. Além do afastamento da família por questões de não aceitação, a distância física também separa os parentes dos detentos de Goianápolis, como explicou anteriormente a promotora do MP-GO.

“A minha população carcerária é muito específica; a maioria não é do estado de Goiás. Cometeu crime no estado de Goiás, mas não tem elo familiar ou amizade com ninguém aqui. Eles vêm de outros estados, por causa da prostituição, por causa dos crimes, e são presos, mas não têm esse amparo familiar para trazer uma cobal e visitá-los. Promovemos essa reaproximação familiar por videoconferência”, completou Antiara Cardoso.

As detentas trans da unidade relataram que foram beneficiadas no que diz respeito à aproximação familiar graças às videochamadas.

“A dona Antiara ajuda a gente com as videochamadas. Ela nos faz se aproximar. Eu mesma, quando cheguei, ela fez a aproximação da minha família online”, disse a detenta de 34 anos.

“Quem cuida de mim é minha madrinha de outro estado. Ela manda cobal pela advogada dela e me visita por vídeo. A dona Antiara permite que eu tenha contato com ela, mesmo ela não sendo parente de primeiro grau [regra dos presídios]. Então, isso é muito importante”, completou a detenta de 21 anos.

Ressocialização e futuro

“Não queremos que eles voltem para o crime.” Esta é uma frase unânime entre os profissionais ouvidos nesta reportagem. Para ajudar os detentos nesse objetivo, o foco da unidade de Goianápolis é a ressocialização. Cursos, palestras e trabalho traçam o caminho para reinserir os detentos na sociedade.

“Quero apostar cada vez mais na educação. Alguns estão terminando o nível fundamental, outros, o nível médio. Quero que todos concluam e façam um curso superior. Acredito que estaremos no caminho certo, porque a educação é a base. Eles perceberão que o crime não compensa. Quero que isso fique claro em suas mentes. O que compensa é acordar todos os dias de manhã e trabalhar”, afirmou a diretora.

“Meu principal objetivo é promover a ressocialização, adequando-os para que não cometam mais crimes. O grande objetivo também é ressocializar, mas não apenas no sentido de reintegrá-los à sociedade, mas de refamiliarizá-los, trazendo-os de volta para suas famílias. Um dos motivos que os leva a essa situação é justamente a falta de apoio familiar”, avaliou a promotora do MP-GO.

Detentos do presídio LGBTQIAPN+ de Goianápolis durante aula de corte e costura em Goiás — Foto: Michel Gomes/g1 Goiás

A diretora espera que uma faculdade à distância seja instalada na unidade para auxiliar no processo de reeducação dos detentos. Além disso, Antiara também pretende implementar mais oportunidades de trabalho dentro do presídio. “Hoje, eles estão em cursos profissionalizantes e tenho dois extra-celas. Quando concluirmos as obras, quero colocar de 10 a 15 detentos para trabalhar, seja na horta, na indústria ou em alguma atividade fora da cela”, disse.

Além da ressocialização, os projetos visam quebrar preconceitos, para que os detentos encontrem acolhimento fora do sistema prisional. A promotora avalia que o processo é difícil para qualquer pessoa presa, mas, para esta população específica, é ainda mais desafiador.

“O MP foca muito dentro da unidade prisional na questão de trazer ressocialização pelo estudo e pela leitura, através de projetos de ensino e trabalho. Contudo, a questão do ambiente externo é um ponto que os detentos de Goianápolis nos fizeram repensar. Quando eles saírem, poderão trabalhar, mas como a família será preparada para recebê-los novamente? Sem estrutura familiar, é muito difícil não voltar às mesmas condições que levaram à prática dos crimes”, finalizou a promotora. 

Ao g1, a DGPP adiantou que o segundo presídio LGBTQIAPN+ de Goiás deve ser inaugurado neste ano. A unidade é situada em Araçu e a direção está no processo de triagem dos detentos. Colhendo bons frutos em Goianápolis, a diretora sonha grande ao falar sobre o futuro dessa população carcerária no estado. Para Antiara, em alguns anos, um presídio único facilitaria os projetos de ressocialização.

“Facilitaria para a DGPP e para a equipe de policiais lidar melhor, tendo uma equipe específica de saúde dentro do presídio; isso facilitaria toda a logística e a máquina humana. O ideal é um presídio grande, com 300 a 400 vagas e toda a equipe bem formada”, finalizou.

Panorama nacional

 

Um levantamento feito pelo g1 Goiás mostra que, até o dia 29 de outubro deste ano, a população carcerária de Goiás conta com 17.005 detentos nos presídios. Ao considerar detentos com regimes semiabertos e abertos, o total sobe para 22.902 pessoas. Desses, 279 presos se autodeclaram LGBTQIAPN+ no sistema carcerário goiano.

Para analisar o panorama nacional, o g1 questionou todos os estados e o Distrito Federal sobre a situação da população carcerária LGBTQIAPN+. Veja a íntegra do que diz respeito à comunidade LGBTQIAPN+:

Pará

A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) esclarece que todas as 54 unidades prisionais paraenses dispõem de celas específicas para a população LGBTQIAPN+, respeitando o protocolo de segurança institucional e a Lei de Execução Penal. Em setembro de 2023, a Secretaria iniciou as atividades da Unidade de Custódia e Reinserção de Santa Izabel VI (UCR VI), na Região Metropolitana de Belém, com capacidade para 156 pessoas autodeclaradas LGBTQIAPN+. Atualmente, 89 pessoas privadas de liberdade estão custodiadas na unidade.

Espírito Santo

Inaugurada em maio de 2021 pela Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) em atendimento à Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) 348/2020, a Penitenciária de Segurança Média 2 (PSME2), localizada no Complexo de Viana, é a primeira unidade prisional exclusiva e de referência para a população LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexos e assexuais) do país. São cerca de 300 custodiados que cumprem pena nos regimes provisório, fechado e semiaberto.

A Portaria Nº 413-R regula os parâmetros e procedimentos para o atendimento à população LGBTQIA+ no sistema prisional capixaba. Dentre as instruções, o documento estabelece diretrizes quanto ao direito ao tratamento isonômico das pessoas presas LGBTQIA+; informações sobre identidade de gênero, sobre o direito de serem tratadas pelo nome social, bem como o direito à utilização de vestuário e corte de cabelo de acordo com a identidade de gênero, além dos demais procedimentos realizados nas unidades. A identificação das pessoas que se autodeclaram parte desta comunidade é realizada no momento da triagem, logo ao dar entrada no sistema prisional, para o registro da classificação dos casos e o direcionamento para a unidade prisional de referência.

A Penitenciária de Segurança Média 2 (PSME2) oferece atendimento de saúde, psicossocial, educação básica na modalidade EJA, além de cursos de capacitação profissional e projetos de ressocialização, desenvolvidos também de acordo com a necessidade específica do público custodiado.

Ceará

O Ceará foi o primeiro estado do Nordeste a criar uma unidade prisional com foco na população LGBTQIAPN+. A Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes está em funcionamento desde julho de 2016. A unidade possui espaço exclusivo para essa população e conta com diversos projetos de ressocialização, como grupo de teatro, curso profissionalizante do Senai, salas de aula com educação formal e postos de trabalho dentro da unidade. Além disso, existe um tratamento psicossocial direcionado e um tratamento médico orientado, com fornecimento e aplicação adequada junto às pessoas trans que fazem tratamento hormonal.

Sergipe

Não há presídio específico para a população LGBTQIAPN+. Não existe previsão para a criação de uma unidade específica para essa população. Existem Espaços de Vivência (EVE) destinados ao acolhimento, nos quais o acompanhamento é realizado de maneira integrada pelos setores de Serviço Social, Saúde, Segurança e Direção, assegurando convívio adequado às necessidades das pessoas custodiadas no espaço.

Distrito Federal

O Sistema Penal do Distrito Federal é composto por seis unidades prisionais masculinas, que acomodam os custodiados de acordo com o regime de cumprimento de pena, além de uma unidade feminina que abriga todos os regimes. Todas as unidades contam com alas destinadas ao público LGBTQIAPN+, separadas da população carcerária heterossexual. No entanto, não existe uma unidade específica voltada para esse perfil, nem há planos para sua criação.

Paraná

Há uma unidade destinada ao público GTT (gays em situação de vulnerabilidade, mulheres trans e travestis) desde junho de 2019, localizada atualmente na cidade de Toledo. São 100 vagas destinadas a esse público, das quais 50 estão ocupadas.

Mato Grosso do Sul

Não existe um presídio específico para a população LGBTQIAPN+. Algumas unidades penais possuem celas ou solários próprios para atender a essa população específica. No mês de agosto deste ano, o governo do Estado de Mato Grosso do Sul inaugurou a primeira ala LGBTQIA+, que abriga 69 detentas e detentos no Instituto Penal de Campo Grande. Além da ala exclusiva para a comunidade, também foi entregue o espaço destinado aos cursos profissionalizantes na área de beleza que serão oferecidos em parceria com o Sebrae.

Minas Gerais

A Penitenciária Jason Soares Albergaria (PPJSA), localizada em São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, é a única do estado que recebe exclusivamente essa população desde 2021 e conta com 412 vagas. No entanto, todas as 19 Regiões Integradas de Segurança Pública (RISPs) de Minas Gerais possuem unidades prisionais que têm alas específicas para esse público, permitindo o cumprimento de pena mais próximo à família. Todas as unidades possuem acompanhamento médico e psicossocial e buscam oportunidades de trabalho que despertem o interesse dos custodiados e custodiadas.

Lembramos que os espaços destinados às pessoas LGBTQIAPN+ privadas de liberdade são oferecidos, não estando nenhum preso ou presa sujeito à transferência compulsória. Todas as transferências acontecem mediante formalização da autodeclaração e manifestação de vontade expressa. Todos os pedidos são avaliados para encaminhamento e não há fila de espera.

Paraíba

O decreto 37.944/2017 estabeleceu diretrizes normativas para o tratamento da população LGBT no sistema penitenciário do estado. Segundo o governo, desde 2013 os presídios ganharam alas LGBTQIAPN+.

A Paraíba tem celas específicas para LGBTQIAPN+ no presídio do Roger e na penitenciária de Cajazeiras, mas os diretores das unidades penitenciárias têm a prerrogativa de abrir esses espaços dependendo da demanda. O decreto 37.944/2017 estabelece diretrizes normativas para o tratamento da população LGBT no sistema penitenciário do estado.

Maranhão

A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) esclarece que não há presídio específico para a população LGBTQIAPN+. Entretanto, em São Luís, a Unidade Prisional de Ressocialização São Luís 2 (UPSL 2) possui uma ala para custodiar essa população.

Já no caso do público feminino e de homens transgêneros, estes são custodiados nos dois estabelecimentos penais femininos: a Unidade Prisional de Reintegração Social de Carolina (UPRS1) e a Unidade Prisional de Ressocialização Feminina (UPFEM).

Em caso de pessoas autodeclaradas LGBTQIA+, custodiadas em unidades prisionais de outros municípios maranhenses, elas permanecem em suas unidades de origem, onde serão destinadas celas específicas, primando pela segurança da pessoa e sua permanência próxima ao meio social e familiar.

Ao longo dos últimos anos, a Seap tem implementado políticas inclusivas e de proteção aos direitos humanos para assegurar a integridade física e o respeito à dignidade da população LGBTQIA+ no sistema prisional, garantindo assistência psicossocial, saúde, educação, trabalho e, principalmente, espaços adequados para cumprimento de pena.

Um exemplo disso é o que ocorre na UPSL 2, onde a ala específica para o acolhimento de pessoas LGBTQIA+ contempla celas equipadas com banheiro individual e ventilação, proporcionando um ambiente seguro e respeitoso, reduzindo o risco de violência. Além disso, mulheres transgêneros e travestis podem ser transferidas também para esta unidade, reforçando o compromisso com o tratamento digno e a segurança desse público dentro do sistema penitenciário.

Tocantins

A Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju), por meio da Superintendência dos Sistemas Penitenciário e Prisional, informa que atualmente não existe uma unidade penal específica para a população LGBTQIAPN+. Também não há previsão para a criação de uma unidade destinada a essa comunidade.

A pasta esclarece que, no momento da prisão, as pessoas autodeclaradas LGBTQIAPN+ são encaminhadas para celas com outros indivíduos da mesma comunidade.

Roraima

Atualmente, o sistema penitenciário do estado não dispõe de uma unidade prisional específica para a custódia de pessoas autodeclaradas LGBTQIAPN+. No entanto, com o objetivo de garantir os direitos fundamentais dessa população e preservar sua integridade física, mental e sexual, as unidades prisionais promovem a separação em celas apropriadas, reduzindo o risco de situações que possam comprometer sua segurança.

Ademais, o sistema penitenciário abriga 75 pessoas LGBTQIAPN+. Cumpre informar que, devido a restrições orçamentárias e à limitação do efetivo de policiais penais necessários para a custódia, ainda não há previsão para a construção de uma unidade exclusiva destinada a essa população.

Acre

No estado do Acre, não existe um presídio específico para a população LGBTQIAPN+, mas ela é mantida em celas separadas dos demais detentos. No momento, não há previsão para a construção de um presídio específico.

Rio Grande do Sul

Atualmente, o Rio Grande do Sul não tem um presídio específico para o atendimento da população LGBTQIAPN+. No estado, existem espaços de referência para esse público em 39 unidades prisionais. Dentre elas, destacam-se o Complexo Prisional de Canoas, a Penitenciária Estadual de Charqueadas e a Penitenciária Estadual do Jacuí.

O debate sobre vagas específicas é objeto de discussão no âmbito do Comitê Gestor Permanente de Elaboração, Monitoramento e Implementação da Política Penal de Atenção à População LGBTI+.

Em novembro de 2023, o estado instituiu este Comitê, que está elaborando o Plano Estadual às Pessoas LGBTI+ Privadas de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional, e visa estabelecer diretrizes voltadas à inclusão social dessa parcela da população, com o desenvolvimento e a avaliação de ações e políticas penais.

O Comitê é constituído, além da Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS), por equipes das secretarias da Educação; Trabalho e Desenvolvimento Profissional; Cultura; Justiça, Cidadania e Direitos Humanos; Habitação e Regularização Fundiária; Saúde; e Assistência Social. A Polícia Penal e o Conselho Penitenciário, ambos vinculados à SSPS, também são integrantes.

Como convidados na composição do grupo, estão membros da Defensoria Pública, do Ministério Público, do Poder Judiciário, do Conselho Estadual de Promoção dos Direitos LGBT, da Ordem dos Advogados do Brasil, dos conselhos regionais de Psicologia e de Serviço Social e da Universidade de Santa Cruz do Sul.

Além disso, é importante salientar que a Polícia Penal gaúcha iniciou o debate acerca da necessidade de um regramento específico de atenção ao público LGBTQIAPN+, resultando na publicação da Portaria nº 005/2021/SEAPEN/SUSEPE, que instituiu o “Guia de Atenção à População LGBTI no Sistema Prisional do RS” em 2021.

Por meio dessa portaria, foram estabelecidas diretrizes para os procedimentos de recebimento, revista e custódia, servindo tanto como referencial para a atuação das equipes dos estabelecimentos prisionais quanto para eventual intervenção de órgãos correcionais.

O documento considera que a população prisional LGBTQIAPN+ requer atenção quanto à prevenção de violência, tratamento e cuidados específicos em saúde, respeito ao nome social e ao uso de vestimentas de acordo com o gênero com o qual a pessoa se identifica, dentre outros aspectos.

No caso de pessoas trans, conforme prevê a portaria, elas podem ser encaminhadas para as unidades prisionais que tiverem área de referência específica, em locais adequados ao seu gênero autodeclarado. A não transferência para o espaço de referência específico é condicionada à sua expressa manifestação de vontade.

São Paulo

A Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo mantém, atualmente, celas e pavilhões destinados a essa população em 10 unidades prisionais no estado. Com base no artigo 7º da Resolução SAP 027/2024, a pessoa privada de liberdade autodeclarada transexual, travesti e intersexo poderá se manifestar expressamente, requerendo a custódia em estabelecimento penal feminino, masculino ou em presídio com ala ou cela específica a qualquer momento, em conformidade com as diretrizes nacionais. No estado, não há presídio exclusivo para a população LGBTQIAPN+.

Santa Catarina

Em Santa Catarina, não há um presídio específico para a população LGBTQIAPN+. Há alas específicas para essa comunidade.

Alagoas

Em Alagoas, existe um módulo dentro de uma das unidades prisionais que atendem a demanda de custodiados LGBTQIAPN+. Ela foi criada em 04/04/2024, com capacidade 64 custodiados. Anteriormente já havia um espaço destinado para este público dentro de outra unidade prisional, no entanto, o inaugurado este ano foi desenvolvido e adaptado para atender todas as demandas na área de políticas públicas para esta população.

Amazonas

A Secretaria de Administração do Amazonas (Seap-AM), informou que os custodiados LGBTQIAPN+  são atendidos na Unidade Prisional do Puraquequara (UPP).

Os estados que não aparecem na listagem não forneceram dados ao g1 Goiás até a última atualização desta reportagem.

 
 

O que dizem os Princípios de Yogyakarta?

Veja a íntegra do que diz respeito à comunidade LGBTQIAPN+

Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com humanidade e com respeito pela dignidade inerente à pessoa humana. A orientação sexual e identidade de gênero são partes essenciais da dignidade de cada pessoa. Os Estados deverão:

  • Garantir que a detenção evite uma maior marginalização das pessoas motivada pela orientação sexual ou identidade de gênero, expondo-as a risco de violência, maus-tratos ou abusos físicos, mentais ou sexuais;
  • Fornecer acesso adequado à atenção médica e ao aconselhamento apropriado às necessidades das pessoas sob custódia, reconhecendo qualquer necessidade especial relacionada à orientação sexual ou identidade de gênero, inclusive no que se refere à saúde reprodutiva, acesso à informação e terapia de HIV/Aids e acesso à terapia hormonal ou outro tipo de terapia, assim como a tratamentos de redesignação de sexo/gênero, quando desejado;
  • Assegurar, na medida do possível, que pessoas detidas participem de decisões relacionadas ao local de detenção adequado à sua orientação sexual e identidade de gênero;
  • Implantar medidas de proteção para todos os presos e presas vulneráveis à violência ou abuso por causa de sua orientação sexual, identidade ou expressão de gênero e assegurar, tanto quanto seja razoavelmente praticável, que essas medidas de proteção não impliquem maior restrição a seus direitos do que aquelas que já atingem a população prisional, em geral;
  • Assegurar que as visitas conjugais, onde são permitidas, sejam concedidas na base de igualdade a todas as pessoas aprisionadas ou detidas, independente do gênero de sua parceira ou parceiro;
  • Proporcionar o monitoramento independente das instalações de detenção por parte do Estado e também por organizações não-governamentais, inclusive organizações que trabalhem nas áreas de orientação sexual e identidade de gênero;
  • Implantar programas de treinamento e conscientização, para o pessoal prisional e todas as outras pessoas do setor público e privado que estão envolvidas com as instalações prisionais, sobre os padrões internacionais de direitos humanos e princípios de igualdade e não-discriminação, inclusive em relação à orientação sexual e identidade de gênero.
 

STF tem maioria para proibir revista vexatória em presídios; Moraes interrompe análise e leva caso a julgamento presencial

r O ministro Alexandre de Moraes, do STF, pediu para que análise de validade da revista íntima vexatória ocorresse em sessão presencial da Corte.

Na sequência, o ministro Alexandre de Moraes apresentou um destaque para levar o caso, que estava em análise no plenário virtual, para julgamento presencial em data a ser marcada pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso.

Na prática, com a atitude de Moraes, os ministros vão poder debater o tema em mais detalhes e, se quiserem, mudar posicionamentos.

Pelo entendimento predominante até o momento, não será permitido o procedimento de exposição e inspeção das partes íntimas de quem vai visitar os detentos nas unidades.

Além disso, a prova obtida a partir desta prática não será aceita em processos penais.

Os ministros também votaram no sentido de conceder um prazo de 24 meses para que os governos comprem e instalem equipamentos que serão usados nas revistas pessoais – scanners corporais, esteiras de raio X e portais detectores de metais.

Plenário virtual

O processo voltou à pauta no plenário virtual do tribunal nesta sexta-feira (18). A análise tinha sido interrompida em maio deste ano, após um pedido de vista do ministro Cristiano Zanin.

Prevalece o voto do relator, ministro Edson Fachin, com contribuições do decano Gilmar Mendes. Formam a maioria ainda as ministras Cármen Lúcia, Rosa Weber (aposentada), o ministro Cristiano Zanin e o presidente Luís Roberto Barroso.

Com isso, há:

  • 6 votos para proibir a revista íntima vexatória e dar prazo para o governo comprar equipamentos;
  • 4 votos para admitir a busca pessoal como algo excepcional, desde que não vexatória, justificada e com o aval do visitante, e com a possibilidade de responsabilizar autoridades por irregularidades.

Na reabertura do julgamento, Zanin votou com o relator, mas sugeriu um aperfeiçoamento no texto da tese para garantir segurança jurídica.

A ideia é permitir buscas pessoais (desde que não vexatórias) nos visitantes de presos, até que o Poder Público instale os equipamentos eletrônicos para o procedimento.

Revista íntima

Na revista íntima, o visitante precisa ficar parcialmente ou totalmente nu e, por vezes, tem que se agachar e expor os órgãos genitais à observação de agentes penitenciários.

Está em discussão uma proposta de invalidar a prática, estabelecendo que ela ofende a dignidade da pessoa humana.

Mas há a sugestão de substituir o procedimento pelo uso de equipamentos de inspeção corporal, como scanners. A ideia é dar prazo de 24 meses para implantar a medida - neste período, os estados comprariam os equipamentos.

A decisão da Corte terá repercussão geral, ou seja, o entendimento deverá ser aplicado em processos que discutem a validade da revista íntima nas demais instâncias judiciais.

Começo do julgamento

O tema começou a ser julgado em 2020, em ambiente virtual. Na ocasião, um pedido de vista do ministro Dias Toffoli interrompeu a análise.

Novo pedido de vista, desta vez do ministro Nunes Marques, adiou a deliberação em 2021.

O recurso voltou à pauta em maio de 2023, quando chegou a cinco votos pela proibição da revista íntima vexatória.

Seguiram, na ocasião, a posição do ministro Edson Fachin, relator do caso — o presidente Luís Roberto Barroso, as ministras Rosa Weber (aposentada), Cármen Lúcia e o ministro Gilmar Mendes.

Voto do relator

Inicialmente, o relator propôs o seguinte entendimento:

"É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos".

Se for fixada esta orientação, fica proibido o procedimento em que o visitante precise ficar parcialmente ou totalmente nu e que envolva agachamento e a observação de órgãos genitais. Além disso, não poderão ser usadas em processos penais as provas obtidas a partir deste tipo de prática. As revistas íntimas desse tipo não podem ser justificadas, por exemplo, pela falta de equipamentos de detecção de metais.

Fachin ponderou que a revista pessoal por policiais ainda pode ocorrer, mas deve ser feita apenas após a passagem do visitante por sistemas eletrônicos (detecção de metal, por exemplo) e é uma medida a ser realizada apenas quando houver elementos concretos que justifiquem a suspeita de porte de produtos proibidos.

Além disso, essa busca pessoal poderá ter a legalidade avaliada posteriormente pela Justiça e, se for considerada irregular, pode levar à responsabilização dos agentes que a promoveram.

"Assente-se que é lícita a busca pessoal, porém em visitantes de estabelecimentos prisionais deve ser realizada apenas após a submissão a equipamentos eletrônicos e se for fundada em elementos concretos ou documentos que materializem e justifiquem a suspeita do porte de substâncias/objetos ilícitos ou proibidos, de modo a permitir-se o controle judicial, bem como a responsabilização civil, penal e administrativa nas hipóteses de eventuais arbitrariedades", ressaltou Fachin.

"Todavia, o desnudamento de visitantes e inspeção de suas cavidades corporais, ainda que alegadamente indispensáveis à manutenção da estabilidade no interior dos presídios, subjugam todos aqueles que buscam estabelecer contato com pessoas presas, negando-lhes o respeito a direitos essenciais de forma aleatória. A ausência de equipamentos eletrônicos não é nem pode ser justificativa para impor revista íntima", prosseguiu.

"Se existirem elementos concretos a demonstrar fundada suspeita do porte de substâncias e/ou de objetos ou papéis ilícitos que constituam potencial ameaça à segurança do sistema prisional, admite-se a revista manual (busca pessoal) à luz do ordenamento, sindicável judicialmente. A revista aos visitantes, necessária à segurança dos estabelecimentos penais, deve ser realizada com respeito à dignidade humana, vedada qualquer forma de tratamento desumano ou degradante", completou.

Posteriormente, Fachin apresentou um complemento de voto, aderindo a entendimentos do decano Gilmar Mendes (veja mais abaixo).

Divergência

Durante a análise virtual, o ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência, votando no sentido de uma tese que estabelece que a revista íntima para a entrada em presídios seria excepcional, justificada para cada caso específico e tendo a concordância dos visitantes. E que abusos de autoridades podem gerar processos contra eles na Justiça.

"A revista íntima para ingresso em estabelecimentos prisionais será excepcional, devidamente motivada para cada caso específico e dependerá da concordância do visitante, somente podendo ser realizada de acordo com protocolos preestabelecidos e por pessoas do mesmo gênero, obrigatoriamente médicos na hipótese de exames invasivos. O excesso ou abuso da realização da revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público ou médico e ilicitude de eventual prova obtida. Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa poderá impedir a realização da visita", propôs Moraes.

O ministro Dias Toffoli acompanhou a posição de Moraes, assim como os ministros Nunes Marques e André Mendonça.

Na ocasião, o ministro Gilmar Mendes pediu destaque, para julgamento presencial. Este destaque foi posteriormente cancelado.

Prazo para implantar a decisão

Em meio à análise do processo no ambiente virtual, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator, mas propôs um prazo de 24 meses para que a decisão seja implantada. A ideia é que, durante este período, os estados comprem aparelhos de scanner corporal ou similar, com os recursos do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN).

O decano sugeriu a seguinte tese:

"A revista íntima para ingresso em estabelecimento prisional ofende a dignidade da pessoa humana, especialmente a intimidade, a honra e a imagem, devendo ser substituída pelo uso de equipamentos de inspeção corporal (scanner corporal), no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, a contar da data deste julgamento ou limitar-se à busca pessoal, na hipótese do art. 244 do CPP".

O ministro Edson Fachin aderiu à sugestão, fixando o seguinte entendimento:

“É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais. A prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos, ressalvando-se as decisões proferidas e transitadas em julgado até a data deste julgamento. Confere-se o prazo de 24 meses, a contar da data deste julgamento, para aquisição e instalação de equipamentos como scanners corporais, esteiras de raio X e portais detectores de metais”.

O caso

O caso analisado é o de uma mulher absolvida da acusação de tráfico de drogas. Em 2011, foi flagrada na revista do presídio com 96,09 gramas de maconha nas partes íntimas, que seria levada ao irmão preso.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul recorreu alegando que a situação cria uma “imunidade criminal”, dando salvo-conduto para aqueles que pretendem entrar com drogas no sistema carcerário.

 

Prisões de São Paulo têm trabalho escravo, apontam peritos federais

imagem 2024 10 04 081826795 O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, afirmou que prisões do estado de São Paulo submetem presos a trabalho escravo, entre outras graves violações de direitos humanos. O relatório foi enviado na segunda-feira (1º/10) ao Ministério Público, ao Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Contas e ao governo de São Paulo.

Os peritos federais inspecionaram prisões paulistas em outubro do ano passado. Em duas delas, constataram trabalho escravo por parte dos detentos, entre outras ilegalidades.

A apenas 20 quilômetros da capital paulista, na penitenciária penitenciária Adriano Marrey, em Guarulhos (SP), a maior parte do trabalho não é remunerado ou usado para a remição da pena. Na cozinha, a jornada de trabalho dura 14 horas diárias, das 4h30 às 18h30. A remuneração, quando houve, foi de R$ 9 ao mês.

Em outro trecho do relatório, o órgão federal registrou que um preso morreu depois de esperar por uma semana para receber atendimento médico após uma fratura nas costelas.

Na penitenciária de Dracena (SP), a 650 quilômetros da capital, o MNPCT colheu “relatos generalizados e consistentes” de que o trabalho na cozinha é exaustivo e geralmente não remunerado ou contabilizado para a progressão penal. Os presos trabalham das 6h às 16h, mesmo doentes, e são obrigados a acordar às 3h da manhã.

Os internos deveriam ganhar um salário mínimo, mas recebem de fato apenas três quartos do valor. A justificativa do governo: o dinheiro vai para presos em outros trabalhos sem salário, a exemplo da limpeza da carceragem. Há relatos de pagamentos de R$ 7 mensais.

Além da cozinha, os presos trabalham em um local de criação de porcos ou no cuidado de idosos dentro da cadeia. A repressão desproporcional, ainda segundo o relatório do MNPCT, inclui golpes com canos de ferro pelos agentes penitenciários.

“Cenário trágico no sistema prisional de São Paulo, no qual se evidenciaram práticas de tortura sistemáticas, através de espancamentos, violência psicológica e uso desproporcional e inadequado de armamentos menos letais, além de outras formas de tratamento cruel e desumano, com uma população presa em situação de fome, incomunicabilidade, superlotação e total desassistência à saúde”, afirmou o MNPCT.

Procurado, o governo de São Paulo afirmou que os dados citados pelo MNPCT “não contemplam as reformas estruturais” nos presídios do estado, entregues até abril deste ano. “Os presídios dispõem de equipe básica de saúde, composta por médico, enfermeiro, dentista e auxiliar de enfermagem, em parceria com os municípios onde estão situados”, disse a Secretaria da Administração Penitenciária, acrescentando: “A secretaria disponibiliza canais para recebimento de denúncias, caso identificado eventual desvio”.

Fonte: https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/prisoes-de-sao-paulo-tem-trabalho-escravo-apontam-peritos-federais

Estado qualifica monitoramento de apenados ao zerar fila para instalação de tornozeleiras eletrônicas

r0916 Após força-tarefa, todas as determinações judiciais foram cumpridas, resultando em importante avanço para o sistema prisional

A monitoração eletrônica é um dos caminhos de ressocialização que permite às pessoas privadas de liberdade uma reinserção gradual à sociedade, a partir do convívio próximo com familiares, da possibilidade de retomar os estudos ou iniciar um novo emprego. Neste ano, todas as determinações judiciais de instalação de tornozeleiras eletrônicas no Rio Grande do Sul foram executadas pela Polícia Penal, zerando uma fila de espera de cerca de 6 mil apenados. 

O cumprimento dos requerimentos foi possível, em parte, por conta de novo contrato firmado em novembro de 2023, com a empresa Spacecomm Monitoramento S/A, que conseguiu suprir a demanda de fornecimento de materiais ao Estado. O contrato prevê a locação de equipamentos e o software de monitoração e rastreamento eletrônico de pessoas vinculadas a procedimentos judiciais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). A instalação é realizada por servidores dos nove institutos penais de monitoramento eletrônico da Polícia Penal. 

O secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo, Luiz Henrique Viana, salientou que esse era um gargalo que vinha sendo enfrentado com muita atenção pela gestão. “Buscamos por uma solução eficiente, segura e com menos custos aos cofres públicos. Solucionamos um problema e capacitamos o sistema para o devido cumprimento das decisões judiciais”, disse. 

O Rio Grande do Sul é o segundo Estado com o maior número de monitorados. Segundo o relatório da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), havia 9.232 em dezembro de 2023, ficando atrás apenas do Paraná (14.874). 

Cada tornozeleira instalada tem um custo de R$ 222, gerando uma economia de 39% em comparação com o último contrato. Além da redução de custos, a monitoração eletrônica, como ferramenta de fiscalização, permite a geração de dados atualizados por minuto a respeito da localização da pessoa monitorada, bem como uma resposta ágil à eventual reincidência criminal. 

Tornozeleira eletrônica
Cada tornozeleira instalada tem um custo de R$ 222, gerando uma economia de 39% em comparação com o último contrato - Foto: João Pedro Rodrigues/Ascom SSPS

O superintendente da Polícia Penal, Mateus Schwartz, afirmou que dois fatores foram importantes para atender à demanda reprimida de instalações. “A garantia da disponibilização e entrega do número de dispositivos necessários e a força-tarefa realizada por servidores da Monitoração Eletrônica de todo Estado permitiram que superássemos um problema histórico no sistema penitenciário gaúcho, cumprindo todas as decisões judiciais”, destacou.

Conforme dados do painel que compila o perfil das pessoas privadas de liberdade, há atualmente 9.982 monitorados no Estado. O Instituto Penal de Monitoramento da 10ª Região Penitenciária, localizado em Porto Alegre, concentra a maior parte no Estado, com 4.202. De acordo com o Departamento de Monitoração Eletrônica (DME) da Polícia Penal, o Instituto instala, em média, 25 tornozeleiras eletrônicas por dia.

Nova tecnologia 

O novo equipamento é composto por um dispositivo portátil de monitoramento eletrônico remoto georreferenciado, atrelado a uma cinta de borracha. Também é entregue ao monitorado um manual com cuidados básicos e carregador. Com um material adaptado ao perfil das pessoas privadas de liberdade brasileiras, a tornozeleira foi construída para permanecer funcionando caso ocorra a retirada ou o rompimento. 

Tornozeleiras eletrônicas e cartilha da Polícia Penal
Além da tornozeleira, o monitorado recebe o carregador e um manual com cuidados básicos - Foto: João Pedro Rodrigues/Ascom SSPS

Após a instalação, que ocorre conforme decisão judicial, é feito um cadastro no sistema da Polícia Penal, com a inclusão de restrições determinadas pelo Judiciário. Em seguida, os monitorados passam por um atendimento de acolhimento nas áreas jurídica, social e psicológica, com o objetivo de identificar eventuais dificuldades e realizar o encaminhamento adequado às situações relatadas. 

O procedimento de colocação também inclui um treinamento básico aos apenados, com explicações acerca do funcionamento, carregamento do dispositivo e dos cuidados necessários. Além do acolhimento, as equipes dos institutos de monitoramento eletrônico podem realizar manutenções e substituições de equipamentos danificados.

Capacitação dos servidores

Após a assinatura do contrato, a empresa responsável pelo fornecimento dos materiais ofereceu treinamento especializado aos servidores de cada região penitenciária. Para seguir qualificando o serviço prestado, o DME, em parceria com a Escola do Serviço Penitenciário da Polícia Penal, iniciou em agosto um curso de instalação de tornozeleiras eletrônicas, para servidores de unidades prisionais. 

“Mapeamos os principais polos no Estado e estamos treinando servidores das casas prisionais para fazer essa instalação. Além disso, podemos proporcionar uma economia aos cofres públicos, porque não será necessário escoltar o apenado da casa prisional até o Instituto Penal de Monitoramento Eletrônico, uma vez que há um servidor habilitado para fazer a instalação”, explicou o diretor do DME, Antônio Reisser.

Fonte: https://www.estado.rs.gov.br/estado-qualifica-monitoramento-de-apenados-ao-zerar-fila-para-instalacao-de-tornozeleiras-eletronicas

Ministério Público investiga falsificação de certificados usados para redução de pena de presos

r0913 Nesta terça-feira (10), o Ministério Público do Paraná, por meio dos Núcleos de Londrina e Francisco Beltrão do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), deflagrou a Operação Xadrez, com o objetivo de desmantelar uma organização criminosa envolvida na falsificação de documentos particulares. A ação investiga a emissão de certificados fraudulentos que eram utilizados para a remição de pena de presos no Paraná.

As autoridades cumpriram dez mandados de busca e apreensão domiciliar e sete mandados de busca pessoal nas cidades de Cambé, Campo Largo, Curitiba, Londrina e Pontal do Paraná. O foco das investigações é um grupo criminoso com sede em Cambé, que atuava em várias regiões do estado, fornecendo certificados falsos para presos. Os documentos indicavam a participação dos detentos em cursos que jamais haviam sido realizados, emitidos em nome de entidades religiosas e associações, além de órgãos como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) do Paraná.

A investigação teve início em junho de 2021, após a 3ª Promotoria de Justiça de Francisco Beltrão detectar a inclusão de possíveis certificados falsos em um processo judicial. A descoberta levou o Gaeco a aprofundar a apuração, revelando o esquema fraudulento de emissão de certificados. Ao longo das investigações, o Núcleo de Londrina do Gaeco passou a colaborar com a operação, que culminou na execução dos mandados judiciais determinados pela Vara Criminal de Cambé.

Fonte: https://xvcuritiba.com.br/ministerio-publico-investiga-falsificacao-de-certificados-usados-para-reducao-de-pena-de-presos/

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