Por mais de um século, a Marinha brasileira tentou apagar a história de João Cândido, o marinheiro negro que liderou, em 1910, a revolta contra os castigos físicos impostos quase exclusivamente a praças negros e pobres.
Um documento oficial do Almirantado Brasileiro obtido pelo Intercept Brasil, de 27 de agosto de 1912, ajuda a explicar quem são os responsáveis pela institucionalização desse apagamento.
O papel, localizado nos arquivos da Biblioteca Nacional, trata da substituição de um juiz no Conselho de Guerra responsável por julgar João Cândido e outros marinheiros.
Com o impedimento do presidente do conselho, a função foi assumida pelo capitão-de-fragata Augusto Heleno Pereira. O nome pode soar familiar: trata-se do avô do general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O Conselho de Guerra foi o instrumento que consolidou a expulsão de João Cândido da Marinha — apesar de ele ter sido absolvido das acusações formais relacionadas à Revolta da Chibata. O julgamento abriu caminho para uma punição administrativa que o empurrou para décadas de perseguição, miséria e ostracismo.
No texto oficial, o Almirantado informa que, diante do impedimento do presidente do conselho, o capitão de fragata Pedro Max Fernando Frontin, Augusto Heleno Pereira foi nomeado para substituí-lo “para os fins convenientes”. A linguagem seca esconde o peso do ato: o conselho julgava os marinheiros que haviam ousado se insurgir contra a chibata, prática herdada da escravidão e mantida na República.
