A cabeleireira Eliane Silva, 30 anos, ficou muito preocupada quando soube que seu marido, preso há três anos no sistema prisional do estado de São Paulo, havia adoecido atrás das grades, com a pele coberta por sarna e furúnculos. Ela só conseguiu se acalmar por causa de um programa da Secretaria da Administração Penal (SAP), chamado Conexão Familiar, com o qual familiares e detentos podiam trocar e-mails toda semana.
Fosse hoje, Eliane não teria mais a mesma possibilidade de saber o que se passava com o companheiro. Desde o dia 23 de julho, a SAP do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) restringiu o alcance do Conexão Familiar. Agora a comunicação passou a ser mensal e os presos não poderão mais responder às mensagens que receberem dos parentes.
A SAP criou o projeto durante a pandemia de Covid-19. Na época, visitantes cadastrados poderiam mandar mensagens de até 2 mil caracteres, duas vezes por semana, para os parentes.
Mudanças
A resolução da SAP n.º 84/2023, publicada em 23 de julho, alterou o projeto. O texto destaca que o fim da pandemia de Covid-19, a volta das visitas presenciais e a necessidade de adequar a comunicação eletrônica às atividades diárias das unidades motivaram a mudança.
Cabe ao diretor de cada unidade indicar um servidor responsável pela condução do projeto. O agente tem como função verificar a regularidade cadastral de quem manda a mensagem, verificar a quantidade de mensagens que cada preso recebe, imprimir e entregar a mensagem ao reeducando no prazo de 10 dias. O prazo é o mesmo para a notificação dos familiares sobre o repasse da mensagem.
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Há quatro dias, a SAP publicou no Instagram a mudança. O texto destaca como uma das justificativas que o sistema de envio de cartas pelos Correios funciona normalmente.
Nos comentários, familiares criticaram a alteração. “Quem tem família longe não pode nem ter mais imail (e-mail) sendo que cartas demora uma eternidade para ser entregue”, escreveu uma familiar.
A Ponte entrou no site do projeto nesta segunda-feira (29/7). Uma mensagem avisa que cada preso pode receber apenas uma mensagem por mês.
O texto informa que as mensagens serão impressas e entregues ao reeducando. Quem envia a mensagem será informado por e-mail de que a comunicação ocorreu, mas não receberá um retorno do preso.
Detentos em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico são exceções. O grupo pode receber uma mensagem por semana.
Famílias protestam
Eliane Silva destaca que o Conexão, diferente de cartas e telegramas, é um serviço gratuito. “Não é tão barato no Correio. O selo está caro. Às vezes tem que mandar algo urgente e paga mais caro pela carta registrada”, comenta. O custo de uma carta registrada é de cerca de R$ 18.
Há oito meses, o marido da cabeleireira foi transferido do Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, na zona oeste da capital, para uma unidade a mais de 600 quilômetros. A distância e a mudança no projeto prejudicaram a comunicação.
Outra familiar de preso, que pediu para não ser identificada, diz que o formato antigo do Conexão Familiar era uma forma de ter notícias rápidas. Quando não conseguia visitar o parente preso, era por esse canal que recebia notícias. Ela diz que não manda cartas por causa da demora. “Às vezes, precisamos de um retorno rápido, por exemplo, saber o que ele está precisando pra mandar no jumbo [alimentos e itens de higiene enviados por familiares para suprir o que o Estado não fornece nas prisões]”, comenta.
“Essa SAP só prejudica. Não facilita em nada”, afirma a esposa de um preso. O marido dela está preso há três anos e meio. Durante todo esse período, a família se comunicou pela Conexão. “[A mudança] me afetou demais porque não é sempre que podemos visitar e agora ficamos sem notícia”, conta.
O mesmo drama vive a família de um detento que cumpre pena na Penitenciária Flórida Paulista, no interior do estado. Era por meio deste contato que ela conseguia avisar ao marido sobre a saúde e o desenvolvimento dos dois filhos de um e três anos.
Cartas e telegramas são alternativas que demoram a ter resposta, conta. Já as visitas presenciais têm alto custo financeiro. O deslocamento chega a custar R$ 280, saindo da capital. É preciso desembolsar mais R$ 100 com hospedagem. O gasto impede que os dois filhos visitem o pai.
O que diz a SAP
A Ponte procurou a SAP com questionamentos sobre a mudança no programa.
A SAP informou que publicou no site da pasta matéria informando sobre a mudança. A postagem foi feita na última quarta-feira (24/7). O texto cita as mudanças elencadas na matéria e justifica que a alteração ocorre também pela retomada do trânsito interno de presos nas unidades prisionais.
“As mudanças são necessárias, pois também foi retomada a dinâmica de trânsito interno de presos nas unidades prisionais, o que diminuiu a disponibilidade de servidores para entregar e receber as mensagens, gerando atrasos”, diz o texto.