Tarcísio pausa PAD contra delegado suspeito de acobertar dono da Dolly

2 Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas suspendeu o processo administrativo disciplinar (PAD) contra o delegado da Polícia Civil Pedro Arnaldo Buk Forli e os agentes Alexandre Akira Issatugo e Elias Barbosa Santos. Os três são acusados de receber vantagens indevidas para acobertar o desmatamento de uma área de Mata Atlântica promovido pelo dono da fábrica de refrigerantes Dolly, Laerte Codonho.

O empresário, os policiais e mais 6 pessoas respondem a uma ação penal por corrupção e crime ambiental em trâmite na 4ª Vara de Itapecerica da Serra. A suspensão do processo disciplinar, de acordo com Tarcísio, vai se estender até que seja proferida sentença na ação penal. O governador determinou o acompanhamento do caso pela Delegacia Geral de Polícia Civil para que o PAD seja instruído a partir da decisão judicial.

As investigações sobre o crime ambiental no qual os policiais estariam envolvidos começaram em 2018. Naquele ano, Laerte Codonho foi preso por uma fraude fiscal de R$ 4 bilhões. Na operação, foram apreendidos notebooks, celulares e pen drives, cuja análise revelou um esquema de pagamento de propina para que o desmatamento fosse acobertado.

Codonho estava construindo uma distribuidora de água mineral em uma extensa área de floresta preservada em São Lourenço da Serra, onde havia a nascente de um rio. Imagens de satélite mostraram que cerca de 6 hectares foram gradualmente devastados entre 2014 e 2016.

O conteúdo do material apreendido mostrou que Laerte Codonho acompanhava todo o processo de pagamento de propina aos agentes públicos. Testemunhas afirmaram à polícia que ele seria o responsável pela liberação do dinheiro entregue aos policiais e um motoboy confirmou o transporte periódico dos valores.

“Ele acompanhou esse processo de desmatamento, inclusive fazendo sobrevoo no local, enviando mensagens com filmagens do local sendo desmatado, e, por fim, ainda temos indicações, provas diretas, testemunhas, de que ele, de fato, coordenou todo esse processo. Ele determinou a realização desse desmatamento, bem como o pagamento das propinas”, afirmou, em 2019, o promotor de Justiça Rodrigo Mansour da Silveira, autor da denúncia contra os envolvidos.

Na época das denúncias, o delegado Pedro Arnaldo Buk Forli negou envolvimento no esquema e alegou que não trabalhava na região quando as irregularidades ocorreram. A suspensão do PAD foi recomendada por parecer da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo. A coluna não conseguiu contato com os três policiais apontados pelo Ministério Público. O espaço segue aberto para manifestações.

Fonte: https://www.metropoles.com/colunas/paulo-cappelli/tarcisio-pausa-pad-contra-delegado-suspeito-de-acobertar-dono-da-dolly

Orla: Policiais federais são presos após confusão com delegado e PMs

 Dois policiais federais foram presos após uma confusão envolvendo um delegado da Polícia Civil de Sergipe e alguns policiais militares. A ocorrência foi registrada durante o “Arraiá do Povo”, na Orla de Atalaia, na madrugada desta segunda-feira, 10.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), a confusão resultou em lesão corporal tendo como vítima um delegado da Polícia Civil, ferido no olho. “Os agentes federais foram conduzidos à Central de Flagrantes pela Polícia Militar e chegaram a desacatar os policiais militares”, informou a nota.

Ainda segundo a SSP, os dois policiais federais foram presos em flagrante pelas práticas de lesão corporal dolosa, resistência e desacato. Um delegado plantonista federal foi acionado e acompanhou o Auto de Prisão em Flagrante, que foi registrado na Central de Flagrantes, zona norte de Aracaju.

O órgão de Segurança Pública informou ainda que, “como a soma dos crimes praticados ultrapassaram a pena de quatro anos de prisão, o delegado plantonista da Polícia Civil não pode arbitrar fiança”.

Os policiais federais estão presos na Superintendência da Polícia Federal e serão encaminhados para audiência de custódia.

O que diz a PF

Em comunicado, a Polícia Federal informou que foi cientificada de que, na madrugada desta segunda-feira, 10, ocorreu um incidente envolvendo dois policiais federais e um delegado da Polícia Civil durante festa popular tradicional na Orla de Atalaia, em Aracaju.

“Foi iniciada uma apuração interna, a fim de esclarecer as circunstâncias do ocorrido e se houve infração disciplinar por parte dos policiais federais, que estavam em momento de lazer, e não em serviço”, diz a PF.

Por fim, a instituição federal diz lamentar o episódio “e reforça que os policiais federais envolvidos são profissionais dedicados e comprometidos com a segurança pública e acredita que uma investigação isenta será fundamental para elucidar o evento”

Fonte: https://infonet.com.br/noticias/cidade/orla-policiais-federais-sao-presos-apos-confusao-com-delegado-e-pms/

Sargento flagrado com tornozeleira eletrônica é afastado da Polícia Militar do Piauí

 O sargento João Antônio Torres Nunes foi desligado da Polícia Militar do Piauí (PM-PI). O decreto foi assinador pelo governador Rafael Fonteles (PT) e publicado no Diário Oficial do Governo. 

O policial em questão foi flagrado usando uma tornozeleira eletrônica em serviço. 

O uso da tornozeleira eletrônica foi uma das medidas cautelares impostas ao policial, preso em flagrante por ameaça e importunação sexual contra a ex-namorada.

“Fica cessada, ‘ex officio’, a convocação ao serviço ativo da Polícia Militar do Estado do Piauí do militar abaixo identificado do Núcleo de Voluntários da Reserva Remunerada, sendo revertido para a situação de inatividade”, descreveu o texto do documento. 

Nas imagens divulgadas na época, uma pessoa que filma o agente de segurança ironiza a situação. 

“Você já viu policial de tornozeleira na perna? É a primeira vez que tô vendo na minha vida, de serviço porque não quer ceder”, diz. 

O afastamento já havia sido comunicado pela PM-PI após a repercussão das imagens. 

Fonte: https://cidadeverde.com/noticias/414431/sargento-flagrado-com-tornozeleira-eletronica-e-afastado-da-policia-militar-do-piaui

Suspeita de matar empresário e ficar com o corpo no apartamento teria colocado 50 comprimidos em brigadeirão

Júlia Andrade Cathermol Pimenta no elevador A Polícia Civil investiga a morte do empresário Luiz Marcelo Antônio Ormond, encontrado com o corpo já em decomposição em seu apartamento no Engenho Novo, na Zona Norte do Rio. A principal suspeita de executar o crime é a namorada Júlia Andrade Cathermol Pimenta, que teria dormido com o cadáver por três dias. Em depoimento à polícia, Suyany Breschak, acusada de ser comparsa de Júlia, afirma que a mulher teria colocado 50 comprimidos em brigadeirão “envenenado”.

Segundo relato de Suyany, Júlia teria feito dois brigadeirões e um deles, continha 50 comprimidos moídos de Dimorf de 30mg — indicado para o alívio da dor intensa aguda e crônica, age sobre o sistema nervoso central e outros órgãos do corpo e contém morfina. Luiz teria ingerido o doce com a medicação.
Imagens em prédio onde morava empresário ajudam a polícia a investigar a morte

Imagens em prédio onde morava empresário ajudam a polícia a investigar a morte

Ainda conforme a declaração da suposta comparsa, Júlia relatou em mensagens no celular que Luiz Marcelo ficou com a respiração ofegante, fez um barulho alto e, do nada, teria parado.

Suyane é acusada de estar envolvida no homicídio e ter ajudado a suposta executora a se desfazer dos bens do morto.

O corpo do empresário Luiz Marcelo Antonio Ormond foi encontrado no dia 20 de maio, em seu apartamento. Ele não era visto pelos vizinhos, que desconfiaram e chamaram socorro, desde o dia 17. O cadáver já estava em estágio avançado de decomposição, mas uma marca que indicava um possível golpe na cabeça fez os agentes investigarem como morte suspeita.

Segundo a Polícia Civil, ao decorrer do inquérito “os agentes apuraram que a namorada de Luiz Marcelo esteve no apartamento enquanto ele já estava morto e agiu com ajuda de sua comparsa, que trabalharia como cigana”. A suposta comparsa confessou ter ajudado a dar fim aos pertences da vítima e revelou que boa parte de seus ganhos vinham dos pagamentos de uma dívida de Júlia.

A namorada é considerada foragida da Justiça — contra ela há um mandado de prisão em aberto por homicídio qualificado. O caso segue sendo investigado pela 25ª DP (Engenho Novo).

Fonte: https://extra.globo.com/rio/casos-de-policia/noticia/2024/05/suspeita-de-matar-empresario-e-ficar-com-o-corpo-no-apartamento-teria-colocado-50-comprimidos-em-brigadeirao.ghtml

O rapto de crianças indígenas por cientistas alemães em expedição pelo Brasil no século 19

e0520 Os cientistas alemães Johann Baptist von Spix (1781–1826) e Carl Friedrich Philipp von Martius (1794–1868) são conhecidos por uma famosa expedição que fizeram ao Brasil entre 1817 e 1820, levando do país sul-americano para a Europa milhares de plantas e animais exóticos que seriam posteriormente estudados e catalogados.

Mas uma parte talvez menos conhecida dessa história é que, entre esses milhares de itens transportados para a Europa, estavam também duas crianças indígenas, Juri e Miranha — como ficaram conhecidos em referência ao nome de suas famílias indígenas de origem, da região amazônica.

Eles eram de etnias inimigas, não falavam a mesma língua, mas ficaram juntos na Alemanha. Chegaram primeiro a Lisboa e depois seguiram para Munique.

Entre junho de 1821 e maio de 1822, Juri e Miranha morreram na Alemanha com cerca de 14 anos, após adoecerem por causas pouco claras.

Dois séculos após serem louvadas por suas conquistas científicas, somente nos últimos anos esse lado mais problemático da expedição, o rapto das crianças, tem ganhado os holofotes.

Esse outro lado da história de Spix e Martius foi explorado pela exposição Travelling Back: A Change of Perspective on an expedition from Munich to Brazil in the 19th century [A viagem de volta: Uma mudança de perspectiva sobre a expedição de Munique para o Brasil no século 19], que ficou em cartaz até 5 de abril no instituto Zentralinstitut für Kunstgeschichte, em Munique, na Alemanha.

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Crédito, Divulgação/Felix Ehlers

Legenda da foto, Colagem com imagem da criança indígena Miranha em exposição em Munique

Com curadoria da historiadora brasileira Sabrina Moura, a mostra reuniu obras de artistas contemporâneos que revisitam criticamente o episódio, além de um material diverso, como jornais da época revelando um grande interesse público pelas crianças.

No Brasil, o rapto de Juri e Miranha despertou maior interesse após o lançamento do livro O Som do Rugido da Onça (2021), da escritora e historiadora brasileira Micheliny Verunschk. Vencedor do Prêmio Jabuti em 2022, o romance narra a história especialmente a partir do ponto de vista de Iñe-e, nome que Miranha ganha na trama.

Trechos da publicação foram traduzidos para o alemão e incluídos na exposição em Munique. A programação da mostra incluiu também uma conferência, realizada em fevereiro, com a participação de Verunschk.

Episódio desconfortável

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Crédito, Litografia de Carl Friedrich Heinzmann

Legenda da foto, A litografia Yögel teich am rio de S. Francisco, um dos registros da expedição de Spix e Martius

Na conferência, comentários na plateia deixavam claro como o episódio ainda provocava reações confrontantes.

Houve quem tentasse relativizar, afirmando que também havia rapto de crianças entre povos indígenas inimigos. Ou, ainda, quem justificasse que elas foram trazidas com objetivos científicos.

"Eu achei que essa história já tivesse sido mais discutida e digerida pela sociedade da Baviera [Estado alemão onde fica Munique]. Mas não, de fato é algo ainda permeado de ausências e bastante sensível", diz Moura, doutora em História da Arte pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que hoje vive em Munique, onde realiza o pós-doutorado no centro de pesquisas Käte Hamburger Research Center global dis:connect.

"Enquanto a gente vê a relevância desses cientistas em Munique, há uma grande ausência sobre outros aspectos dessa prática científica."

De acordo com a curadora, o debate sobre esse outro lado da expedição de Spix e Martius tem sido levantado por instituições e cientistas mais ligados aos debates pós-coloniais (abordagem de estudo que olha criticamente para o passado e para as consequências atuais do colonialismo e do imperialismo), mas "grandes instituições da Bavária pouco falam sobre essa história".

O legado da viagem de Spix e Martius ao Brasil para a ciência já foi devidamente reconhecido, assim como os louros dos cientistas foram colhidos o suficiente no antigo reino da Baviera — que existiu de 1806 até 1918, quando, após a Revolução Alemã, foi sucedido pelo então Estado Livre da Baviera.

Três anos após voltarem da expedição na qual percorreram 14 mil quilômetros do território brasileiro, coletando e catalogando mais de 22 mil espécies de plantas, o botânico Martius e o zoólogo Spix foram agraciados com o título de nobreza, incorporando o "von" antes de seus sobrenomes.

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Crédito, Münchner Stadtmuseum, Sammlung Angewandte Kunst

Legenda da foto, Placa mortuária encomendada pela Rainha Carolina da Baviera ao artista Johann Baptist Stiglmaier para adornar o túmulo das crianças indígenas

Foi também em 1823 que lançaram o primeiro volume do livro Reise in Brasilien (Viagem pelo Brasil, na versão em Português), com textos onde mesclavam relatos de uma visão romântica da natureza tropical com observações atestando a superioridade europeia em relação aos povos nativos.

Hoje, grande parte dos itens levados por Spix e Martius integra uma coleção do museu etnológico de Munique.

O historiador Markus Wesche, autor do livro Zwei Bainer in Brasilien (Dois Bávaros no Brasil, em tradução livre), foi uma das vozes locais que criticou a maneira como o assunto foi abordado na exposição.

Segundo ele, o foco na história das crianças levadas por Spix e Martius é problemático pois ignora que houve "um grande número de indígenas levados para a Europa sobre os quais praticamente nada sabemos", escreveu à BBC News Brasil por e-mail.

Ele questiona também a denominação de sequestro, afirmando que esse "é um termo do Direito Penal [atual] e não descreve adequadamente o caso."

O historiador relata que Martius "sentiu a morte do menino como um 'veredito pesado'", citando as palavras do cientista.

"Os feitos do jovem Martius [o botânico tinha 23 anos quando deixou a Europa] foram motivados pela sua profunda crença como cristão e cientista de que desvendar os segredos da natureza e a educação levaria ao enobrecimento humano", defende Wesche.

Micheliny Verunschk, cujo romance também revisita trechos dos diários de Martius e Spix, foi enfática ao responder aos argumentos de Wesche na conferência.

"Causa espanto que, dentre as milhares de anotações feitas minuciosamente pelos cientistas a respeito da expedição e seus resultados, apenas as informações sobre as crianças tenham sido reescritas diversas vezes. As rasuras dizem que von Martius e Spix sabiam muito bem o que estavam fazendo", afirmou a autora à BBC News Brasil, depois do evento.

Quando menciona trechos reescritos, Verunschk está se referindo a relatos contraditórios e rasuras nos escritos de Martius já observados por pesquisadores.

Sobre o uso do termo "sequestro", adotado também em diversos artigos acadêmicos, a escritora justifica sua pertinência.

"O tráfico infantil indígena no contexto colonial ainda é pouquíssimo estudado, mas todo tráfico, sabemos, é antecedido por atos de violência: a separação de alguém de sua família, terra, cultura. Talvez possamos, em certa medida, chamar a esse ato violento de sequestro, ainda mais quando temos informações tão díspares sobre o que de fato aconteceu com essas crianças."

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Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Colagem de Gê Viana reconstroi imagem de Miranha (aqui, a obra original não aparece na íntegra por questões de formatação)

Até hoje não se sabe como se chamavam originalmente Johannes e Isabella, nomes que as crianças ganharam após serem batizadas na Alemanha.

Em 1824, a rainha Carolina da Baviera encomendou ao artista Johann Baptist Stiglmaier uma placa mortuária para adornar o túmulo das crianças indígenas no antigo cemitério sul de Munique, levada depois para o Stadtmuseum, um museu em Munique.

A placa mortuária foi emprestada pelo museu e foi um dos destaques da exposição Travelling Back: A Change of Perspective on an expedition from Munich to Brazil in the 19th century.

A mostra também teve obras dos artistas visuais Frauke Zabel, Yolanda Gutiérrez, Igor Vidor, Elaine Pessoa e Gê Viana.

É dessa última uma colagem digital inspirada em uma litografia presente no livro Reise in Brasilien, com um retrato de Miranha — a qual faz parte da Coleção Brasiliana do Itaú Cultural, em São Paulo (SP).

Na versão de Gê Viana, a menina é adornada com penas, folhas e um halo azul justaposto a facões — uma reinterpretação da violência colonial.

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cll4zdq3n00o

 

'Foi inimigo número um das elites e do próprio imperador', diz biógrafo de Luís Gama

yytt Apesar de ter nascido livre em 1830, Luís Gama teve que conquistar a própria liberdade após ter sido vendido pelo seu pai, um fidalgo português, quando tinha oito anos de idade. Esta foi apenas a primeira vitória que o intelectual, advogado, professor, poeta e abolicionista conquistou ao longo de sua vida.

 Luís Gama garantiu por via judicial a liberação de, pelo menos, 750 pessoas. 

Esta aptidão para interpretar as leis da época, somado à sua defesa pela democracia fizeram dele o "inimigo número um das elites imperiais e do próprio imperador", afirma o historiador Bruno Rodrigues de Lima.

O pesquisador lançou recentemente o livro Luiz Gama contra o Império: A luta pelo direito no Brasil da Escravidão, publicado pela editora Contracorrente. A obra de mais de 600 páginas é uma adaptação e atualização da tese de doutorado do historiador. 

Bruno Rodrigues de Lima defendeu seu trabalho na Faculdade de Direito da Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main e lhe rendeu o prêmio Walter Kolb de melhor tese de doutorado da Universidade de Frankfurt e a medalha Otto Hahn de destaque científico da Sociedade Max Planck.


Livro é uma adaptação da tese premiada de doutorado de Lima / Reprodução/Contracorrente

"É algo muito valioso, para quem pensa em um projeto de Brasil, pensar o projeto de Luís Gama. É um projeto abolicionista radical, sem concessões aos senhores, sem concessão e sem negociação, ou seja, é alguém que consegue ir à frente com uma bandeira tão difícil de ser levada à frente. E ele vai lá e leva a bandeira da abolição, da democracia, da terra, trabalho, direito para todos e todas", comenta o pesquisador em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (14).

O pesquisador lembra que Gama também foi poeta, sendo o primeiro homem negro a publicar um livro deste gênero literário no país. Além disso, fundou e foi editor-chefe de um jornal intitulado Democracia. Lima comenta que por uma questão de segurança, Gama não assinava com seu próprio nome, mas com o pseudônimo Afro.

"Ele é o Afro, ele é um homem preto na São Paulo branca, e ele vai afirmar que a democracia dele é uma democracia sem pena de morte, é uma democracia socialista, palavra do gama antes da Comuna de Paris."

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: No seu livro você demonstra como o Brasil do século 19 tinha leis que legitimavam a escravidão. No entanto, é usando destas leis que Luís Gama foi capaz de libertar mais de 750 pessoas. Como ele fez isso? Que tipo de truque, magia ou sagacidade ele tinha para furar o sistema usando as regras do próprio sistema?

Bruno Rodrigues de Lima: É um pouco de truque, um pouco de magia, um pouco de sagacidade. É Luiz Gama contra o Império.

O nome do livro sintetiza um pouco essa ideia de que ele tinha lado, sabia contra quem estava lutando, e tinha um profundo conhecimento do Império, das armas do Império, da estrutura do Império, de como ele funcionava. Por ter esse conhecimento é que ele sagazmente inventou um repertório de ferramentas para abrir caminhos de liberdade dentro do edifício escravista.

Brasil, você sabe, era a única sociedade escravista de soberania plena das Américas. Tinha escravidão em todos os cantos do Brasil, em todos os lugares. O Brasil tinha 20 províncias, tinha escravidão nas 20 províncias. O Brasil tinha 635 municípios, tinha gente escravizada nos 635 municípios. O Brasil tinha 1.449 paróquias, tinha gente escravizada em 1.442 paróquias.

Tudo isso que eu estou dizendo é segundo os dados oficiais do Censo Demográfico de 1872, quando o Luiz Gama tinha 42 anos de idade.

Esse era o Brasil do Luiz Gama. Esse era o Império do Brasil: um império de cima a baixo, de norte a sul, leste a oeste, o império da escravidão.

Ele entende o direito, entende que a escravidão era justificada, amparada, chancelada pelo direito. Com essa compreensão, ele vai conseguindo abrir caminhos para garantir liberdade para mais de 750 pessoas, através do judiciário e outras estratégias processuais à margem do judiciário também.

É por tudo isso que 150 anos depois da existência de Luís Gama estamos aqui reunidos falando da história de luta pela liberdade no Brasil que ele protagoniza.

Ele não protagoniza no sentido de que ele individualmente se sobrepõe às demais lutas, não é nesse sentido, mas é no sentido de que ele compreende o seu tempo histórico, os valores que ele luta, a causa que ele encampa e organiza, o movimento abolicionista, quando nem movimento abolicionista tinha, e vai coletivamente liderar esse processo.

É algo muito valioso, muito importante para quem pensa em um projeto de Brasil, pensar o projeto de Luís Gama, que é um projeto abolicionista radical, sem concessões aos senhores, sem concessão e sem negociação.

Ou seja, é alguém que consegue ir à frente com uma bandeira tão difícil de ser levada à frente, tão desigual eram as armas da época, tão desigual as forças forças e as correlações. Ele vai lá e leva a bandeira da abolição, da República, da democracia, da terra, trabalho, direito para todos e todas. 

Isso quando o movimento abolicionista ainda nem existia. 

Seu livro mostra como Luís Gama lutou contra o Império. Ele morreu antes que a República fosse declarada. No entanto, com mais de 100 anos de República, o Brasil segue reproduzindo práticas escravistas. Você acredita que Gama se desiludiria com a República brasileira?

Essa é a pergunta que eu me faço também, porque eu quero compreender esse Brasil, quero entender o que está acontecendo nele e faço isso lendo Luís Gama.

Ver que a República tal qual proclamada e os arranjos de poderes que se sucedem nas primeiras décadas, pelo menos até Getúlio, e depois mesmo durante o período de Getúlio todos os golpes e contragolpes dessa metade do século 20 até chegar agora o pacto de 1988…. O Brasil é muito jovem. 

Então, se a gente perguntar, os avós dos nossos avós são contemporâneos do Luz Gama, sabe? Está muito perto. Então, a própria República é um regime político recém proclamado. A gente tem um século e pouco…

Agora, o que eu quero dizer até que as mesmas famílias que estavam lá atrás, no judiciário, por exemplo, ou nas forças armadas, são as mesmas famílias em muitos oficiais de hoje, muitos juízes de hoje. 

Se a gente analisar a linhagem familiar, vamos ver que o Brasil mudou muito pouco. Se há trabalho análogo à escravidão como há e pesado se formos pensar: Tocantins, Pará, ou o bairro do Brás, em São Paulo, ou bairros da zona central das grandes cidades, do Rio, Belo Horizonte...

Você tem coisa acontecendo que o Ministério Público nem sonha em investigar, que tem obrigação funcional de investigar.

Luís Gama funda um jornal em 1867 chamado Democracia, uma palavra proibida de se enunciar no discurso político da época.

Luís Gama é aquele que vai plantar a semente da democracia no Brasil. Ele foi o redator-chefe desse jornal. Ele assina esse jornal com pseudônimo, porque não poderia assinar em nome próprio, senão o pescoço dele estaria ao alcance da milícia dos escravizadores, cafeicultores do interior paulista, por exemplo.

Mas não escondeu que era dele a autoria daquele jornal. Luís Gama vai afirmar e outras pessoas vão testemunhar que ele estava envolvido em projetos literários como o Democracia.

Lúcio de Mendonça vai dizer: "Eu conheci o Luiz Gama quando ele colaborava na imprensa com o pseudônimo Afro nos jornais de São Paulo".

Gama não assinava em nome próprio, assinava como Afro, que é uma maneira de afirmar sem afirmar, de ocultar a autoria do nome próprio e ao mesmo tempo ele afirma a autoria.

Ele é o Afro, ele é um homem preto na São Paulo branca, e ele vai afirmar que a democracia dele é uma democracia sem pena de morte, é uma democracia socialista, palavra do gama antes da Comuna de Paris

É uma pena que a história do movimento operário brasileiro e do movimento camponês, por exemplo, saber só agora que Luís Gama lançou um jornal chamado Democracia, com um projeto de educação inovador, de ensino laico, de educação em massa, de obrigação do Estado investir em educação de todos e todas, de meninos e meninas, de todas as faixas etárias, um projeto de alfabetização de jovens e adultos

Ele próprio foi um professor de educação de jovens e adultos, ele próprio alfabetizou centenas e centenas de pessoas. A gente está falando de 1867, 1868, 1869, muito antes da queda da monarquia e do fim de trabalho escravizado.

A gente teve um homem preto que se definiu definiu "democrata e socialista", que pensou a república e que foi o alvo, foi o inimigo número um das elites imperiais e do próprio imperador. É por isso que a Luís Gama contra o Império. 

A sua pergunta toca nesse ponto do título do livro… E por quê esse título? Porque Luís Gama estava de um lado, o Império estava de outro. Então, se o Luís Gama estivesse hoje aqui, que é a sua pergunta, não é muito difícil imaginar quais seriam suas bandeiras.

É a bandeira da democracia, da abolição, incompleta, mambembe, capenga, esvaziada, deturpada, que o Gama certamente choraria o choro mais íntimo de sua alma e ao mesmo tempo, da indignação do revolucionário. Iria lutar para fazer a abolição acontecer. 

Como é que acontece uma coisa como aconteceu em 1888 e leva 30 a 40 anos para que o preto pudesse entrar na escola, pudesse ter um ensino técnico e mais 30 a 40 para que entrasse nas universidades e mais quantos que vamos esperar até que eles entrem na magistratura?

Porque a magistratura do Brasil, as carreiras do Itamaraty, as carreiras militares de alta patente, as carreiras do judiciário, da defensoria pública, do Ministério Público, são ocupados por quem?

Nós sabemos, é estatístico, 98% são brancos. Então, o Gama não se surpreenderia com o Brasil que ele ia encontrar.

O Brasil mudou muito pouco. O Brasil, o regime de produção do Brasil de hoje, muda muito pouco do modelo de produção das grandes plantations de café do século 19.

A própria elite brasileira, muito tacanha, acha que isso aqui é uma grande fazenda. O Gama denuncia isso. 

O projeto do Gama é muito sério, é um projeto de democratizar tudo isso que eu falei agora: riqueza, educação, conhecimento, terra, e que o trabalho seja algo muito mais valorizado, digno. Trabalhador precisa ser melhor remunerado.

No lançamento do seu livro na Bahia, você esteve ao lado de Mateus Aleluia e falou para ele como via ideias de Luís Gama nas música dele. Isso tem a ver com as poesias que Luís Gama escrevia ou as ideias que defendia?

Luiz Gama jogava em todas as posições, de modo como você disse também, era um poeta, era um jornalista, e, sim, um herói nacional.

Mateus Aleluia é uma dessas raridades que dá no Brasil e que a gente tem que saber reconhecer e valorizar enquanto é tempo. Valorizar em vida.

Mateus Aleluia tem 80 anos, é um homem que foi pra Luanda, foi pra Angola, que viu a vitória do movimento de libertação de Angola. Que estava lá na luta de Angola contra o apartheid da África do Sul, ele estava lá e tem uma compreensão do panafricanismo que dá chão na Bahia, que dá chão no Brasil, e o lugar do Brasil no mundo.

Então, numa música, por exemplo, que o Mateus Aleluia fala de um novo estágio da humanidade, um estágio de alguém que tem uma utopia de um Brasil, de um mundo, sem reis e sem escravos como o Luiz Gama diria, sem patrões e sem subordinados, o Matheus Aleluia está pensando o Brasil de amanhã, um Brasil que é uma utopia, mas é essa utopia que faz a gente sonhar.

Ele vai falar de que a gente precisa de um líder popular, de alguém que pense o Brasil, que seja pragmático como [Nelson] Mandela, que traga poesia e independência como Leopold Cedarsan Singor, que tenha um sonho como Luther King e que seja um herói como Zumbi [dos Palmares]. 

Ele tem uma música que fala exatamente disso, que é Homem, o Animal que Fala. E eu, dialogando com ele, eu falei: "Olha, Mestre Mateus Aleluia, eu acho que esse ser humano que reúne essas qualidades de trazer poesia, independência, que lute pragmaticamente por um futuro melhor, e que tenha um sonho ao mesmo tempo uma utopia, esse homem é um Luís Gama".

Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2024/05/14/foi-inimigo-numero-um-das-elites-e-do-proprio-imperador-diz-biografo-de-luis-gama

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