Usar carros descaracterizados, armamentos e informações sensíveis de inteligência. Buscar rotas estratégicas e mapas traçados em rodovias brasileiras. Vestir roupa comum, sem farda. O que parecia ser um plano de uma operação policial sigilosa era, na verdade, a maneira como dois policiais rodoviários federais (PRFs) e três policiais militares (PMs) se organizavam para transportar toneladas de cocaína e malas de dinheiro para o crime organizado.
O grupo foi alvo, no último dia 7, da Operação Puritas, da Polícia Federal. No total, foram cumpridos 15 mandados de prisão e outros 30 de busca e apreensão, em sete estados e no Distrito Federal. A droga transportada pelos policiais abastecia a facção Comando Vermelho no Ceará. Os investigados poderão responder por tráfico interestadual de drogas, associação criminosa e lavagem de dinheiro.
Os policiais rodoviários federais Diego Dias Duarte (Bahia) e Raphael Ângelo (Rondônia) e os policiais militares Roberte Paulo Aguiar Souza (Rondônia), Gedeon Rocha de Almeida (Rondônia) e Francisco de Assis Araújo Melo (Bahia) eram responsáveis por transportar os entorpecentes e repassar informações internas para o grupo criminoso. Os servidores cobravam até R$ 2 mil por quilo de cocaína para fazer o transporte da droga.
Em algumas missões, as viagens eram feitas em dupla e eles se revezavam ao volante. Em outras, enquanto um transportava a droga em um carro, o comparsa dirigia um segundo veículo, fazendo o papel de “batedor”.
Quem mandava nos policiais
Os policiais obedeciam aos comandos do traficante José Heliomar de Souza, conhecido como Léo e apontado pela PF como mentor intelectual, coordenador e líder da organização criminosa sediada em Porto Velho, Rondônia.
Os PRFs e os militares tinham uma atuação direta na organização criminosa. Eles usavam informações “sensíveis” e “sigilosas” para beneficiar o grupo, como a identificação de datas e locais de blitzes e operações, bem como a indicação de rotas alternativas.
No caso dos agentes da PRF, os investigadores descobriram vários carros alugados em nome deles. A estratégia, segundo a PF, é comum no tráfico interestadual de drogas. O objetivo era passar pela fiscalização e por colegas de fardas sem levantar suspeitas.
Em contrapartida, Heliomar fornecia informações aos agentes sobre a atividade do tráfico de drogas na região de Porto Velho, de modo que eles fizessem flagrantes contra traficantes que concorriam com o grupo criminoso. Com isso, os agentes de segurança pública passavam às instituições a imagem de serem profissionais exitosos.
Parte das drogas apreendidas pelos policiais também era repassada para Heliomar. Esse modus operandi, segundo a PF, fez a organização criminosa “crescer muito rápido”. As investigações apontam que o mentor intelectual do esquema lavava o dinheiro do tráfico mantendo um mercado, uma locadora de carros e uma transportadora em Porto Velho.
No caso dos PRFs, eles cobravam até R$ 2 mil por quilo de cocaína transportada. O grupo transportava mais de meia tonelada de entorpecentes por viagem. O policial Raphael Ângelo chegou a ganhar um Jeep Compass como forma de pagamento.
Os dois policiais trocaram mensagens entre eles, nas quais reclamavam do valor do frete da droga. Em uma das situações, foram convencidos por Heliomar a fazer o transporte pelo valor menor para “fechar a parceria”.
A PF continua investigando o possível envolvimento de outros agentes de segurança pública no esquema criminoso.
Para as mãos de Don Príncipe
No caso dos PRFs, as investigações apontaram que eles buscavam as drogas em cidades próximas às áreas de fronteira entre Brasil e Bolívia, o que incluía uma rota entre Rondônia e Mato Grosso. A droga tinha como destinatário Lucas Acácio Botelho, o “Don Príncipe”, autodeclarado membro do Comando Vermelho.
Segundo a Polícia Federal, Don Príncipe desempenhava um papel central na organização criminosa no Ceará. Ele era encarregado de coordenar os membros locais responsáveis pela logística e pelos pagamentos relacionados ao tráfico de drogas.
Policiais militares também participavam de esquema de tráfico de drogas
Os agentes da PRF Diego Duarte e Raphael Ângelo não agiam sozinhos. Em 2023, dois PMs de Rondônia foram presos em flagrante, no posto da PRF em Vilhena (RO), transportando cerca de 500 kg de cocaína. Foram eles: o sargento Gedeon Rocha de Almeira e o cabo Roberte Paulo Aguiar Souza.
A PF identificou que, enquanto o cabo Aguiar dirigia a caminhonete transportando a droga, o sargento Gedeon Rocha era responsável por fazer o papel de batedor, ou seja, ele verificava a presença de policiais que pudessem parar o veículo carregado de drogas.
Na ocasião, a PF apreendeu uma pistola com o cabo Aguiar que estava registrada em nome de Heliomar. A partir dessas provas e da confissão dos dois policiais, a PF identificou a ligação dos agentes da segurança pública com o líder da organização criminosa, chegando, mais tarde, também aos policiais rodoviários federais.
Atualmente Aguiar se encontra foragido. A partir da quebra de sigilo telefônico e telemático dos investigados, a PF descobriu que ele chegou a se esconder em uma fazenda ligada a Heliomar.
Em outra ocorrência, dessa vez em setembro de 2022, a PRF prendeu em flagrante, no município de Icó (CE), o policial militar da Bahia Francisco de Assis Melo. O agente transportava uma mala com R$ 689 mil em espécie e várias munições de fuzil. Em depoimento à época, o policial militar disse que pegou a mala com Heliomar e que fez o transporte a pedido de um amigo, o PRF Diego Duarte. O PM alegou ainda que não sabia o que tinha dentro da mala e que a buscou em Fortaleza.
Quem são os policiais investigados
- Roberte Paulo Aguiar Souza, o Cabo Aguiar da PMRO: motorista da organização criminosa. Atualmente encontra-se foragido.
- Gedeon Rocha de Almeida, vulgo “G Rocha”, sargento da PMRO: atuava no transporte de drogas. Foi preso em flagrante por atuar como batedor no transporte de 500 kg de cocaína em janeiro de 2023.
- Diego Dias Duarte, agente da PRF atualmente lotado no estado da Bahia: atuava diretamente nos transporte de droga, alugava veículos e consultava sistemas da polícia para traçar rotas e evitar a fiscalização.
- Raphael Ângelo Alves da Nóbrega, agente da PRF lotado em Porto Velho (RO): preso transportando 542 kg de cocaína em Canarana (MT). Assim como Diego, ele também realizava a consulta em sistemas informatizados da PRF para que outros membros do grupo evitassem fiscalizações. Recebeu um Jeep Pass como forma de pagamento pelo transporte de drogas. Ele foi demitido pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, em 24 de julho deste ano, em razão de um Processo Administrativo Disciplinar.
- Francisco de Assis Araújo Melo, policial militar da Bahia: encontrou-se com Heliomar no dia anterior de sua prisão em flagrante por portar ilegalmente munições de fuzil. Na ocasião, Francisco transportava grande quantia em dinheiro, à qual atribuiu ao “amigo” PRF Diego Duarte e que teria sido recebida de indivíduo apelidado de “Léo” (Heliomar).
Quem são outros 10 integrantes que foram alvos da Operação Puritas
- José Heliomar de Souza, vulgo “Léo”, residente na cidade de Porto Velho (RO): atual líder da organização; atua na articulação da logística de transporte de entorpecentes.
- Suziele Gomes de Oliveira: acompanharia os transportes realizados pelo grupo investigado, realizando, entre outras funções, a navegação nas rotas utilizadas pela organização. Ela acompanhava Raphael no dia em que os dois foram presos em Canarana. Ela também tem ligações com Heliomar, Diego e outros membros da organização criminosa. Em depoimento à PF, disse que teve um relacionamento amoroso com Raphael e que juntos transportaram 2 toneladas de cocaína.
- Rafael Dias Andrade da Cunha: primo do PRF Diego Dias Duarte, identificado como o contato “Adv” em celular apreendido com Suziele. Ele seria o batedor da droga apreendida com Suziele e o PRF Raphael Angelo em Canarana (MT).
- Emerson Miranda Santos, vulgo “Cumpadre”: é um dos destinatários dos transportes organizados por José Heliomar. Foi um dos financiadores da compra do veículo Jeep Compas utilizado como pagamento ao PRF Raphael Angelo.
- Lucas Acácio Botelho, o “Don Príncipe”: autodeclara-se como membro do Comando Vermelho (CV), desempenhando um papel central na organização criminosa no Ceará. Além de ser um dos destinatários da droga, é também encarregado de coordenar os membros locais responsáveis pela logística e pelos pagamentos relacionados ao tráfico de entorpecentes.
- Thiago Silva Duarte, vulgo “Don Oscar”: principal contato de Lucas Acácio no núcleo da organização criminosa em Fortaleza (CE), responsável pela parte financeira do grupo.
- Thiago Rodrigues Pinheiro, vulgo “Babu”: citado recorrentemente em conversa de Don Príncipe com José Heliomar, realizou deslocamentos suspeitos, segundo as investigações.
- Matheus Lourenço de Oliveira: responsável pela parte financeira da organização criminosa que lida com os pagamentos e depósitos bancários. Ele trabalha sob ordens de Don Príncipe.
- Rafael Assunção Gadelha: membro operacional responsável pela logística no estado do Ceará. Deslocou-se a mando de “Don Príncipe” e foi responsável por um encontro em Jijoca de Jericoacoara (CE) possivelmente para receber entorpecentes de Diego Dias Duarte, que estava acompanhado de Suziele.
- Lucas Lourenço de Oliveira, vulgo “Boleta”: executa papel similar ao de Matheus Lourenço, que é seu irmão, atuando sob as ordens de Don Príncipe.
Fonte: https://www.metropoles.com/colunas/tacio-lorran/esquema-policiais-drogas-comando-vermelho