'Holocausto Brasileiro' vira filme de 'terror da vida real' nas mãos do diretor André Ristum

ac Um mundo sem cores, repleto de comprimidos e que alterna gritos e silêncios. É assim a atmosfera de "Ninguém Sai Vivo Daqui", filme que reconta o "Holocausto Brasileiro". Para além dos horrores dos fatos em si, as imagens em preto e branco e os personagens criam um clima de suspense que lembra como a vida real pode ser também aterrorizante.

A história ficou conhecida pelo livro de Daniela Arbex, de 2013, que relata os crimes ocorridos Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais. A instituição funcionou durante quase oito décadas no século passado e ficou conhecido pelo tratamento desumano que oferecia aos pacientes.

"Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros do Colônia. Tinham sido, a maioria, enfiada nos vagões de um trem, internadas à força. Quando elas chegaram ao Colônia, suas cabeças foram raspadas, e as roupas, arrancadas", conta a autora no livro.

O maior manicômio (como era chamado na época) do Brasil já tem um documentário produzido pela Netflix e a série "Colônia", produzida pelo Canal Viva e disponível no Globoplay, que lembram as mesmas histórias e personagens do filme. Agora, o tema se repete na montagem de André Ristum, com Fernanda Marques e Andréia Horta no elenco, o que, segundo a autora, é importante para manter a história viva.

"Esse é um tema que continua muito urgente, muito atual. Tudo que a gente puder falar sobre a história da saúde mental no Brasil e desse modelo tão excludente, que no caso do Colônia permaneceu por mais de oito décadas, é altamente necessário. Esquecer é negar a história", diz Arbex, que coloca o tema dos hospitais psiquiátricos brasileiros em jogo.

Na montagem de André Ristum, os elementos de suspense foram escolhidos para retratar o horror daquela situação: "Pensando na história, pensando na vida dessas pessoas, claramente se tratava de um filme de terror da vida real. A pessoa vive o terror real ali nesse lugar, ainda mais depois que começam a ser entupidos de remédios, de choques elétricos, todo tipo de tratamento". Os pacientes são retratados desde o início recebendo pílulas e tratamentos que alteram seus comportamentos.

Mas, o que chamou mais atenção para o diretor, foram os casos de pessoas saudáveis, sem diagnósticos de doenças mentais, que eram levadas ao hospital: grávidas solteiras, prostitutas, amantes, homossexuais, pessoas negras…

"Isso é uma loucura, porque vai muito além de uma instituição psiquiátrica e de tentar dar um tratamento adequado dentro do entendimento da época às pessoas. A gente está falando de outro modelo de cadeia, uma cadeia que não tem juiz julgando. E a pessoa é enviada para esse lugar e pode ficar lá para o resto da vida", diz Ristum.

Foi isso que o fez escolher a personagem de Elisa, interpretada por Fernanda Marques, uma mocinha grávida solteira, para ser a protagonista do longa. "Que nível de desumanidade tem uma família que bota uma filha, ou uma amante lá dentro? Quis dar uma identificação ao espectador, no sentido de pensar: 'Podia ser a minha filha'", conta ele.

Fernanda, que considera esse o papel mais importante de sua carreira, conta que enfrentou uma preparação intensa para viver a gestante: "Fui colocada numa sala sozinha, fechada, ouvindo sons de gente sendo torturada". "Eu acessei lugares no meu corpo, um choro do útero, que eu nunca senti na minha vida", lembra ela. No filme, Elisa (spoiler!) é obrigada a abortar.

Com roteiro de André Ristum, Marco Dutra e Rita Gloria Curvo, "Ninguém Sai Vivo Daqui" tem ainda Augusto Madeira, Rejane Faria, Naruna Costa, Aury Porto, Arlindo Lopes e Bukassa Kabengele no elenco. O filme estreia na quinta-feira (11) nos cinemas.

Fonte: https://f5.folha.uol.com.br/cinema-e-series/2024/07/holocausto-brasileiro-vira-filme-de-terror-da-vida-real-nas-maos-do-diretor-andre-ristum.shtml

Programa de vigilância do MJ permite a 55 mil agentes seguir “alvos” sem justificativa

ac1012 Com milhares de usuários civis e militares, sistema Córtex do Ministério da Justiça explodiu desde o governo Bolsonaro

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) opera e disponibiliza para mais de 180 órgãos públicos uma poderosa plataforma de dados capaz de monitorar pessoas e veículos nas ruas em tempo real e sem autorização judicial. O MJSP reconheceu à Agência Pública que os 55 mil usuários civis e militares do sistema não estão obrigados a explicar o motivo da escolha de seus “alvos”.

Para fazer o monitoramento, o sistema de vigilância e controle se vale, entre outras informações, de imagens captadas em tempo real por 35,9 mil câmeras espalhadas por lugares públicos em todo o Brasil: rodovias federais, ruas e avenidas urbanas, entradas e saídas de estádios de futebol, entre outros pontos. O sistema conta ainda com uma funcionalidade chamada de “cerco eletrônico”, que na prática consegue monitorar ao vivo veículos por ruas e avenidas pelo país a partir da “leitura” dos caracteres das placas. 

A Pública apurou que os usuários do sistema podem vigiar “alvos” em tempo real sem explicar a necessidade, quem ordenou o monitoramento, qual foi o tempo de sua duração nem o resultado da vigilância.

Oficialmente chamado pelo governo federal de Plataforma de Monitoramento Córtex, o sistema é usado como ferramenta do setor de “inteligência” do MJSP, em Brasília (DF), condição usada como argumento jurídico para que as consultas ocorram sem prévia análise do Judiciário, fora de inquéritos policiais e processos judiciais.

Indagado pela Pública, o MJSP reconheceu que “não há necessidade de se motivar a consulta [no Córtex], haja vista se tratar de consultas visando atividades de segurança pública (que é o objetivo do sistema). Porém, caso haja suspeita de irregularidades nas consultas, deve haver atuação da auditoria”.

Embora seja o criador, coordenador e mantenedor da plataforma, o MJSP disse à reportagem que não cabe à pasta controlar o acesso das consultas dos “alvos” pelos outros órgãos públicos que usam o Córtex.

“O controle de acesso para a realização de consultas de ‘alvos’ é feito pelo ponto focal de cada instituição, indicado pelo seu representante maior, através de ofício, sendo que todas as consultas realizadas deixam log de quem as realizou, para que seja possível a auditoria”, respondeu o MJSP.

portaria ministerial que regulamenta o uso do Córtex indica que as auditorias devem ser feitas pelos próprios órgãos que têm acesso ao sistema, com envio mensal de relatórios sobre o uso da plataforma pelos 55 mil usuários civis e militares.

Em resposta à Pública, porém, o MJSP afirmou que foram registrados somente 62 relatórios de auditoria no sistema, em uso há mais de quatro anos.

Sobre o baixo número desse tipo de documento, considerando que são mais de 180 órgãos usuários do sistema há anos, o MJSP argumentou que “puxou para si a responsabilidade em realizar relatórios de auditoria, sendo que todos os processos de auditoria do órgão estão sendo revisados. Portanto, os 62 relatórios produzidos foram todos no âmbito do MJSP”.

Monitoramento 24h, por tempo indeterminado

Entre os milhares de usuários do Córtex há membros das Forças Armadas, policiais civis, militares e federais, agentes penitenciários, integrantes do Ministério Público, bombeiros, guardas civis e até servidores de órgãos de fora do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

Em resposta a um pedido feito pela Pública por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o MJSP se recusou a dizer quantas pessoas e veículos já foram vigiados por meio do Córtex, sob a alegação de que, “caso a informação seja divulgada, poderá comprometer investigações e/ou operações policiais em andamento”. A reportagem não havia solicitado nomes, mas apenas os números totais, já consolidados.

A negativa ao pedido de LAI da Pública teve respaldo da Controladoria-Geral da União (CGU), que manteve o sigilo das informações, embora tenha admitido à reportagem, também via LAI, nunca ter feito uma auditoria sobre o uso do Córtex.

O MJSP reconheceu, também por meio da LAI, que os “alvos” do Córtex podem ser vigiados por tempo indeterminado, “até que sejam colhidos eventuais indícios” para indiciamentos graças à natureza de “ferramenta auxiliar de investigação”.

Conforme divulgado pelo próprio ministério em resposta a outro pedido feito pela LAI em 2022, um total de 360 mil “alvos” havia sido “identificado” até janeiro daquele ano. De acordo com o então governo Bolsonaro, esses “alvos” seriam “veículos furtados e roubados, pessoas desaparecidas, entre outras bases integradas ao sistema”.

Entretanto, a Pública apurou que não há como confirmar a alegação da gestão bolsonarista.

Uma tentativa de auditoria do próprio MJSP, conduzida em 2023, desistiu de “realizar auditoria do passado”, em referência ao uso do Córtex antes do atual governo. 

O MJSP também identificou casos de venda de senhas e presença de contas robotizadas no sistema, capazes de extrair massivamente dados sigilosos de milhões de pessoas no Brasil. Suspeitas dessa natureza foram denunciadas anteriormente pelo site The Intercept Brasil e pela revista Crusoé

A Pública apurou que o ministério descobriu pelo menos um caso de usuário que fez 1 milhão de pesquisas no Córtex em um único dia, o que sugere o uso de robôs para a extração de dados sensíveis.

O MJSP suspeitava também da presença de “laranjas” no sistema, com pessoas sem nenhuma ligação com órgãos de segurança pública operando o Córtex.

Na ausência de um controle externo, independente ou interno eficaz sobre a motivação das consultas ao sistema, a seleção dos “alvos” pode recair sobre adversários políticos do governo e do MJSP e até em benefício de interesses pessoais dos usuários.

Por exemplo: um agente pode rastrear em tempo real o veículo de sua cônjuge graças a imagens obtidas via Córtex sem precisar, antes, indicar a motivação para tal monitoramento. Entre os documentos do MJSP obtidos pela Pública aparece a menção a essa possibilidade, chamada pela equipe do ministério de “rastreio (cônjuge)”.

Outro documento obtido pela reportagem revela que servidores do MJSP chegaram até a discutir a criação de “um alerta quando o policial rastrear o veículo da esposa, considerando os crimes de violência doméstica” no Brasil.

Um total de 108 órgãos municipais e estaduais, como secretarias de Fazenda, de Segurança Pública e de Trânsito, tem acesso à plataforma Córtex por meio de APIs (em inglês, Application Programming Interface), uma funcionalidade que permite a integração de sistemas de informação.

Quando a API é usada, o MJSP em Brasília (DF) pode até saber qual órgão está conectado ao Córtex em determinado momento, mas o controle sobre o uso do sistema fica a cargo dos próprios órgãos com acesso.

Por meio de documentos do MJSP, a Pública apurou que durante o governo Bolsonaro e pelo menos até março de 2023 também detinham a ferramenta API no Córtex:

  1. o setor de inteligência do Exército
  2. o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), ligado ao Ministério da Defesa
  3. o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
  4. o Ministério Público Federal (MPF), entre outros órgãos.

Todos os 49 órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) também possuem acesso ao Córtex, incluindo:

  1. a Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
  2. a Polícia Federal (PF)
  3. a Polícia Rodoviária Federal (PRF) 
  4. o Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

O MJSP reconheceu à reportagem que, além das imagens de câmeras de rua, o Córtex dá acesso a dados de veículos, cadastros de pessoa física na Receita Federal, cadastros de embarcações e condutores, restrições judiciais e base nacional de carteiras de habilitação.

Contudo, um documento obtido pela Pública sugere que essa informação oficial está incompleta.

Um ofício assinado em 18 de junho passado pela diretora de Gestão e Integração de Informações do ministério, Vanessa Fusco Nogueira Simões, revela que “as bases de dados internalizadas no Córtex” incluem outros dados sensíveis não mencionados na resposta do MJSP.

O ofício do MJSP lista a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), que contém vencimentos salariais de milhões de pessoas empregadas no Brasil; o Cadastro do Sistema Único de Saúde (Cadsus), com dados sigilosos de pacientes do SUS; e informações não especificadas sobre autoridades em geral qualificadas como Pessoas Expostas Politicamente (PEPs).

O MJSP trabalha para ampliar ainda mais a base do Córtex, agregando dados obtidos por prefeituras, governos estaduais e até concessionárias de serviço público. Para isso, tem estabelecido parcerias.

Para que prefeituras, governos estaduais e outros órgãos tenham acesso irrestrito ao Córtex, basta que deem uma “contrapartida”, ou seja, o acesso a bases de dados que eles já possuem. São então assinados entre o MJSP e a outra parte Acordos de Cooperação Técnica (ACTs), que, em muitos casos, deram acesso ao Córtex para guardas civis e servidores de órgãos fora do Sistema Único de Segurança Pública.

Até março de 2023, o MJSP havia firmado 184 ACTs em todo o país. Outras 191 propostas de acordo aguardavam pareceres e despachos de diferentes setores da pasta. Após seguidas negativas, somente depois de um recurso protocolado na CGU o ministério disponibilizou à Pública cópias dos acordos assinados com estados e municípios. 

Os ACTs mostram que prefeituras alimentam as bases do Córtex com dados diversos, como informações “em tempo real da bilhetagem dos ônibus”, incluindo “CPF e Nome [dos passageiros], Linha e Prefixo [dos ônibus], Data e Hora da Leitura [dos cartões de embarque], Latitude e Longitude [dos ônibus em trânsito]”.

Os documentos dos ACTs sugerem contradições entre compromissos já assinados e o que foi informado pelo MJSP à Pública. Foi assinado, por exemplo, um acordo entre a pasta e os secretários estaduais de Fazenda, Receita, Economia, Finanças ou Tributação de todos os estados mais o Distrito Federal “visando o intercâmbio de informações” e acesso ao Córtex.

O ministério disse à reportagem, porém, que apenas três secretarias estaduais de Fazenda – dos governos de Alagoas, Paraíba e Acre – compartilham seus dados com o Córtex. O MJSP alegou sigilo para não explicar o conteúdo das informações recebidas das secretarias de Fazenda.

Como ministro, Moro comemorou sistema de vigilância

Herdado do governo de Michel Temer (2016-2018), quando ainda operava pontualmente, o Córtex passou a ser usado em larga escala durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), nas gestões dos ex-ministros Sergio Moro (2019-2020), André Mendonça (2020-2021) e Anderson Torres (2021-2022).

O MJSP formalizou o uso do Córtex no seu atual formato em 2021, na gestão de Torres.

Antes, em setembro de 2019, na gestão de Moro, hoje senador pelo União Brasil, já existia um sistema com esse nome, conforme o ex-juiz divulgou naquele mês em sua conta no antigo Twitter: “A unificação dos sistemas de monitoramento viário Alerta Brasil 3.0 da PRF e Córtex da Seopi, ambos do MJSP, levará à redução de custos e a [sic] criação de um sistema integrado com seis mil pontos de monitoramento no país”.

O número de câmeras conectadas ao Córtex aumentou desde então. Em 2021, dois anos após o tuíte de Moro, o sistema já tinha acesso a 26 mil equipamentos espalhados pelo Brasil. Hoje, o número chega a quase 36 mil.

Documentos obtidos pela Pública e variadas fontes com acesso ao sistema, ouvidas sob a condição de anonimato, confirmam que o Córtex é capaz de monitorar o deslocamento em tempo real de veículos e pessoas, além de emitir “alertas de inteligência para alvos de interesse”. Há diversas referências a “alvos móveis”.

O monitoramento se assemelha às capacidades do programa First Mile, foco de um escândalo na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) após a descoberta de que ele consegue acompanhar, em tempo real, usuários de telefones celulares.

O Córtex do MJSP acompanha veículos, em vez de telefones, mas o efeito prático é semelhante: os usuários da plataforma têm a capacidade de saber onde e quando uma pessoa esteve ou por quais ruas e avenidas passou ou costuma passar, bastando reconstituir seu trajeto por meio das câmeras.

Consultas ao sistema podem ser feitas apenas pela placa do carro. As câmeras instaladas em ruas, avenidas e rodovias conseguem “ler” os caracteres das placas e indicar exatamente por onde o veículo passou ou costuma passar em determinado dia ou hora.

“Processo permanente de vigilância”, diz especialista

Sem apresentar todos os detalhes sobre o caso concreto, a reportagem ouviu especialistas sobre os riscos inerentes ao avanço de um sistema de vigilância tão poderoso quanto o Córtex.

“O Córtex dá a possibilidade de nos submeter a um processo permanente de vigilância, identificando todas as vezes que você entra e sai de uma rodovia ou de um shopping center, como se alega que ele seja capaz de fazer. Na prática, nossa presunção de inocência é totalmente ignorada”, disse à Pública Rafael Zanatta, diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, especializada em direitos digitais.

“Um dos problemas do Córtex é que, do ponto de vista de estratégia de integração e de segurança pública, ele tem uma cara de política pública robusta, mas sua parte normativa é precária”, afirmou Zanatta.

O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Marcelo Semer disse à Pública em teoria, sem conhecer o caso concreto, que “a consolidação de um projeto de vigilância total deve ser vista com cuidado, pois a reunião irrestrita de dados pessoais pode gerar uma situação de compressão absoluta da privacidade e pode ser utilizado para diversos fins, nem todos lícitos”.

Semer, doutor em criminologia e mestre em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP), mencionou uma recente investigação da Polícia Federal (PF). Em 2023, a PF descobriu que criminosos da facção PCC usaram um sistema da polícia de São Paulo para localizar um carro descaracterizado da própria Polícia Civil.

“É preciso transparência acerca dos protocolos, até para impedir que dados que estejam sujeitos à reserva de jurisdição não sejam obtidos sem ela nem sejam compartilhados com empresas para fins próprios”, disse o desembargador.

Vigilância sobre alvos “com ou sem restrições”

A plataforma Córtex recebe imagens geradas dia e noite por 35,9 mil câmeras espalhadas em rodovias e zonas urbanas, as que registram entradas e saídas em estádios de futebol, fluxo em rodovias federais, entre outros lugares.

Graças à função de alertas programados do Córtex, os usuários podem marcar determinada pessoa ou veículo e serem avisados, em tempo real, em caso de avistamento ou atividade ligada ao “alvo”.

O Córtex consegue vigiar 24 horas por dia, sete dias por semana, pessoas e veículos “com ou sem restrições”, conforme os acordos firmados pelo MJSP com órgãos públicos.

Nas prefeituras e estados, o Córtex é mais uma entre outras ferramentas que também possuem “câmeras inteligentes”, isto é, capazes de “ler” os caracteres das placas de carros e monitorar carros e pessoas. Formou-se uma verdadeira indústria em torno do tema, com empresas privadas montando e vendendo os sistemas para as prefeituras.

No interior de São Paulo, destaca-se a empresa Sentry, que se apresenta na internet como “a verdadeira criadora da Muralha Eletrônica”. Um programa com nome semelhante, que repete o modelo do Córtex, é um carro-chefe do governador Tarcísio de Freitas no campo da segurança pública – a chamada Muralha Paulista.

O coordenador da Guarda Civil Metropolitana de Cordeirópolis (SP), Leonardo Maximiliano, explicou à Pública, durante um seminário sobre segurança pública realizado em junho passado em Brasília, como funcionam as “câmeras inteligentes” no dia a dia do município. Ele disse que são instrumentos eficazes no combate ao crime.

“A gente detecta carros clonados até no Acre, até no Amazonas, onde tiver o sistema funcionando. Por exemplo, você tem um carro com uma determinada placa rodando num lugar e a mesma placa rodando em outro. Se eles vão passar por uma câmera inteligente num curto espaço de tempo, o sistema já parametriza. ‘Peraí, essa placa está lá e aqui?’ E manda um alerta automático”, disse o coordenador da Guarda Civil de Cordeirópolis.

Segundo Maximiliano, o sistema da Sentry integra “mais de 140 cidades” no país, incluindo Curitiba (PR), Manaus (AM), Vitória (ES) e Rio de Janeiro (RJ). “É um software que está ganhando espaço. Eu posso cadastrar para [receber] um alerta. Se esse carro passar na minha cidade por uma câmera inteligente, ele vai me dar um alerta. […] O sistema tem um caráter preventivo muito forte. A gente identifica os veículos, as ações, e encaminha para o Judiciário. Então, assim, [hoje] é o carro-chefe de qualquer cidade”, disse Maximiliano.

Conforme o coordenador da Guarda Civil, o Córtex “ajuda muito”, principalmente com imagens captadas nas rodovias federais.

À Pública, a Sentry confirmou sua atuação em mais de 130 municípios e nove capitais. A empresa disse que seu sistema “tem como objetivo realizar a ‘análise comportamental’ do deslocamento dos veículos”.

“Quando a câmera identifica o veículo e faz a leitura da placa, automaticamente essa informação chega para o sistema, que realiza através de inteligência artificial e algoritmos a identificação desse veículo. Tendo essa identificação, o sistema tem uma integração com bancos de dados de órgãos públicos”, afirmou à reportagem o setor de marketing da empresa. “A gente consegue, por exemplo, vincular o nosso sistema à iniciativa público-privada, em escolas, universidades, comércios. Porém, o ‘passo inicial’ é sempre feito pelas prefeituras porque é necessário que a cidade possua o sistema para que a gente consiga replicar”, disse a Sentry.

Inteligência do MJSP quer ampliar suas bases de dados

Preocupa aos especialistas o fato de o Córtex ser apenas a ponta do iceberg, pois o MJSP já mantém uma miríade de bases de dados sensíveis em seu poder, além de criar novas ferramentas.

A Pública apurou que o governo trabalha, desde o ano passado, para formar uma plataforma ainda mais poderosa, denominada Orcrim (Sistema Nacional de Inteligência para Enfrentamento ao Crime Organizado), na qual o Córtex seria inserido como apenas uma das peças.

Na futura base Orcrim, segundo documentos obtidos pela reportagem, estariam relatórios de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ligado ao Ministério da Fazenda, e um sistema chamado de Projeto Excel – já tratado em reportagem do site The Intercept Brasil –, que agrega e disponibiliza dados extraídos de aparelhos eletrônicos como telefones celulares de investigados e réus em processos e inquéritos criminais no país.

O sistema Orcrim foi institucionalizado por uma portaria assinada por Sergio Moro em março de 2020. Em 2023, o governo Lula anunciou que o Orcrim integra um programa de enfrentamento às organizações criminosas orçado em R$ 900 milhões.

Sistemas ficam no âmbito da “inteligência” do ministério

Tanto no Córtex quanto no Orcrim, esse grande conjunto de informações sensíveis fica sob a administração da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência (Diopi), subordinada à Secretaria Nacional de Segurança Pública do MJSP.

Até janeiro de 2023, o principal braço da Diopi era a Secretaria de Operações Integradas (Seopi). Foi nesse setor que o ministério produziu, em 2020, os relatórios contra 579 policiais e professores antifascistas. Acionado na época pela oposição ao governo Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou ilegal a fabricação de tais dossiês.

Quatro anos depois, a Pública confirma que a produção dos relatórios de inteligência foi uma prática generalizada e intensa no MJSP, com uso de ferramentas como o Córtex e o Excel, entre outras.

O ministério produziu 6.841 relatórios de 2015 a 2023 que, por meio de uma manobra conceitual da pasta, caíram em “sigilo eterno” – ou seja, sem prazo definido para que um dia venham a público. Desse total, 66% foram produzidos durante os quatro anos do governo Bolsonaro.

 

Sistema de dados de segurança pública foi usado ilegalmente para acessar dados de Moraes e de delegados da PF

ac0916 O Infoseg, um sistema público sigiloso que reúne informações de órgãos de segurança pública de todo o País, foi usado de forma irregular para obtenção de dados do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de delegados de polícia e de um empresário, com o objetivo de divulgar as informações na internet e constranger as vítimas dos vazamentos.

A informação foi divulgada nesta quarta-feira 11 pela jornalista Letícia Casado, do site UOL. Na reportagem ela traz detalhes da operação ilegal, que pode ter tido participação direta de agentes públicos (como policiais militares e civis de diferentes estados, agentes da Polícia Federal, do Ministério Público e até mesmo um juiz) e de hackers.

A investigação sobre o caso culminou, segundo a reportagem, na suspensão da rede social X (antigo Twitter), de propriedade de Elon Musk. A decisão de Alexandre de Moraes no último dia 30 de agosto foi referendada na sequência pela Primeira Turma do STF. Os dados de Moraes estão entre os mais visados. Houve acessos em nome de servidores de diferentes regiões do País em busca de informações pessoais do ministro.

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“A investigação demonstrou a participação criminosa e organizada de inúmeras pessoas para ameaçar e coagir delegados federais que atuam ou atuaram nos procedimentos investigatórios contra milicias digitais e a tentativa de golpe de Estado. As redes sociais — em especial a ‘X’ — passaram a ser instrumentalizadas com a exposição de dados pessoais, fotografias, ameaças e coações dos policiais e de seus familiares”, destacou Moraes na sentença que bloqueou a rede social de Elon Musk, em trecho citado pela reportagem do UOL.

Os investigadores avançaram após relato de ameaça do delegado Fábio Shor, que atua em inquéritos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados. Foram identificados acessos de 25 agentes públicos ao Infoseg para obtenção ilegal de dados. Não há certeza, por enquanto, se foram os próprios servidores ou se eles foram vítimas de hackers que roubaram dados de acesso ao sistema.

A PF identificou, em março deste ano, uma articulação via redes sociais batizada de “Exposed” (termo usado para citar exposição de dados de determinada pessoa na internet). Entre os envolvidos estava o bolsonarista Allan dos Santos, que está foragido. Os alvos, no caso, eram agentes que cumpriam ordens despachadas pelo gabinete de Moraes no Supremo.

 

Sistema de dados de segurança pública foi usado ilegalmente para acessar dados de Moraes e de delegados da PF

ac0913 O Infoseg, um sistema público sigiloso que reúne informações de órgãos de segurança pública de todo o País, foi usado de forma irregular para obtenção de dados do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de delegados de polícia e de um empresário, com o objetivo de divulgar as informações na internet e constranger as vítimas dos vazamentos.

A informação foi divulgada nesta quarta-feira 11 pela jornalista Letícia Casado, do site UOL. Na reportagem ela traz detalhes da operação ilegal, que pode ter tido participação direta de agentes públicos (como policiais militares e civis de diferentes estados, agentes da Polícia Federal, do Ministério Público e até mesmo um juiz) e de hackers.

A investigação sobre o caso culminou, segundo a reportagem, na suspensão da rede social X (antigo Twitter), de propriedade de Elon Musk. A decisão de Alexandre de Moraes no último dia 30 de agosto foi referendada na sequência pela Primeira Turma do STF. Os dados de Moraes estão entre os mais visados. Houve acessos em nome de servidores de diferentes regiões do País em busca de informações pessoais do ministro.

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“A investigação demonstrou a participação criminosa e organizada de inúmeras pessoas para ameaçar e coagir delegados federais que atuam ou atuaram nos procedimentos investigatórios contra milicias digitais e a tentativa de golpe de Estado. As redes sociais — em especial a ‘X’ — passaram a ser instrumentalizadas com a exposição de dados pessoais, fotografias, ameaças e coações dos policiais e de seus familiares”, destacou Moraes na sentença que bloqueou a rede social de Elon Musk, em trecho citado pela reportagem do UOL.

Os investigadores avançaram após relato de ameaça do delegado Fábio Shor, que atua em inquéritos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados. Foram identificados acessos de 25 agentes públicos ao Infoseg para obtenção ilegal de dados. Não há certeza, por enquanto, se foram os próprios servidores ou se eles foram vítimas de hackers que roubaram dados de acesso ao sistema.

A PF identificou, em março deste ano, uma articulação via redes sociais batizada de “Exposed” (termo usado para citar exposição de dados de determinada pessoa na internet). Entre os envolvidos estava o bolsonarista Allan dos Santos, que está foragido. Os alvos, no caso, eram agentes que cumpriam ordens despachadas pelo gabinete de Moraes no Supremo.

Fonte: https://www.cartacapital.com.br/politica/sistema-de-dados-de-seguranca-publica-foi-usado-ilegalmente-para-acessar-dados-de-moraes-e-de-delegados-da-pf/

Procurador denuncia racismo no TJ/SP ao ter de passar por detector de metais

 (Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress)O procurador de Justiça Eduardo Dias denunciou ter sido vítima de racismo ao tentar entrar na sede do TJ/SP no último mês. Segundo relatou, ele já havia se identificado com sua carteira funcional, quando foi obrigado a sair do elevador e passar por detector de metais dentro do prédio.

O Ministério Público informou que abriu um procedimento administrativo para investigar o episódio. O Tribunal, por sua vez, disse que não comenta questões pendentes de apuração.

De acordo com o procurador, ele estava trajando terno, beca e carregando um caderno quando se dirigiu ao Tribunal para participar de uma sessão. Após se identificar com sua carteira funcional, teve sua entrada liberada por dois seguranças, um homem e uma mulher, responsáveis pelo controle de acesso ao edifício.

Contudo, já dentro do elevador, o procurador foi impedido de continuar por gritos de um homem de paletó e gravata. O homem o abordou, bloqueando a porta do elevador com a mão e exigindo que passasse pelo detector de metais.

Segundo Eduardo, ele foi a única pessoa obrigada a passar pelo detector de metais. Além do procurador, o relato aponta que o homem que o impediu também era negro de pele clara. 

"Ser vítima de algo assim te afeta. É desgastante, cansativo", comentou o procurador em entrevista à GloboNews.

O procurador participou da sessão no Tribunal e, somente depois, relatou o episódio a colegas do MP, brancos, que afirmaram nunca terem passado por situação semelhante.

Com o episódio, Eduardo solicitou uma investigação criminal e sua defensa pediu a obtenção das imagens das câmeras de segurança do Tribunal, que afirmou que prédio não possui circuito de segurança ou câmeras nas áreas de acesso e que o homem que interceptou o procurador é um Policial Militar que trabalha no local.

O procurador defende que os membros do Ministério Público devem receber o mesmo tratamento que os magistrados, os quais não são obrigados a passar por detectores de metais. Ele argumenta que o protocolo ao qual foi submetido foi arbitrário e motivado por perfilamento racial - uma abordagem baseada na raça ou cor.

De acordo com o Ministério Público, as informações serão encaminhadas à Promotoria de Justiça Militar, já que, se for comprovada a prática de racismo por parte de um Policial Militar em serviço, a competência para julgar o caso será da Justiça Militar.

A APMP - Associação Paulista do Ministério Público, que representa os integrantes do Ministério Público de São Paulo, emitiu nota em apoio a Eduardo. "Nenhuma forma de discriminação pode ser tolerada. Os fatos relatados pelo procurador - episódio de discriminação racial por agentes de segurança nas dependências do Tribunal de Justiça de São Paulo - devem ser rigorosamente apurados pelos órgãos competentes."

Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/413036/procurador-denuncia-racismo-no-tj-sp-ao-ter-de-passar-por-detector

Agentes da Abin abasteciam perfis com informações de espionagem ilegal

ac O militar Giancarlo Rodrigues, que tinha um cargo de confiança na Abin, enviava informações da espionagem ilegal para perfis publicarem em redes sociais, segundo as investigações da Polícia Federal sobre o esquema de espionagem na instituição durante o governo de Jair Bolsonaro.

A PF deflagrou nesta quinta-feira (11/7) a quarta fase da Operação Última Milha, que apura a produção de notícias falsas e o monitoramento ilegal de autoridades, servidores públicos e jornalistas considerados pelo governo Bolsonaro como opositores.

Prints obtidos pela Polícia Federal mostram que Rodrigues compartilhava publicações de contas no Twitter que propagavam as informações obtidas de forma ilegal. O agente da Abin também admitia aos seus colegas de Abin que enviava as investigações.

Entre os perfis que recebiam informações de Rodrigues estavam @RichardPozzer, @DallasGinReturn e @VolgdoRui. As três contas foram apagadas da rede social.

A PF aponta que as informações eram “devidamente direcionadas contra aqueles que se opusessem aos interesses do governo ou do governante da ocasião”. A corporação também menciona que os servidores Mateus Sposito e Daniel Lemos, que trabalhavam na Secretaria de Comunicação (Secom) de Jair Bolsonaro, participavam do esquema de propagação das informações ilegais.

 

Um dos elementos citados pela PF para pedir a operação ao STF foi um áudio apreendido em um aparelho de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) do governo Bolsonaro. Na gravação de uma hora e oito minutos, feita em 25 de agosto de 2020, Bolsonaro, Ramagem e o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno trataram de um plano para derrubar a investigação das rachadinhas contra o senador Flávio Bolsonaro. O encontro foi revelado pela coluna em outubro de 2020.

A PF prendeu Giancarlo Gomes Rodrigues, militar do Exército; Marcelo Araújo Bormevet, agente da PF; Mateus de Carvalho Sposito, ex-assessor da Secretaria de Comunicação da Presidência; e o empresário Richards Dyer Pozzer. Os ex-assessores José Matheus Sales Gomes e Daniel Ribeiro Lemos foram alvos de mandados de busca.

Entre as autoridades espionadas ilegalmente pela Abin paralela estão os ministros do STF Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux; o presidente da Câmara, Arthur Lira; o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia; e os senadores Alessandro Vieira, Omar Aziz, Renan Calheiros e Randolfe Rodrigues, que estavam à frente da CPI da Covid no Senado em 2021.

Fonte: https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/agentes-da-abin-abasteciam-perfis-com-informacoes-de-espionagem-ilegal

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