Os militares foram denunciados por corrupção passiva, negativa de obediência e associação criminosa. Segundo a denúncia, foi identificado o recolhimento de valores em 54 estabelecimentos. Assim, o grupo envolvido no esquema promovia um "tour da propina", destaca o MPRJ, porque visitava sequência dezenas de comércios para arrecadar dinheiro ilicitamente.
Os crimes aconteceram no segundo semestre de 2023 e, à época, os investigados estavam lotados no 20º Batalhão (Mesquita). As vítimas eram da área sob cuidado da repartição. Como os envolvidos tinham um dia certo para fazer a cobrança das taxas — sempre às sextas-feiras —, o grupo foi chamado pela investigação de "tour da propina" ao passarem em cada um dos comércios para a retirada dos valores. O MPRJ destacou que esse tipo de ação dos envolvidos transformou o serviço na PM "numa verdadeira caçada ao 'arrego'".
Segundo a porta-voz da PM, tenente-coronel Cláudia Moraes, ainda não se sabe o montante que os envolvidos teriam conseguido arrecadar por meio das extorsões. A investigação é feita pela Corregedoria através da 8ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar.
— Tratava-se de um esquema de que eles extorquiam determinados valores. Então, provavelmente, a gente está falando de um montante muito alto. Mas esse dinheiro não está reunido num lugar — disse a porta-voz da PM.
Denúncia deu início à investigação
As investigações tiveram início a partir de uma denúncia anônima relatando que policiais do 20ª BPM estariam recolhendo propina de uma loja de reciclagem de materiais no bairro Miguel Couto, em Nova Iguaçu. Segundo o MPRJ, com os primeiros indícios, a Delegacia de Polícia Judiciária Militar passou a realizar o monitoramento de agentes e conseguiu verificar que várias guarnições deste batalhão praticavam o crime de extorsão em outros estabelecimentos comerciais de naturezas diversas.
A cobrança da taxa ainda tinha dia certo para ser feita. Sempre às sextas-feiras, os policiais envolvidos paravam brevemente a viatura nos estabelecimentos, a quantia então era entregue por alguém ou um dos PMs entrava no comércio, onde ficava por poucos minutos antes de retornar à viatura e sair do local.
Em geral, eram estabelecimentos de reciclagem e ferros-velhos, mas também distribuidores de gás, lojas de construção, entre outros. Além de quantias em dinheiro, a investigação flagrou os policiais recolhendo engradados de cerveja em depósitos e até frutas em um hortifruti.
A tenente-coronel Cláudia Moraes falou da importância de vítimas ou de testemunhas de denunciarem esse tipo de crime às autoridades:
— Se a pessoa está passando por um tipo de situação, qualquer tipo de desvio por parte de policiais militares, a gente tem a ouvidoria da Polícia Militar, existe o Disque Denúncia, existem vários canais para que possam fazer essas denúncias, de forma segura e anônima, se assim preferirem. Ou então, se não quer fazer de forma anônima, pode procurar diretamente a Corregedoria — salienta a porta-voz da PM. — Essa é uma ação que a gente não gosta de fazer. Não é motivo de felicidade para a gente estar aqui comunicando esse tipo de coisa, porque a gente está falando de algo que nos constrange enquanto instituição, mas isso não reflete a instituição como um todo.
Crimes não registrados por câmera corporal
A tenente-coronel Cláudia Moraes explica como os agentes burlavam o uso de câmera corporal acoplada ao uniforme para que os crimes não fossem gravados. Segundo a porta-voz, o Rio de Janeiro é o estado com o maior número de câmeras ativas — são 13 mil —, e que há a determinação para o uso durante todo o serviço. A investigação apontou que muitos deles burlavam o uso não retirando o equipamento no início do dia de trabalho, o que também começou a despertar suspeitas sobre os agentes.
— A não utilização da câmera, segundo a Corregedoria, é considerada falta grave. O policial pode ser punido e até excluído. Por conta disso, esses policiais faziam tentativas de burlar essa câmera, ou tentar ocultar e esconder, ou até mesmo não pegar a câmera durante o serviço, o que já caracteriza uma falta grave — conta Cláudia Moraes. — A ideia deles era exatamente tentar mascarar a questão da câmera como algo que temos utilizado hoje, tanto para a transparência da atividade da Polícia Militar, quanto também para as atividades de Corregedoria.
Em maio deste ano, O GLOBO mostrou como PMs conseguem burlar o sistema de câmeras ao retirar ou cobrir a lente do equipamento durante ações. Em três casos, agentes foram flagrados colocando as filmadoras dentro de viaturas ou até guardando o equipamento no bolso.