Parede cor de rosa, acessórios fofos, itens de sexy shop e roupas coloridas... A loja perto de uma rodoviária de São Paulo poderia estar em qualquer ponto comercial da cidade, mas tem um diferencial que justifica sua localização: ela é voltada para as mulheres que estão indo para presídios encontrar seus maridos, namorados e filhos.
O universo de famílias que todos os fins de semana saem de casa para visitar pessoas presas se tornou um nicho para empreendedores. Eles contam ao g1 que tudo começou pela necessidade de viabilizar essas visitas, para que a chance do encontro não seja desperdiçada.
Afinal, os presídios têm diversas exigências não só para detentos, mas também para os visitantes. Existem regras rígidas sobre o que vestir e o que pode entrar nas dependências das penitenciárias. Por exemplo, as mulheres não podem usar roupas transparentes, curtas ou decotadas. As unidades também não permitem a entrada de produtos que contenham álcool na composição.
Camila Bezerra, de 32 anos, é dona da loja de roupas que fica ao lado do Terminal Barra Funda, na capital paulista, e que também vende pelas redes sociais para todo o Brasil. Ela é uma das pioneiras quando o assunto é moda padrão penitenciário.
Esse tipo de empreendedorismo motivou também um site especializado em selecionar e preparar a entrega dos "jumbos" para 182 penitenciárias de SP.
- 📦 O que é o jumbo? São os itens que os presos podem receber de seus familiares como, por exemplo, alimentos, produtos de higiene pessoal, produtos de limpeza, roupas e cigarros.
Conheça essas e outras histórias a seguir.
Necessidade que virou negócio💡
Camila Bezerra vende roupas de moda padrão penitenciário e fatura mais de R$30 mil por mês. — Foto: Fabio Tito/g1
Encontrar roupas seguindo as exigências da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo não é uma tarefa fácil, segundo Camila.
No começo, a ideia era custear a ida até o Centro de Detenção Provisória (CDP) de Sorocaba (SP) para visitar o marido. O negócio acabou dando tão certo, que hoje é a principal fonte de renda da Camila.
Em 2022, quando o marido foi preso, ela encontrou nessa dificuldade uma oportunidade de negócio.
Na época, a jovem estava sem emprego e com uma filha de seis meses para sustentar. Naquele mesmo ano, a SAP padronizou as vestimentas para visitas.
Para entrar nas penitenciarias de São Paulo, é necessário usar chinelos de dedo, camisetas de manga e calça de moletom ou legging – sem botões metálicos, zíper ou estampas.
Em dias de baixas temperaturas, as visitantes podem entrar nas penitenciárias usando meias e blusa de moletom, desde que não possua capuz, forros, bolsos, botões metálicos e zíper. Não é permitido usar peças nas cores azul-marinho, branca, cáqui/marrom e preta.
“Na fila da penitenciária, se gerou um desespero entre as meninas quando aconteceu essa mudança. Eu sempre trabalhei e morei ali na região do Brás. E na hora já bateu aquele estalo: ‘Calma aí gente, que eu vendo’", lembra a empreendedora.
Sem dinheiro para investir, Camila começou a divulgar o negócio por meio do famoso boca a boca. A jovem anunciava as peças no padrão exigido pela SAP em grupos do WhatsApp que tinham como membros as mulheres dos presos e vendia por encomenda.
“Elas me pagavam 50% de sinal e, os outros 50%, elas me pagavam no dia da visita quando eu entregava o produto. E o que eu fazia: comprava a mercadoria com o sinal e, no dia da visita, eu pegava o meu lucro”, explica.
Depois, Camila começou a divulgar os produtos nas redes sociais. A ideia deu tão certo que, logo nas primeiras semanas, ela começou a receber inúmeras encomendas e passou a enviar os pedidos via correios e motoboy.
O WhatsApp da empreendedora encheu de mensagens e ela chegou a perder vendas por não conseguir a atender todas as solicitações. Para facilitar esse processo, no inicio de 2023, ela lançou um site para as "cunhadas".
“Eu comecei a tirar fotos melhores, como uma loja de roupas normal, esqueci que era para presídio. Quebrei esse tabu de deixar uma coisa simples, discreta, triste, que muitas vezes o pessoal puxa para o lado da saudade”, conta.
A empreendedora começou a trabalhar com moda padrão penitenciária em 2022, após o marido ser preso. — Foto: Reprodução/Instagram/Arquivo Pessoal
Com o passar do tempo, a empreendedora passou a receber diversos pedidos para serem entregues no mesmo endereço, a rodoviária da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo. De lá, saem diversas excursões com destino aos presídios do interior do estado.
“Muitas meninas moram longe, nos extremos de São Paulo, e uma entrega por motoboy ficava inviável porque era mais caro que a peça de roupa. Então, elas faziam pedidos para entregar na Barra Funda. Chegava sexta e sábado, eu tinha mais de 20 motoboys”, conta.
Com o aumento das entregas na Barra Funda, Camila resolveu abrir uma loja física nas proximidades da rodoviária com a ideia de atender esse público. Segundo a empreendedora, atualmente o faturamento médio da loja passa dos R$ 30 mil por mês.
De mãe para filha👚
Quem também trabalha com a moda penitenciária é Ana Regina da Silva, de 31 anos. Moradora de Taboão da Serra (SP), aos fins de semana ela vende produtos necessários para a visita dos presos em frente ao CDP de Osasco.
Porém, o empreendedorismo penitenciário entrou na vida de Ana há mais de 15 anos. Em 2008, quando o irmão dela foi preso, durante as visitas sua mãe teve a ideia de abrir uma barraca em frente ao presídio. Naquela época, o comércio era bem informal e o acesso à internet era limitado.
“Eu era menor de idade, então eu ajudava minha mãe com pouca coisa porque eu estudava na época. Basicamente eu acompanhava a rotina de ir atrás de mercadoria, e atendia o público no meu tempo livre”, lembra a empreendedora.
Ana Regina trabalha com moda padrão penitenciário há mais de 15 anos e vende diversos produtos em frente do CDP de Osasco. — Foto: Reprodução/Instagram/Arquivo Pessoal
Dez anos depois, Ana assumiu as vendas na barraca após a aposentadoria da mãe. Em 2020, mesmo com as visitas suspensas por conta da pandemia, os familiares continuavam enviando mantimentos para os presos.
Com os comércios fechados, as mulheres não encontravam locais que vendiam roupas para os presos no padrão exigido pela SAP. Como muitas "cunhadas" já conheciam os produtos da Ana, elas entravam em contato solicitando as peças por entrega.
Consequentemente, surgiu a necessidade de migrar para o on-line, já que não a barraca não podia ser aberta durante a pandemia. “Elas me pediam para enviar pelo Uber ou entregas nas estações de trem e metrô, pontos de ônibus”, lembra.
Com o aumento no número de pedidos, a empreendedora começou a fazer o envio por motoboys, correios e transportadoras. Atualmente, além de manter a loja on-line, Ana ainda monta a barraca em frente ao CDP de Osasco durante os fins de semana.
Além do kit visita para mulheres, e a vestimenta dos presos no padrão exigido pela SAP, a empreendedora também comercializa bolsas, vasilhas, artigos de sex shop e alimentos que podem entrar na penitenciaria. Ela também trabalha com o aluguel de roupas para os familiares.
“A maioria são pessoas de comunidade, nem sempre têm condições de comprar esses itens de imediato. Para facilitar, colocamos um valor acessível para aluguel e guardamos os pertences do familiar durante a visita”, explica.
Lingerie 'padrão SAP' 👙
A SAP não permite o uso de roupas íntimas com detalhes em metal, alças removíveis, aros de metal ou plástico/silicone, e bojos. Assim como as roupas para visitas, encontrar lingeries nesse padrão não é fácil.
Nayara Duarte, de 29 anos, vende peças no padrão penitenciário desde 2020, quando o namorado foi preso. Diferente de outras empreendedoras, ela trabalha com a fabricação própria de lingerie e comercializa os produtos somente on-line.
“No começo eu cheguei a fabricar algumas peças em casa. Nunca tinha costurado antes, e aprendi vendo alguns vídeos na internet”, lembra. Conciliar a fabricação de produtos e vendas passou a ficar difícil, com o aumento no número pedidos.
Por isso, ela buscou fornecedores no centro de São Paulo e pela internet. “Eu tenho parceria com uma fabricante, que desenvolve modelos com acabamentos de plástico em vez de metal, conforme as normas padrão de visita”, explica.
“Os mesmos materiais fabricados em metal também são feitos em plástico para minha loja, como os reguladores de alças e fechos das costas do sutiã”, completa Nayara, que escolhe os modelos, cores e formato das lingeries peças.
A empreendedora Nayara Duarte trabalha com a fabricação própria de lingeries no padrão penitenciário. — Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
A empreendedora começou a vender roupas no padrão penitenciário visando ter um dinheiro extra para ajudar o companheiro preso. Inicialmente, ela trabalhava na área administrativa, mas deixou a função em 2022 para se dedicar somente à loja de roupas e acessórios para os familiares e detentos.
A 'fábrica' de jumbos 📦
Outro exemplo de fabricação própria e vendas on-line é o negócio do Sebastião Pereira de Albuquerque Junior, de 58 anos. Ele e o filho Victor Reis, de 26 anos, comercializam jumbos e roupas para os detentos e enviam para 182 penitenciarias de São Paulo.
O negócio começou em 2013, visando ajudar o filho de uma amiga. A família do Sebastião sempre trabalhou com a indústria têxtil, então fabricar peças para os presos no padrão exigido pela SAP não era uma dificuldade.
No começo, eles vendiam apenas kit de roupas para os detentos, composto por: bermuda ou calça caqui, camiseta de manga branca, blusa de moletom (sem botões metálicos, sem zíper e sem estampas), além de chinelos de dedo, com solado fino e tiras de borracha simples.
No entanto, eles perceberam uma demanda no mercado no envio de jumbos, já que muitas famílias não têm condições de ir presencialmente até o presídio ou não conhecem as regras. Para iniciar as vendas, existia um problema: ambos não conheciam o sistema penitenciário.
A empresa envia em média 3 mil jumbos por mês para as penitenciárias de São Paulo. — Foto: Fabio Tito/g1
Foram necessários dois anos de estudos, pesquisa e visitas às unidades prisionais antes de iniciar as vendas. “Depois disso, iniciamos a parte de comercialização e desenvolvemos uma plataforma de e-commerce do início, que atendesse todas as exigências de cores, quantidades, pesos”, diz Sebastião.
Todo o processo de compra e envio é feito pelo site. O cliente seleciona a unidade prisional para onde pretender enviar o jumbo e escolhe os produtos, como alimentos, itens de higiene pessoal, limpeza, vestuários, livros, jogos, cigarro, tabaco, entre outros.
No momento em que a pessoa informa para qual presídio quer mandar o jumbo, só aparecem os produtos permitidos naquela unidade. Uma das vantagens de efetuar a compra no site, em vez de enviar o jumbo por conta própria, é encontrar mercadorias que são aceitas conforme as regras da SAP.
Para comprar e enviar o jumbo, é necessário ter carteirinha de visitante e os dados do preso. Todo o processo de transporte até as unidades prisionais é feito pelos Correios, e o familiar consegue acompanhar o trajeto através do código de rastreio.
A empresa também trabalha com um canal de dúvidas e atendimento especializado, para levar confiança, auxílio e conforto para a família. Os atendentes conhecem todas as regras e leis do sistema carcerário paulista.
Sebastião e Victor trabalham com o envio de jumbos para as penitenciárias do estado de São Paulo. — Foto: Fabio Tito/g1
Além da família dos detentos, eles também atendem empresas que têm colaboradores dentro do sistema prisional. Os detentos que trabalham recebem o salário e alguns benefícios, como a redução da pena.
Entre esses benefícios, algumas empresas enviam cestas básicas para os presos todos os meses com itens de higiene e alimentação, que são fornecidas pelo negócio do Sebastião e do Victor.
Atualmente, eles enviam para as cadeias uma média de 45 a 70 jumbos por dia e têm cerca de 3 mil pedidos por mês. O preço médio de cada jumbo fica na casa dos R$ 380.
“Quando a pessoa é presa, os parentes também recebem essa condenação. A família ama aquela pessoa, independentemente do que aconteceu, então sofre com o preso”, conta o Sebastião.
“Às vezes o pai está dormindo e quando acorda de manhã o filho está preso. Ele vai deixar de amar esse filho? Jamais! O pai continua amando o filho. Então ele vai querer prover para o filho as faltas dele, vai querer dar um produto melhor”, completa.
Fonte: https://g1.globo.com/empreendedorismo/noticia/2024/09/08/conheca-o-empreendedorismo-penitenciario-o-modelo-de-negocio-que-tem-como-foco-as-mulheres-dos-presos.ghtml