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Empresa suspende serviço de monitoramento de presos com tornozeleira por falta de Pagamento pela segunda vez no Tocantins

A Empresa responsável pelo serviço disse que Estado não pagou parte da dívida, como havia prometido. Ao todo, 423 presos são monitorados pelos equipamentos no Tocantins.

Ver a imagem de origem O serviço de monitoramento dos presos que usam tornozeleira eletrônica foi suspenso pela segunda vez em menos de 10 dias. No dia 31 do mês passado, a empresa interrompeu o sistema por causa de uma dívida de R$ 2 milhões por parte do Estado, mas no dia 1º o serviço foi restabelecido após o governo pagar parte da dívida.

A suspensão aconteceu novamente porque a Secretaria de Cidadania e Justiça se comprometeu a pagar R$ 609 mil até esta quinta-feira (8), mas não cumpriu com o acordo, segundo a empresa. "A secretaria somente efetuou o pagamento de R$ 160 mil na última segunda-feira, dia 05 de novembro", disse em nota enviada a impresa

A Secretaria de Cidadania e Justiça informou que apenas a visualização da localização dos presos por computador está suspensa desde às 17 horas desta quinta-feira (8). Disse também que providencia o pagamento de parte da dívida. (Confira abaixo a nota na íntegra)

A responsável pelo sistema informou ainda que os pagamentos estão atrasados há mais de 12 meses. Disse também que, apesar da dívida, a Secretaria da Cidadania e Justiça realizou uma licitação para o monitoramento por tornozeleiras eletrônicas. A empresa afirmou que acionou o Ministério Público Estadual para apontar irregularidades no processo.

Atualmente, de acordo com o governo, 423 presos são monitorados pelos equipamentos. O sistema de monitoramento foi implantado no Tocantins em agosto de 2015 com o objetivo de desafogar o sistema prisional e reduzir os custos para o estado. Além disso, são utilizados para suprir a demanda de unidades do regime semiaberto. A cadeia de semiaberto de Palmas, por exemplo, foi incendiada três vezes e até agora não foi reconstruída.

Por outro lado, os equipamentos não são unanimidade entre os especialistas. Também não são sinônimo de segurança. Pois, vários casos de rompimento foram registrados no estado. Além de presos que mesmo utilizando o equipamento voltam a cometer crimes.

Em dezembro do ano passado, por exemplo, uma tornozeleira eletrônica foi deixada na Central de Flagrantes de Gurupi, sul do Tocantins. Junto com o equipamento, o preso deixou um bilhete se identificando e dizendo o motivo de ter violado as regras de monitoramento: "Viajou, foi passar o Natal e o Ano Novo com a família e trabalhar também."

Nota na íntegra

A Secretaria Estadual da Cidadania e Justiça esclarece que o monitoramento de cerca de 400 reeducandos está sendo feito pela Central de Monitoração de Curitiba (PR).

Na Central de Palmas, somente a visualização da localização dos reeducandos por computador que está suspensa desde às 17 horas desta quinta-feira (8). A secretaria informou também que qualquer violação por parte dos detentos será comunicada imediatamente aos agentes penitenciários e a Justiça para providências penais.

Disse que nesta sexta-feira (9), o Governo vai pagar parte da dívida reconhecida com a empresa, atualmente no valor de R$ R$ 434.544 mil e que na próxima semana, vai se reunir com a empresa para tratativas quanto à monitoração no Tocantins.

Neste momento, a nova empresa contratada para fazer a monitoração já está montando sua Central em Palmas, informou a nota.

 Fonte: agenciatocantins.com.br

Depen inaugura em Guarapuava 20º Telecentro de ensino a distância

 O Departamento Penitenciário do Paraná (Depen) inaugurou um Telecentro na Penitenciária Estadual de Guarapuava – Unidade de Progressão (PEG-UP), na última semana. O espaço, destinado a oferta de cursos de Qualificação Profissional e Educação Superior a distância, é o 20º Telecentro do sistema prisional paranaense. Por conta da pandemia, o evento de inauguração do espaço foi realizado em ambiente virtual.

HISTÓRICO – Os telecentros foram implantados a partir de 2012 por iniciativa do Setor de Educação e Capacitação do Depen em parceria com a Superintendência Geral de Inovação da Casa Civil e Celepar. A partir de 2017, somou-se a essas parcerias, a Associação dos Juízes Federais (AJUFE) e o Instituto Mundo Melhor (IMM), os quais já contribuíram com a instalação de cinco Telecentros, dois em Foz do Iguaçu, Cascavel, Guarapuava e Piraquara.

“Essas parcerias são importantes para ampliarmos os atendimentos educacionais dentro do sistema prisional e o telecentro da Penitenciária Estadual de Guarapuava – Unidade de Progressão, soma-se aos outros 19 espaços já instalados, oportunizando aos privados de liberdade, maior possibilidade de continuidade de estudos e qualificação profissional a distância.”, explicou o diretor do Depen, Francisco Caricati.

Ainda segundo o diretor, de agosto de 2012 até 2020, já foram realizados mais de 27 mil cursos nos Telecentros. Somente neste segundo semestre de 2020, 52 alunos privados de liberdade cursam Ensino Superior nesses espaços.

“Uma das metas do Setor de Educação é a instalação dos telecentros nos estabelecimentos prisionais, pois o laboratório de informática é uma ferramenta importante para diversificar o atendimento da educação e atender um número maior de privados de liberdade. Esse evento foi fundamental para a ampliação de novos telecentros no sistema prisional, pois os parceiros presentes, acreditam na importância da educação para as pessoas privadas de liberdade”, enfatiza Ismael Meira, Chefe do Setor de Educação e Capacitação do Depen.

CURSOS - O Instituto Mundo Melhor (IMM) disponibiliza mais de 160 cursos de iniciação e qualificação profissional, online e gratuitos, para o sistema prisional. Esses cursos são ofertados desde 2012, por meio de convênio com o Depen/Sesp e, a partir de 2017, também, por meio do Projeto “AJUFE por um Mundo Melhor”.
Segundo o presidente da AJUFE, Eduardo André Brandão, a iniciativa “permite não só que o apenado seja inserido no mercado de trabalho, mas contribua também para a diminuição da reincidência e ressocialização do preso, e a associação continuará à disposição dessa iniciativa tão importante”, disse ele.

“Estamos orgulhosos de fazer parte desta união de forças para levar aos cidadãos aprisionados a oportunidade de formação e qualificação com cursos a distância e a diminuição em suas penas. Podem contar com a nossa estrutura, junto com a Celepar, para viabilizar, instalar e manter os telecentros no Paraná. Aproveito para parabenizar todos os envolvidos nesta corrente educacional e social em nosso Estado”, afirmou o superintendente geral de Inovação da Casa Civil, Henrique Domakoski.

O Diretor da penitenciária, Renato Silvestre, encerrou a solenidade. “O telecentro vem coroar o trabalho desenvolvido nesta Unidade de Progressão que trabalha incessantemente para devolver a pessoa em conflito com a Lei de forma melhorada para a sociedade. Ficamos felizes pela parceria com a AJUFE e demais envolvidos que nos brindaram com os recursos para este projeto que será intensamente utilizado de forma a bem instruir nossos sentenciados, preparando-os para o mercado de trabalho”, comemorou Silvestre.

PRESENÇAS - O evento contou com a participação do Presidente da Associação dos Juízes Federais (AJUFE), Eduardo André Brandão, da Juíza Federal e Diretora do Foro de Guarapuava, Marta Ribeiro Pacheco, do representante da Superintendência Geral de Inovação da Casa Civil, Leonardo Franceschi e a Presidente do Instituto Mundo Melhor, Cirley Pauliki.

Também participaram da inauguração representando a Justiça Federal o ex-presidente da AJUFE, Antônio César Bochenek, a Diretora Patrícia Panasolo e o juiz federal Rafael Wolff. Representando a Superintendência Geral de Inovação da Casa Civil participaram os assessores, Leonardo Franceschi e Thiago Silva. Participou da inauguração, o coordenador do Programa Telecentro do Estado do Paraná, Maurício Ferreira. Ainda, o Instituto Mundo Melhor foi representado pelo coordenador geral, Orion Barbosa e a Gestora do AVA, Fernanda Matos.

 Fonte: depen.or.gov.br

 

Projeto Pipoca: Detentos produzem materiais para animais de rua, na Cadeia Pública de Toledo (PR)

Projeto Pipoca: Detentos produzem materiais para animais de rua, na Cadeia Pública de Toledo (PR) Casinhas, caminhas e tapetes para pets, estão entre os primeiros materiais produzidos no Projeto Pipoca, que começou na Cadeia Pública de Toledo há cerca de um mês. O objetivo da iniciativa é fabricar os objetos e doar à instituições que atuam no resgate de animais abandonados na região da regional do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen-PR) de Cascavel. Na última sexta-feira (04/09), 13 casinhas e 08 caminhas, produzidas até o momento, foram repassadas durante um evento em Cascavel.
Os materiais são produzidos por presos do Sistema Penitenciário com palets, tecidos e tintas fornecidas a partir de doações de algumas empresas e organizações não governamentais (ONGs). Os primeiros utensílios foram entregues ao projeto Latidos do Bem, que destinará as casinhas como abrigo aos animais de rua, venderá as caminhas e utilizará o dinheiro arrecadado para arcar com custos de ração e possíveis cirurgias.
"O Projeto Pipoca é incentivador e será contínuo. Além disso, temos a intenção de ampliá-lo, implementando a iniciativa em outras unidades do Departamento Penitenciário," explicou  o coordenador regional do Depen em Cascavel, Thiago Correia.
Para a cuidadora de animais e membro do projeto Latidos do Bem, Luciana Braga, os materiais chegaram em um momento oportuno.  "Nós estamos com um projeto-piloto para abrigar animais de rua, mas não tínhamos onde colocá-los. Então, as casinhas vão ajudar  muito, além do dinheiro arrecadado com a vendas das caminhas, que será revertido em ração", declarou.
Além de atender demandas da causa animal, o Projeto Pipoca visa dar oportunidade de trabalho e ressocialização a mais detentos do Sistema Prisional, como demanda a  Lei de Execução Penal.
O NOME - O nome "Projeto Pipocas" homenageia a cachorrinha Pipoca, envolvida em um incidente na Cadeia Pública de Cascavel, quando foi atingida por disparo de arma não letal.
De acordo com informações da unidade, Pipoca recebeu alta na quinta-feira (03/09), depois de quase um mês de internamento. Ela está sob cuidados de uma policial civil que atua na Cadeia Pública de Cascavel, enquanto aguarda por uma adoção consciente. Ela também recebeu uma casinha e uma caminha produzidas pelos presos.
 

Vidas Presas Importam: famílias de prisioneiros protestam por melhores condições

Ato reuniu 2.000 pessoas próximo ao Palácio dos Bandeirantes nesta sexta (28/8) em SP; entre as reclamações, atrasos e problemas nas visitas virtuais e dificuldade para a entrega de ‘jumbos’

 A suspensão de visitas presenciais foi a principal medida tomada pelo Estado brasileiro para a contenção de casos de Covid-19 no sistema prisional. No primeiro fim de semana após a declaração da pandemia de Covid-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março, antes mesmo de diversos estados brasileiros declararem quarentena devido à pandemia, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) se adiantou e suspendeu as visitas de familiares a presos em todo o território nacional. 

Com o passar do meses, a medida também se tornou o maior motivo de indignação dos cerca de dois mil familiares de presidiários que se reuniram em manifestação na última sexta (28/8) no bairro do Morumbi, nas proximidades do Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo. Na mesma semana, ocorreram movimentações e protestos de familiares em outros estados brasileiros, como Minas Gerais, reivindicando melhoria das condições de vida e do acesso a medidas de prevenção dos detentos e o restabelecimento das visitas presenciais.

Outra medida voltada para a “contenção da pandemia” foi a destinação de cerca de R$ 20 milhões pelo Depen para a compra de equipamentos não-letais, a serem utilizados no caso de necessidade de conter “possíveis tumultos” no sistema prisional, decorrentes da suspensão de visitas durante a pandemia.

No estado de São Paulo, somente em julho estabeleceu-se uma política de visitação online, com duração de cinco minutos. Por conta da dificuldade do acesso à internet, do tempo limitado e das restrições impostas para o cadastro e para a realização das visitas, gerenciadas pela Secretaria de Administração Penitenciária, os familiares consideram a medida insuficiente. 

Enquanto isso, no ato da última sexta, familiares denunciaram também a dificuldade de acesso a EPIs, de atendimento médico regular, e a má qualidade da alimentação nos centros de detenção como fatores que aumentam os riscos de contágio e de complicações pela infecção pelo coronavírus na população carcerária. Para o sociólogo e pesquisador do sistema prisional brasileiro Rafael Godoi, a interrupção das visitas encarece e dificulta o abastecimento de itens essenciais para a manutenção da vida dos presos (os chamados “jumbos”) que, segundo ele, são custeados e fornecidos pelas famílias, e não pelo Estado. É o que relata Amanda Lucia Santos no vídeo produzido pela Agência Pavio: com dois filhos presos e sem acesso nem mesmo à visita virtual, ela envia quinzenalmente alimentos, casacos, produtos de higiene e limpeza, e até mesmo máscaras de proteção para dentro dos centros de detenção onde os filhos estão.

Segundo Godoi, além de insuficiente na contenção dos casos de infecção pela covid-19, é “curioso” que, em meio ao processo de reabertura que o país atravessa, “normalizando as cerca de mil mortes por dia, o total de mais de cem mil mortos por Covid-19”, a única coisa que não possa voltar ao normal sejam as visitas carcerárias. Para ele, desde o início da pandemia, “os presos foram os primeiros privados desse direito, e são agora os últimos a poder voltar a normalidade”.

 Fonte: ponte.org

Abolicionistas penais defendem reparação às vítimas da guerra às drogas

Homem durante passeata para legalização da maconha  - MIKE HUTCHINGS/Reuters Não basta legalizar a produção e consumo de drogas, como a maconha, no Brasil.

Em vez de copiar processos como os de alguns estados norte-americanos, é preciso pensar em um modelo próprio de regulação das substâncias que coloque em discussão três grandes etapas posteriores à descriminalização e, consequentemente, ao fim da guerra às drogas: reconstituição histórica, medidas reparatórias e condições para que as populações negras, vítimas principais desta guerra, tenham condições de disputar o mercado lícito.

É o que afirmam dois abolicionistas penais ouvidos pelo Ecoa durante uma videoconferência realizada na quinta-feira (20).

"É fundamental que a gente estabeleça mecanismos para verificar os impactos da guerra às drogas ao longo dos anos para poder, inclusive, responsabilizar o Estado. Isso vai estabelecer um marco temporal em que o Estado reconhece a sua participação e vai investir recursos para superar esse quadro a ponto de não ser repetido", defende o historiador e especialista em Gestão Estratégica de Políticas Públicas Dudu Ribeiro, que conversou com a reportagem ao lado da socióloga Nathália Oliveira, ex-presidente do Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas e Álcool de São Paulo (COMUDA) e uma das principais vozes do ativismo anti-proibicionista no país.

Ambos atuam hoje na Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, primeira ONG de advocacy que propõe mudanças na abordagem atual de encarceramento e violência contra populações negras no Brasil.

A preocupação com o momento de superação da guerra às drogas é não repetir erros do passado, como aconteceu ao fim da Abolição da Escravatura, em 1888.

Segundo eles, não se pode pensar em um processo de legalização que diga "a partir daqui está legalizado e o que aconteceu antes está tudo certo". Eles defendem uma discussão profunda sobre reparação às vítimas dessa guerra seletiva e a introdução de políticas afirmativas de crédito que permitam a inclusão de pessoas negras neste mercado, não apenas como empregadas dos empreendimentos brancos.

Trata-se, afinal, da superação de um trauma coletivo histórico. "Quando a gente pensa no pós-abolição, várias pessoas brancas, da elite, eram a favor do fim da escravidão por interesses econômicos. No dia seguinte parte dessas pessoas não estava ao lado dos sujeitos negros que receberam a sua abolição para a construção de políticas reparatórias e inclusão desses sujeitos enquanto cidadãos. A mesma coisa na ditadura. O Brasil tem uma dificuldade muito grande em rever o seu passado e produzir processos de reparação", diz Nathália Oliveira, de sua casa, em São Paulo.

Os processos inconclusos, segundo ela, deixam mazelas no tecido social que podem durar duas, três gerações seguidas ou até mais. É o caso também da guerra às drogas.

Segundo Dudu Ribeiro, as etapas de superação idealizadas pelo movimento visam a impedir que aconteçam por aqui as distorções já observadas em estados norte-americanos onde é vetada a participação no mercado lícito de pessoas criminalizadas anteriormente pela política de drogas. Lá, afirma ele, a mudança na lei não significou mudanças na criminalidade e na política de encarceramento em massa. "A população negra não consegue entrar no mercado lícito. A gente vai precisar, nesta etapa de oportunidades, reduzir as disparidades. Vamos precisar desde créditos para agricultura familiar até processos de incentivo a empreendimentos comunitários", afirma o historiador, que atua em Salvador.

Ele lembra que, atualmente, existem mais medidas restritivas do que facilitadoras do acesso no Brasil à terapia por cannabis, por exemplo. "Temos hoje o remédio que está validado pela Anvisa que é longe do acesso da maioria das pessoas do Brasil porque é caro. Ainda não temos condição do autocultivo, para pessoas produzirem seu próprio remédio. E não temos uma política que pense a disseminação e a distribuição das possibilidades terapêuticas da cannabis pelo SUS, que de fato faria com que ela virasse uma política pública e não apenas um privilégio. Isso sem falar de outras substâncias que já tiveram as suas propriedades medicinais exploradas, como a própria cocaína, o MDMA e o LCD. Nós estamos ainda mais longe de pensar nos caminhos regulatórios para essas substâncias também."

Guerra contra quem?

Até que essa legalização aconteça, é preciso desativar uma guerra em curso no Brasil. E essa guerra não é contra todo mundo.

Lucas Morais da Trindade, preso preventivamente há mais de um ano por portar 10 gramas de maconha - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Lucas Morais da Trindade, preso preventivamente há mais de um ano por portar 10 gramas de maconha, foi vítima da covid-19 em um presídio de Minas Gerais
Imagem: Arquivo pessoal

"O modelo de acesso a substâncias ilícitas para a população negra tem a morte, a guerra, o encarceramento e o massacre, mas para a população branca tem o lucro", afirma Dudu. "A gente consegue observar a participação de grandes corporações no processo de circulação das substâncias psicoativas. Não foi à toa que, alguns anos atrás, o HSBC pagou um acordo bilionário nos EUA para se safar de uma investigação criminal depois de passar longas décadas lavando o dinheiro do tráfico de drogas no México, assim como as toneladas de cocaína achadas no navio registrado em nome da JP Morgan, um dos maiores bancos do mundo. Então existe um tipo de circulação que não vê a guerra. Ele não se movimenta a partir das armas, a partir das mortes. Ele se movimenta a partir da linguagem econômica e financeira."

Os estudiosos lembram que, de acordo com uma pesquisa de 2015 do Instituto Igarapé, em 75% dos casos de apreensão em flagrante de maconha no Rio de Janeiro, a quantidade não chegava a 50g. Para cocaína, 11g foi o máximo apreendido em 50% das ocorrências, enquanto metade das apreensões de crack era de 5,8g. "Isso nos faz pensar que essa guerra não é necessariamente por causa das drogas. Não importa se vendeu-se maconha, explosivo ou Pinho Sol. Existe uma criminalização antecipada. Em determinados territórios, a pessoa é criminalizada antes da droga chegar. O processo de regulamentação deve levar isso em consideração para combater as condições estruturais da aplicação da Justiça no Brasil. Não quer dizer que se a gente legalizar todas as substâncias não vão aparecer novos instrumentos de criminalização das pessoas e dos territórios. Porque o Rafael Braga foi preso com Pinho Sol. Não foi preso com explosivo", diz o historiador.

Essa situação de desigualdades ficou ainda mais evidente durante a pandemia. Isso apesar de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça visando a redução da população carcerária durante o período. "Mesmo com essa orientação, os magistrados não a seguem. Inclusive porque eles são parte fundamental desse modelo de guerra às drogas. Tivemos não só no Rio de Janeiro, como aqui mesmo, na Bahia, um crescimento da mortalidade das pessoas na cena urbana. As operações policiais continuaram mesmo no cenário de pandemia. A ideia do 'fica em casa', para muitos de nós, é também arriscada, porque a política de segurança pública vai até nossas casas", diz ele.

Por conta disso, a Iniciativa Negra lançou o site "Drogas na quarentena" para divulgar informações para redução de danos no uso de substâncias psicoativas que poderia ser influenciado pelo cenário de isolamento social.

"Hoje, em Salvador, vivemos uma situação de crescimento de 28% em relação ao mesmo período do ano passado em relação a homicídios. Isso tem a ver com o modelo de combate às drogas, mas não necessariamente os conflitos são gerados pelas substâncias. Muitos são gerados pela opção do Estado de fazer a guerra."

Da senzala ao cárcere

Atualmente, segundo a Iniciativa Negra, 156.749 pessoas estão encarceradas por crimes relacionados a drogas no Brasil.

Discutir a política de drogas é discutir a seletividade do sistema de Justiça. Essa seletividade tem o racismo como ponto central. De acordo com um levantamento de 2017 feito pela Agência Pública, 71% das pessoas negras condenadas por tráfico no Brasil tinham, em média, 145 gramas de maconha. Já para 64% dos brancos condenados, foi preciso carregar uma quantidade oito vezes superior da droga, 1,14 quilo, em média, para receberem a mesma pena.

A população carcerária no Brasil praticamente triplicou nos últimos 20 anos, saltando de 232,7 mil presos em 2000 para mais de 770 mil no primeiro semestre de 2019. Esse crescimento foi impulsionado por alterações na Lei de Drogas, em vigor desde 2006.

Hoje, segundo Nathália Oliveira, cerca de 70% das condenações acontecem com base apenas na palavra dos agentes policiais que estavam na operação, sem a devida apuração do Ministério Público. "Isso pode gerar várias distorções e desproporcionalidades. A gente tem diversas condutas que podem ser lidas como tráfico. Isso é a mudança dessa lei. Tem situações de pessoas que são presas em território de periferia só com uma quantidade de dinheiro trocado, sem nem droga nem nada. E, muitas vezes, uma coisa que pega na condenação desse sujeito é que, se ele foi preso em uma região periférica, automaticamente já dizem que ele estava associado ao tal crime organizado. É como se essa lei trouxesse a costura para uma prática que já acontecia", diz a especialista, para quem o sistema cria uma situação de poucas possibilidades para o cidadão deixar a ilicitude depois que ele vai preso.

Segundo os ativistas, acabar com o paradigma da guerra às drogas tem um pressuposto anterior. "Primeiro é preciso criar esse processo de humanização e entender que não é normal a maneira como alguns territórios, principalmente urbanos, são tratados de maneira diferenciada no Brasil para que a gente consiga chegar a uma demanda de pacificação na sociedade a partir da guerra às drogas. Isso envolve repensar segurança pública, o sistema de Justiça, o acesso à defesa. Esses temas são conectados", diz Nathália.

"É importante, para quem faz advocacy, acompanhar as leis correlatas, os programas de governo, de modo a criar uma configuração, um contexto de pressão que gere essa necessidade de fazer a pacificação e a posterior regulamentação das drogas. A guerra às drogas é hoje um grande ator para a manutenção dessas estruturas de desigualdade."

Funcionários trabalham em estufa com plantação de maconha, em Carpinteria, na Califórnia - Jae C. Hong/AP - Jae C. Hong/AP
Funcionários trabalham em estufa com plantação de maconha, em Carpinteria, na Califórnia
Imagem: Jae C. Hong/AP

Até o fim do século 19, lembra ela, os sujeitos negros eram tratados como mercadoria, sem direito, portanto, à cidadania. O discurso era o de deter esses inimigos. "Qualquer resistência era vista como ameaça. Então era autorizado direcionar a sua política, suas leis, contra os sujeitos negros. A intencionalidade de um século e início de outro, com várias políticas eugenistas, da medicina, inclusive, embasaram várias coisas que a gente tem até hoje. Quando se diz que a lei é racista, ela pode não ser em sua declaração, mas o conjunto do pensamento que embasou este arcabouço foi e tinha essa intenção declarada", afirma Nathália.

A socióloga lembra que a guerra às drogas resultante desses processos históricos atinge hoje o elo mais frágil da cadeia de produção e consumo. "Não é na favela que você tem o solo para plantar, seja maconha ou cocaína, não é na favela que estão os laboratórios de refinamento. Toda essa outra estrutura da cadeia produtiva está invisibilizada. Então é uma guerra altamente desproporcional e muito cruel."

Segundo ela, na medida em que o Estado brasileiro, sabendo disso e faz a opção por manter a segurança pública nos moldes atuais, gerando como resultado 50 mil mortes por ano, ele se torna também um investidor dessa guerra.

Para Dudu, o ambiente para rediscutir esse paradigma só vai se ampliar no cenário político quando o racismo institucional no Brasil for devidamente combatido. "Vamos precisar caminhar mais juntos da sociedade brasileira no sentido da reumanização dos corpos desumanizados nos processos de guerra. As pessoas continuam convivendo com 50 mil pessoas assassinadas por ano já há mais de uma década no Brasil e mais de 700 mil pessoas presas. Esse é um cenário plenamente desumanizador. A gente precisa fazer este processo junto à sociedade brasileira de reumanização, de construção deste sentido de humanidade, para elas também conseguirem cada vez mais perceber a necessidade de superação desses mecanismos de guerra."

Milícias e armamentos

Na história da guerra às drogas, o controle transnacional ganha corpo no período da Guerra Fria, uma época marcada pela alta produção de armamentos. O final da Guerra Fria, segundo Dudu, impõe um desafio aos produtores de armamento: como dar vazão a essa produção? A resposta aconteceu por meio do incentivo de conflitos armados na América Latina e nos territórios africanos. "O processo de guerra às drogas cai como uma luva para esse processo de escoamento da produção de armamento", diz o historiador.

Hoje, segundo ele, existe "um conjunto gigantesco" de decretos e portarias publicadas pelo governo brasileiro que facilitam a compra de armamento e dificultam o rastreamento das munições. "Temos também um processo de monopólio da venda de armamentos para as polícias no Brasil. Tanto a empresa que vende os armamentos quanto a empresa que vende os cartuchos se movimentam no mercado como um monopólio. O que nos conecta com esse movimento de armamento com a política de guerra às drogas é que a indústria armamentista é uma das grandes lobistas de manutenção do processo de guerra. É a partir deste processo que ela vende armas tanto para as polícias quanto para as seguranças privadas e essas perspectivas de armamento individual vai sendo escoada para o mercado ilícito. A questão é que o armamento lícito, mesmo permitido e menos controlado, não é barato. As pessoas ricas vão conseguir comprar armamento regulamentado e as pessoas que não têm acesso e queiram se armar vão ter que continuar comprando no mercado ilícito. Essa é uma questão: quem está se armando. Quem está comprando no mercado lícito não é o conjunto da população brasileira, que não tem condições de pagar R$ 6 mil, R$ 7 mil em uma arma. E pagar todos os tributos decorrentes desta aquisição."

Segundo ele, a morte da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, no Rio, é representativa dessa questão do controle dos cartuchos. "Depois que se descobriu qual era o cartucho e tentou-se fazer o rastreamento, chegou num montante de mais de um milhão de balas em uma única venda. É um conjunto de instrumentos que permitam a atualização do processo genocida no Brasil. Para nós, da iniciativa negra, a guerra às drogas é o arcabouço mais bem acabado de um processo que é histórico. Não apenas da produção de mortes, mas de sequestros, de estigmatização, porque isso tem a ver com a disputa de possibilidades de acesso à cidadania desde o pós-abolição", afirma.

Ele lembra que, no período pós-abolição, a aprovação de um código penal aconteceu dez anos antes da aprovação de um código civil, justamente para impedir o acesso à cidadania da população negra egressas da escravidão. "Ao longo do século 20 a gente vai ter várias etapas, desde a declaração do (médico) Rodrigues Doria, em 1915, que diz que a maconha é uma vingança dos negros contra os brancos, e por isso tem que ser proibida, até a declaração de guerra às drogas do presidente (dos EUA Richard) Nixon, que criou a guerra às drogas pensando em controlar negros e os brancos que iam para as ruas contra a Guerra do Vietnã. Temos etapas que conseguem dar uma visualização de como a guerra às drogas tem relação com processos anteriores de subalternização, de violência, de controle."

Fonte: uol.com.br

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